“Sou
mais escritora do que vivente, que uma pessoa que vive. Naquilo que vivi, sou
mais escritora do que alguém que vive. É assim que eu me vejo.”
Considerada
uma das principais vozes femininas da literatura do Século XX, Marguerite Duras, pseudónimo de
Marguerite Donnadieu, nasceu em Saigão, atual cidade de Ho Chi Minh, Vietname, no
dia 4 de abril de 1914, e morreu em Paris, a 3 de março de 1996. Publicou mais de 50
títulos, entre romances, ensaios, peças de teatro e argumentos para cinema. Foi também realizadora.
Os
pais de Marguerite Duras emigraram para a colónia francesa da Indochina (atualmente
Vietname), numa fase em que o governo francês concedia incentivos à emigração
para aquela colónia asiática de forma a consolidar a sua presença no território.
O pai viria a morrer pouco tempo depois de lá terem chegado, pelo que Duras
cresceu com a mãe, professora, e os seus dois irmãos. As condições de vida,
difíceis e precárias, agravadas após a mãe perder um investimento feito numa
propriedade no Cambodja, e que marcaram a sua infância e adolescência, percorrem
parte da obra da escritora, incluindo alegadas agressões que sofreu por parte da
mãe e do irmão mais velho. Quase toda a sua obra é autobiográfica: a infância, o pensionato em Saigão, a descoberta da sexualidade; a vida em Paris, a dor e o sofrimento da Segunda Guerra Mundial, o marido que regressa de Dachau; os filhos que morreram; a depressão, o alcoolismo; o encontro com o último amante e a derradeira paixão. E a memória, sempre a memória em cada palavra, em cada título.
Com a família
Aos
17 anos Marguerite emigrou para França, onde estudou Matemática, Ciências Políticas
e Direito.
Quando completou os estudos, foi trabalhar para o
departamento do governo francês relativo à colónia da Indochina. Durante a Segunda Guerra Mundial, trabalhou para o Governo de Vichy,ao mesmo tempo que fazia parte
da Resistência Francesa contra as forças nazis.
Marguerite
Duras publicou o seu primeiro livro, Les
Impudents (Os Insolentes, em
português), em 1943, ou seja, ainda durante a guerra. Este seria o primeiro de
um vasto número de peças, filmes, entrevistas, ensaios, pequenos contos de
ficção e romances que escreverá até 1995.
A obra
Os Insolentes gira em torno de
personagens que se encontrarão noutros romances da autora: a relação mãe/irmão
mais velho, a personagem de Maud que reaparecerá também noutros romances, uma
mulher que é vítima de uma «armadilha» que a transcende, uma mulher ignorante
de si mesma.
A crítica
considera que o universo de Duras está todo nesta primeira obra onde se assiste
ao nascimento de uma voz que, no início dos anos 40, era francamente invulgar.
Em
A Vida Tranquila, a segunda obra que
publicou, Marguerite Duras constrói um romance sereno, onde a paixão funciona
no próprio comportamento das personagens, marcadas pela paisagem e pela vida da
antiga colónia francesa (ainda a Indochina, sempre a Indochina...).
Em 1950,
é publicado aquele que foi considerado o primeiro grande romance de Marguerite
Duras, Uma Barragem contra o Pacífico,
obra autobiográfica onde o delta de Mekong, no Vietname, é o pano de fundo da
narrativa e expõe a difícil vida logística e material da família, para além dos
caminhos mais ou menos transparentes que a mãe tenta descortinar para superar
essa débil situação. É também uma narrativa sobre o passado colonial francês, onde
cada um procurava
“o
seu quinhão da herança de espaço e mundos novos, ou tão só um lugar seu, onde
viver e trabalhar, um canto da planície, entre a floresta e o Pacífico, só com
o Sol por cima e hectares de terra fértil a perder de vista, onde apenas
haveria que produzir, criar uma família (e, naturalmente, enriquecer) sem
problemas nem políticas, sem a sensação de desespero e asfixia das metrópoles
[...]” e onde, “face à monstruosidade insensível do
Pacífico e à transparência mesquinha das suas existências de «brancos pobres»
sem horizontes, mais não possuem entre mãos e no corpo do que a raiva surda,
que só jovens que batam com a cabeça contra um muro tão duro e tão pouco sólido
como o Pacífico podem conhecer, uma raiva que é surda porque não há onde nem a
quem reclamar contra a fraude. Precisamente porque «a mãe» morre, a lutar até à
insanidade, para dar corpo a uma perfeita loucura — uma barragem que detivesse
o Pacífico! —, acreditando em si mais do que no sonho, é verdade, e dessa luta
inglória retirando todo um orgulho inútil e toda uma liberdade que é só riso da
sua própria situação” (da badana da edição portuguesa de 1988, Difel).
O romance
A Dor, publicado em 1985, é um
diário, íntimo e pungente, carregado de sofrimento, de uma mulher (a própria Duras) que, nos
finais da Segunda Guerra Mundial e após saber por um resistente chamado François
Mitterrand que o marido está vivo no campo de concentração de Dachau, espera por
um homem morto ou um homem vivo e o que recebe é «uma espécie de árvore morta embrulhada
num cobertor: o marido. Algo que está justamente entre a vida e a morte».
Encontrei
este diário em dois cadernos dos armários azuis de Neauphle le G'hâteau.
Não
me lembro de o ter escrito.
Sei
que o fiz, fui eu que escrevi, reconheço a minha escrita e os pormenores
daquilo que conto, volto a ver o local, a gare de Orsay, os trajectos, mas não
me vejo a mim a escrever este Diário. Quando é que o escrevi, em que ano, a que
horas do dia, em que casa? Já não sei nada.
Não
me parece pensável - e isso é certo, evidente - que possa ter escrito este texto
enquanto esperava por Robert L. Como é que pude escrever esta coisa a que ainda
não sei dar nome e que me apavora quando a releio. E como é que pude deixar
ficar este texto tantos anos abandonado naquela casa de campo que regularmente
se inunda no Inverno.
A
primeira vez que me lembrei dele foi porque a revista Sorciéres me pediu um texto de juventude.
A Dor
é uma das coisas mais importantes da minha vida. A palavra "escritos"
não seria adequada. Encontrei-me frente a páginas regularmente cheias de uma
letra pequena extraordinariamente regular e calma. Encontrei-me frente a uma
fenomenal desordem do pensamento e do sentimento, em que não ousei tocar - e
face a ela, a literatura envergonha-me. (Marguerite Duras, do Prefácio)
"La douleur est une des choses les plus importantes de ma vie."
Em
1959, o cineasta francês Alain Resnais realiza Hiroshima Meu Amor, a sua primeira longa-metragem, a partir de um
guião escrito por Marguerite Duras, que lhe valeu a nomeação para o Óscar de
Melhor Argumento Original. O filme, protagonizado por Emmanuelle Riva, tem o
mérito de, mantendo-se fiel à visão de Duras, a ter dotado de imagens icónicas
cuja beleza nada fica a dever às palavras escritas.
Uma
mulher, uma atriz, está em Hiroshima no pós-guerra a rodar um filme sobre a paz
e vive um romance com um homem casado, um arquiteto japonês. O passado é, em
Hiroshima, um fantasma que a persegue.
Hiroshima Meu Amor é, assim, um filme sobre um filme,
uma história de amor impossível sobre outra história de amor impossível que, num cenário após os bombardeamentos americanos, recorda a ocupação da França pelo exército alemão. Na vida que regressou ao
normal, na cidade plenamente reconstruída, onde a catástrofe não é mais do que
uma memória longínqua que se afugenta, há uma ameaça eminente de que o que
Hiroshima viveu seja esquecido. Hiroshima tem de ser lembrada sempre, como o têm
de ser todas as grandes tragédias. Mas a vida teima em cobrir os acontecimentos
desagradáveis com um véu apaziguador. Até que não restem mais do que sombras.
Até que comecemos a duvidar que o que aconteceu aconteceu realmente.
Embora
considerado um dos filmes mais importantes da história do cinema, um dos
grandes ícones do cinema francês e um dos mais famosos e influentes da Nouvelle
Vague, foi retirado da competição oficial do Festival de Cannes em 1959, sendo apenas
apresentado e sem poder concorrer à Palma de Ouro, por ser “politicamente
incorreto”, pois podia “ofender descendentes alemães”. Não deixa de ser
curioso, num filme que nos leva a meditar sobre a capacidade de perdoar e o valor da
memória...
Marguerite
Duras também realizou cerca de quinze filmes em nome próprio, como India Song, de 1975, que retoma a história
de amor que encontramos em O Vice-Cônsul
(romance publicado em 1965), uma história de amor imobilizada no culminar da
paixão, vivida na Índia, nos anos 30, numa cidade sobrepovoada nas margens do
Ganges, entre Anne-Marie Stretter, mulher do embaixador de França nas Índias, e o vice-cônsul
de França em Lahore.
Em
1992, o cineasta francês Jean-Jacques Annaud realizou o filme O Amante, a partir do romance homónimo
de Duras, publicado em 1984.
Saigão,
anos 30. Uma bela jovem francesa conhece o elegante filho de um negociante
chinês. Deste encontro nasce uma paixão. Ela tem quinze anos e é pobre. Ele tem
vinte e sete e é rico. Os amantes, isolados num mundo privado de erotismo e
autodescoberta, desafiam as convenções da sociedade. Enquanto ela desperta para
a possibilidade de traçar o seu próprio caminho no mundo, para o seu amante não
há fuga possível. A separação é inevitável e tragicamente cadenciada pelos
últimos acordes da presença colonial francesa no Oriente.
Indochina: a travessia do rio Mekong
A jovem é a própria autora e este é o relato exacerbado de uma
paixão inquieta e dilacerante. De tão etérea, a sua realidade gravar-lhe-ia no
rosto marcas implacáveis de maturidade. Para o mundo, fica uma obra que contém
toda a vida.
Este romance, de cariz autobiográfico, relato de um tempo e de um
mundo perdido, foi vencedor do prestigiado Prémio Goncourt em 1984, galardão
atribuído em França a um autor de grande virtude imaginativa no género da
prosa. Em 1991, Marguerite Duras viria a reescrever esta história com a
publicação de O Amante da China do Norte.
Marguerite
Duras morreu no dia 3 de março de 1996, com 81 anos, em Paris, e foi sepultada
no cemitério de Montparnasse. Na sua última obra, C’ est Tout (É tudo),
publicada em 1995, confronta-se a escritora e a morte, a obra e a vida vividas.
Obra de despedida, é acima de tudo um livro de amor, livro oferecido a Yann
Andréa, com quem Duras viveu durante dezasseis anos, entre 29 de Julho de 1980 e
3 de Março de 1996, dia da morte da escritora.
Escrevi
durante uma vida inteira.
Como
uma imbecil, fiz isso.
Também
não é mau ser assim.
Nunca
fui pretensiosa.
Escrever
durante uma vida inteira ensina a escrever.
Não
salva de nada.
Vem
amar-me.
Vem.
vem
para este papel branco.
Comigo.
Dou-te
a minha pele.
Vem.
Depressa.
Diz-me
adeus.
É
tudo.
Não
sei mais nada de ti.
Parto
com as algas.
Vem
comigo.
Acabou.
Tudo
acabou.
É
o horror.
Amo-te.
Adeus.
(Excertos de C' est Tout, as últimas palavras)
Yann
Lemée (Andréa foi o nome que Duras lhe atribuiu), 38 anos mais novo, era um estudante
de Filosofia quando, em 1975, leu o livro de Duras Os Cavalos de Tarquínia. O fascínio que então o arrebatou levou-o
a procurar todos os livros de Duras. Encontraram-se pela primeira vez nesse mesmo
ano, quando a escritora foi ao cinema Lux, em Caen, onde foi exibido India Song, para participar num debate.
Yann pensou levar-lhe flores, mas não teve coragem. No final da sessão pediu-lhe
um autógrafo no livro Détruire, dit-elle
e disse-lhe que gostava de lhe escrever. Duras deu-lhe a morada de Paris. No
dia seguinte, Yann escreveu-lhe pela primeira vez e nunca mais parou, durante
cinco anos até 1980, ano em que ela lhe respondeu pela primeira vez,
enviando-lhe Homme assis dans le coulouir
(O homem sentado no corredor). Ele
não sabia o que pensar do livro e não lhe respondeu. Em Julho, ganhou coragem,
telefonou-lhe e ela pediu-lhe que fosse ter com ela. Ela tinha 66 anos, ele 28
e era homossexual. A partir de então, viveram juntos até à morte da escritora.
Marguerite Duras e Yann Andréa
Em
1992, Duras escreveu Yann
Andréa Steiner, romance em
que descreve
a sua relação com Yann
Andréa, num período em que ele a ajudou a ultrapassar crises de alcoolismo e depressão. Em 1983, Yann
Andréa tinha publicado M.D., escrito
durante um período em que Duras esteve hospitalizada com tinha crises de
alucinação.
Aquele Amor, o segundo livro de Andréa, publicado
em 1999, é a sua obra mais famosa: uma longa carta a uma morta (Duras), uma
morta que continua presente na vida desse homem que foi inventado por ela
(Yann) e que a seguir à morte dela ficou sem vida para além da dela.
Obras de Marguerite Duras
(a negrito, as
obras que constam do catálogo da Biblioteca do ECB)
Romances
- Os Insolentes, 1943
- Vida tranquila, 1944
- Uma Barragem contra o Pacífico, 1950
- O marinheiro de Gibraltar, 1952
- Os cavalos de Tarquínia, 1953
- Des journées entières dans les arbres, "Le Boa", "Madame Dodin", "Les Chantiers", 1954
- O jardim, 1955
- Moderato Cantabile, 1958
- Les Viaducs de la Seine et Oise, 1959.
- Dez horas e meia numa noite de verão, Paris, 1960
- Hiroshima mon amour, 1960 (guião)
- L'après-midi de M. Andesmas, 1960
- A ausência de Lol V. Stein, 1964
- Théâtre I: les Eaux et Forêts-le Square-La Musica, 1965
- O Vice-Cônsul, 1965
- A amante inglesa, 1967
- Théâtre II: Suzanna Andler-Des journées entières dans les arbres-Yes, peut-être-Le Shaga-Un homme est venu me voir, 1968.
- Destruir, diz ela, 1969
- Abahn Sabana David, 1970
- O amor, 1971
- Ah! Ernesto, 1971
- India Song, 1973
- Nathalie Granger, suivi de "La Femme du Gange", 1973.
- Le Camion, suivi de Entretien avec Michelle Porte1977.
- L'Eden Cinéma, 1977
- Le Navire Night, suivi de Cesarée, les Mains négatives, Aurélia Steiner, 1979.
- Vera Baxter ou les Plages de l'Atlantique, 1980.
- O homem sentado no corredor, 1980
- Verão 80, 1980
- Les Yeux verts, Cahiers du cinéma, n.312-313, juin 1980
- Agatha, 1981
- Outside, 1981
- O homem atlântico, 1982
- Savannah Bay, 1982
- La Maladie de la mort, Les Éditions de Minuit, 1982
- Théâtre III: La Bête dans la jungle, d'après H. James, adaptation de J. Lord et M. Duras,-Les Papiers d'Aspern,d'après H. James, adaptation de M. Duras et R. Antelme,-La Danse de mort, d'après A. Strindberg, adaptation de M. Duras, 1984.
- O amante, 1984.
- A dor, 1985
- La Musica deuxième, 1985.
- Olhos azuis, cabelo preto, 1986
- La Pute de la côte normande, 1986.
- A vida material, 1987
- Emily L, 1987
- La Pluie d'été, 1990
- O amante da China do Norte, 1991
- Yann Andréa Steiner, 1992
- Escrever, 1993
- É tudo, 1995
Filmes
- La Musica (1967)
- Détruire, dit-elle (1969)
- Jeune le soleil (1972)
- Nathalie Granger (1972)
- La Femme du Gange (1974)
- India Song (1975)
- Son nom de Venise dans Calcutta désert (1976)
- Des journées entières dans les arbres (1976)
- Le Camion (1977)
- Baxter, Vera Baxter (1977)
- Les Mains négatives (1978)
- Cesarée (1978)
- Le Navire Night (1979)
- Aurelia Steiner (Melbourne) (1979)
- Agatha et les lectures illimitées (1981)
- L'Homme atlantique (1981)
- Il Dialogo di Roma (1982)
- Les Enfants (1984)
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