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sábado, 1 de dezembro de 2018

Alves Redol - Autor do mês de dezembro


"Este romance [Gaibéus] não pretende ficar na literatura como obra de arte.
Quer ser, antes de tudo, um documentário humano fixado no Ribatejo.
Depois disso, será o que os outros entenderem."


A 29 de dezembro de 1911, nasce em Vila Franca de Xira o romancista e dramaturgo português Alves Redol.

Filho de um pequeno comerciante ribatejano, desde muito novo conhece o mundo dos jornaleiros que trabalhavam nas lezírias durante as mondas (os “gaibéus”) e dos pescadores da sua região.
Sonhando ser escritor e jornalista, começou a escrever aos 12 anos num dos jornais do Colégio Arriaga, em Lisboa, onde frequentava o curso comercial. Com 14 anos, envia os primeiros textos para um jornal de Vila Franca, apresentando as suas impressões sobre as precárias condições de vida do homem rural, tema que o acompanhará ao longo da sua obra. Aos 15 anos, após concluir o curso comercial, começa a trabalhar como vendedor de mercearias e, mais tarde, de tecidos.
Em 1928, parte para Angola, onde desembarcou “com 50$00, uma garrafa de vinho do Porto na mão e a experiência de uma viagem com emigrantes de 3ª classe e condenados por crimes na militança” (in Gaibéus, Breve memória, na edição de 1965). Arranja emprego como empregado de escritório, complementando o salário curto com aulas numa escola noturna. A pobreza e uma doença obrigam-no a regressar à Metrópole (“Quando voltei de Luanda, vinha mais para a morte do que para a vida. Pagava a peita de três anos com uma anemia palustre, regressando na mesma classe em que abalara. Fui sempre até aí passageiro de 3ª” - in Gaibéus, op.cit.).
Em Vila Franca de Xira, continua a colaborar no jornal de Vila Franca e participa de forma ativa na vida social do concelho, mobilizando muita gente das classes trabalhadoras para as atividades do Grémio Artístico Vilafranquense – onde, em 1934, realiza a sua primeira palestra sobre a colonização portuguesa em África, “Terra de pretos, ambição de brancos”.

Também na Associação de Classe dos Operários da Construção Civil Alves Redol dá aulas de aperfeiçoamento profissional para os seus membros e na coletividade Sport Lisboa e Vila Franca, que aponta para uma cultura das classes laboriosas, profere e organiza aulas noturnas de alfabetização, conferências e palestras, atento e identificado com o Povo (“O meu coração colocara-se com veemência ao lado do povo”, in Gaibéusop.cit.). A polícia política encerra esta coletividade, por considerar que nela se tomava consciência das injustiças da sociedade.
Em 1932 publica a sua primeira novela, Drama na Selva, n’ “O Notícias Ilustrado”, de Lisboa. Colabora também com o jornal vilafranquense “Mensagem do Ribatejo” onde dirige, em 1939, uma página literária.
Gaibéus, um dos seus primeiros romances (1939), é considerado um dos textos literários fundadores do neorrealismo, corrente artística surgida em meados do século XX com um caráter ideológico marcadamente de esquerda/marxista, que teve ramificações em várias formas de arte (literatura, pintura, música, cinema), tomando os seus autores posição na luta de classes, denunciando as desigualdades sociais e o que consideram as injustiças da condição operária e camponesa.

Em Gaibéus, “um romance antiassunto, ou, melhor, anti-história, sem personagens principais, […] o tema nasce no coletivo de um rancho de ceifeiros migradores […]. O trabalho produtivo, a exploração descarnada do homem pelo homem, tomados nos seus aspetos mais crus, na lâmina viva do dia a dia, dominam o livro“ (in Gaibéusop.cit.). Alves Redol assim inicia o ciclo de ficção temática ribatejana de camponeses e pescadores da borda d’água, continuado em romances como Marés, Avieiros ou Fanga.





Alves Redol sempre se envolveu na luta de resistência ao regime salazarista. Nos anos trinta, insere-se na luta antifascista clandestina, mantendo a colaboração em jornais de relevo na luta anti Estado Novo, como “O Diabo” ou “Sol Nascente”. Compreendia a literatura como uma forma de intervenção social e trazia para o universo da ficção personagens, temas e situações ignorados pela literatura, o que lhe valeu alguns conflitos com a censura (é obrigado a submeter os originais a censura prévia), a vigilância por parte da PIDE (esteve preso várias vezes), bem como o ataque dos críticos e a aversão de algum público. Talvez por isso, na epígrafe de Gaibéus, o próprio Redol afirma "Este romance não pretende ficar na literatura como obra de arte. Quer ser, antes de tudo, um documentário humano fixado no Ribatejo. Depois disso, será o que os outros entenderem".
Em Novembro de 1945, entra para a Comissão Central do Movimento de Unidade Democrática (M.U.D.), participando ativamente nas campanhas da oposição democrática aquando da realização de “eleições” promovidas pelo regime (e anunciadas pelo próprio Salazar como “livres como na livre Inglaterra”).
Escritor de importância internacional, foi traduzido em várias línguas. Pelo romance Horizonte Cerrado, primeiro volume de uma trilogia sobre os vinhateiros do Douro, recebe, em 1950, o Prémio Ricardo Malheiros, atribuído pela Academia das Ciências de Lisboa.


Em 1961 publica o que é considerado pela crítica o seu melhor romance: Barranco de Cegos.



Alves Redol também escreveu para a infância, como os livros da série Maria Flor, o romance A Vida Mágica da Sementinha ou Constantino, Guardador de Vacas e de Sonhos, que é considerado um dos seus mais belos livros, tendo como protagonista Constantino, um pequeno amigo que ele vê crescer no Freixial, e que, enquanto guarda as vacas, sonha em ser serralheiro de navios e fazer um barco que o leve até Lisboa.



Alves Redol morreu a 29 de Novembro de 1969, em Lisboa.

[fonte bibliográfica:
http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/EFEMERIDES/AlvesRedol/BiogARedol.pdf, biografia que “é a única que é certificada pela família, não tendo os erros que muitas outras, mesmo da responsabilidade de investigadores de mérito, têm”.]


Obras
(*) constam do catálogo da Biblioteca do ECB

Romances

Gaibéus (1939) (*)
Marés (1941) (*)
Avieiros (1942) (*)
Fanga (1943)
Anúncio (1945)
Porto Manso (1946) (*)
Ciclo Port-Wine:
Horizonte Cerrado (1949) (*)
Os Homens e as Sombras (1951) (*)
Vindima de Sangue (1953) (*)
Olhos de Água (1954) (*)
A Barca dos Sete Lemes (1958) (*)
Uma Fenda na Muralha (1959) (*)
Cavalo Espantado (1960) (*)
Barranco de Cegos (1961) (*)
O Muro Branco (1966) (*)
Os Reinegros (1972) (*)

Teatro

Maria Emília (1945)
Forja (1948)
O Destino Morreu de Repente (1967)
Fronteira Fechada (1972) (*)
Contos
Nasci Com Passaporte de Turista (1940)
Espólio (1943)
Comboio das Seis (1946)
Noite Esquecida (1959)
Constantino, Guardador de Vacas e de Sonhos (1962) (*)
Histórias Afluentes (1963) (*)
Três Contos de Dentes Para o Ofício 4001 (1968)

Literatura infantil para quem gosta de imaginar que está dentro destas histórias

Vida Mágica da Sementinha (1956) (*)
Ciclo A Flor:
A Flor Vai Ver o Mar (1968)
A Flor Vai Pescar Num Bote (1968)
Uma Flor Chamada Maria (1969)
Maria Flor Abre o Livro das Surpresas (1970)

Estudos

Glória: Uma Aldeia do Ribatejo (1938)
A França: Da Resistência à Renascença (1949)
Cancioneiro do Ribatejo (1950)
Ribatejo (Em Portugal Maravilhoso) (1952)
Romanceiro Geral do Povo Português (1964)

Conferência

Le Roman de Tage (Edição da Union Française Universitaire, Paris) (1946)