Veio
ter comigo hoje a poesia.
Há
quanto tempo? Desde a juventude.
Veio
num raio de sol, num murmúrio de vento.
E
a ilusão que me trouxe de uma antiga alegria
reinventou-me
a antiga plenitude
que já não
invento.
In Conta Corrente I
Vergílio
António Ferreira nasceu no dia 28 de janeiro de 1916, na aldeia de Melo,
concelho de Gouveia, e morreu em Lisboa, no dia 1 de março de 1996.
A sua
infância e adolescência foram passadas na região da Serra da Estrela e será
essa a paisagem que percorre muitos dos seus romances.
Depois
de concluir o curso liceal no Liceu da Guarda, entrou para a Faculdade de
Letras da Universidade de Coimbra, licenciando-se em Filologia Clássica em 1940.
Como professor de Português, Latim e Grego percorreu vários liceus do país: de
Faro a Bragança, de Gouveia a Lisboa, cidade onde terminou a sua carreira
docente, no Liceu Camões.
Em
1939, escreveu o seu primeiro romance, O
Caminho Fica Longe, publicado em 1943.
Com
cerca de 50 títulos publicados, a sua obra percorre vários géneros, da ficção
(romance, conto) ao ensaio e diário e pode ser agrupada em dois períodos literários:
o Neorrealismo (de 1939 a 1947) e o Existencialismo (de 1953 a 1996).
Manhã Submersa (1954) e Aparição (1959) são consideradas as obras que iniciam o período em
que Vergílio Ferreira adere a preocupações de natureza metafísica e
existencialista.
Manhã Submersa retrata a passagem pelo Seminário
do Fundão, onde entrou aos 12 anos.
“O
despertar para a vida de uma criança, entre a austeridade da casa senhorial de
D. Estefânia, a sensualidade da sua aldeia natal e o silêncio das paredes do
seminário. Um jovem seminarista de 12 anos é obrigado a ir para o seminário. E
a história desenrola-se em torno das vivências e sentimentos que o jovem
seminarista vai experimentando. Num ambiente negro, triste, ríspido e severo do
seminário, o jovem descobre-se e descobre o mundo que o rodeia: a repressão na
educação, a pobreza da sua terra, as desigualdades sociais, o desejo do seu
corpo, a camaradagem, a amizade, o amor” (in https://www.wook.pt/livro/manha-submersa-vergilio-ferreira/220796).
Em
1980, o realizador Lauro António adapta esta obra para o cinema, desempenhando
o próprio Vergílio Ferreira um dos principais papéis, o de Reitor do Seminário,
contracenando com grandes nomes do cinema português, como Eunice Muñoz, Canto e
Castro, Jacinto Ramos e Carlos Wallenstein.
Em
Aparição, o narrador-personagem
Alberto Soares procura compreender a realidade da sua existência, buscando a
descoberta da pessoa que há em cada um de nós e a revelação de si a si próprio
(a aparição), através da memória do
passado, um mais distante, da infância, e o outro, mais recente, de professor
de língua e literatura que, recém-formado, vai trabalhar para Évora, a cidade
dos pais. Em Évora conhece Sofia, a quem começa por dar lições de Latim e com
quem se envolve numa relação como se fosse "o último amor de dois condenados"
(cap.7), e as suas irmãs Ana, a mais velha, que o seduz pela sabedoria, e
Cristina, criança ainda que, aos 7 anos, toca Chopin divinamente e cuja morte
vai possibilitar a Alberto a
exaltação integral da condição humana. Talvez Alberto, o herói que alcançou a
sua aparição, possa ser visto como um
alter-ego de Vergílio Ferreira, pois se o autor escreveu sobre estas teorias, é
porque também ele pensou sobre elas.
Aparição é considerada “uma das obras mais
emblemáticas do romance português do século XX - e um momento decisivo no
percurso literário e filosófico do autor, personificado, de alguma maneira,
pelo encontro entre Alberto e Cristina [...]. Em Aparição, o que está em jogo é o destino e a insatisfação diante do
visível, ou seja, toda a nossa condição humana. Um romance inesquecível que
atravessa o tempo e fixa as inquietações que nunca cessam” (in https://www.wook.pt/livro/aparicao-vergilio-ferreira/15429114).
Durante
treze anos (entre 1981 e 1994), Vergílio Ferreira publicou nove volumes de diário,
aos quais deu o título genérico de Conta-Corrente.
Os textos contidos nesses volumes vão desde fevereiro de 1969 (altura em que
iniciou a sua escrita) até dezembro de 1992 (altura em que terá abandonado o
género). Os volumes, onde procura “o registo diário do que me foi afectando”,
subdividem-se em duas séries: a primeira composta por cinco volumes e a segunda
por quatro. Por várias vezes pensou abandonar este projeto, pois sentia que se
estava a expor demasiado perante o leitor, mas, apesar deste conflito interior
(«Extremamente difícil continuar este diário. (…) Que me leiam um romance, não
me perturba. Mas não que me leiam a mim.»), a escrita do diário prossegue.
Algumas
das suas obras forma publicadas a título póstumo: Cartas a Sandra (obra inacabada), em 1996; Espaço do Invisível V, em 1998; Escrever,
em 2001, o último livro que escreveu e onde repensa e atualiza os grandes temas
de sempre: a matéria da escrita e da arte, o corpo, a velhice e a doença, a
morte, o abismo para onde, na sua opinião, a civilização caminha (não deixando
de lado uma matéria que ultimamente tanto se discute: o poder perverso da
televisão); e Diário Inédito, em
2010, correspondendo a um diário escrito entre 1944 e 1949, e que contém
reflexões literárias e filosóficas, comentários de leituras e de episódios do
dia-a-dia, evidenciando já algumas características que virão, anos mais tarde,
a expandir-se em Conta-Corrente.
Foram
vários os prémios que Vergílio Ferreira recebeu ao longo da vida.
A
3 de Setembro de 1979 foi feito Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da
Espada.
Entre
os prémios literários, destacam-se o Prémio Camilo Castelo Branco, da Sociedade
Portuguesa de Autores, pela obra Aparição
(1960); Prémio D. Dinis (1981); o Prémio Literário Município de Lisboa (1983);
Prémio P.E.N. Clube Português de Novelística (1984 e 1991); Grande Prémio de
Romance e Novela APE/IPLB (1987), com Até
ao Fim; Prémio Femina (França, 1990), com Manhã Submersa; Grande Prémio de Romance e Novela APE/IPLB (1993);Prémio
P.E.N. Clube Português de Ensaio (1993).
Em 1991, recebeu o
Prémio Europália, em Bruxelas, pelo conjunto da sua obra. Na cerimónia em que o
Prémio lhe é atribuído, lê o magnifíco texto «A Voz do Mar», de onde se extrai
“Uma língua é o lugar donde se vê o mundo e em que se
traçam os limites do nosso pensar e sentir. Da minha língua vê-se o mar. Da
minha língua ouve-se o seu rumor, como da de outros se ouvirá o da floresta ou
o silêncio do deserto. Por isso a voz do mar foi em nós a da nossa inquietação.
Assim o apelo que vinha dele foi o apelo que ia de nós.”
Em
1992 foi eleito para a Academia das Ciências de Lisboa e, pelo conjunto da sua obra,
foi-lhe atribuído o Prémio Camões, o mais importante prémio literário dos
países da língua portuguesa.
Vergílio
Ferreira morreu no dia 1 de março de 1996, em sua casa, em Lisboa, na freguesia
de Alvalade O funeral foi realizado no cemitério de Melo, a sua terra-natal e,
a seu pedido, o caixão fora enterrado virado para a Serra da Estrela.
O seu nome continua
atualmente associado à literatura através da atribuição anual do Prémio
Vergílio Ferreira pela Universidade de Évora, que distingue o conjunto da obra
literária de um autor de língua portuguesa relevante no âmbito da narrativa
e/ou ensaio. No dia 21 de dezembro de 2017,
Gonçalo M. Tavares venceu o Prémio Literário Vergílio Ferreira 2018.
Obras de Vergílio Ferreira
1938 – A curva de uma vida (póstumo
2010, do espólio)
1943 – O Caminho Fica Longe
1944 – Onde Tudo Foi Morrendo
1946 – Vagão "J"
1947 – Promessa (póstumo 2010, do
espólio)
1949 – Mudança
1953 – A Face Sangrenta
1954 – Manhã Submersa
1959 – Aparição
1960 – Cântico Final
1962 – Estrela Polar
1963 – Apelo da Noite
1965 – Alegria Breve
1971 – Nítido Nulo
1972 – Apenas Homens
1974 – Rápida, a Sombra
1976 – Contos
1979 – Signo Sinal
1983 – Para Sempre
1986 – Uma Esplanada Sobre o Mar
1987 – Até ao Fim
1990 – Em Nome da Terra
1993 – Na Tua Face
1995 – Do Impossível Repouso
1996 – (póstuma) Cartas a Sandra
Ensaios
1943 – Sobre o Humorismo de Eça de
Queirós
1957 – Do Mundo Original
1958 – Carta ao Futuro
1963 – Da Fenomenologia a Sartre
1963 – Interrogação ao Destino,
Malraux
1965 – Espaço do Invisível I
1969 – Invocação ao Meu Corpo
1976 – Espaço do Invisível II
1977 – Espaço do Invisível III
1981 – Um Escritor Apresenta-se
1987 – Espaço do Invisível IV
1988 – Arte Tempo
1998 – Espaço do Invisível V
(póstumo)
Diários
1980 – Conta-Corrente I
1981 – Conta-Corrente II
1983 – Conta-Corrente III
1986 – Conta-Corrente IV
1987 – Conta-Corrente V
1992 – Pensar
1993 – Conta-Corrente-nova série I
1993 – Conta-Corrente-nova série II
1994 – Conta-Corrente-nova série III
1994 – Conta-Corrente-nova série IV
2001 – Escrever (póstumo)
2010 – Diário Inédito (póstumo, do
espólio 1944-1949)
Algumas ligações para saber mais sobre a vida e a obra de Vergílio Ferreira
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