Vós
que viveis tranquilos
Nas
vossas casas aquecidas
Vós
que encontrais regressando à noite
Comida
quente e rostos amigos:
Considerai
se isto é um homem
Quem
trabalha na lama
Quem
não conhece paz
Quem
luta por meio pão
Quem
morre por um sim ou por um não
Considerai
se isto é uma mulher
Sem
cabelos e sem nome
Sem
mais força para recordar
Vazios
os olhos e frio o regaço
Como
uma rã no inverno.
Meditai
que isto aconteceu
Recomendo-vos
estas palavras.
Esculpi-as
no vosso coração.
Estando
em casa andando pela rua
Ao
deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as
aos vossos filhos.
Ou
então que desmorone a vossa casa
Que
a doença vos entreve,
Que
os vossos filhos vos virem a cara
Poema
Shemá, de Primo Levi (In Se isto é um homem)
No ano em que se comemoram os 150
anos da criação do Sistema Periódico dos Elementos Químicos em 1869, por
Dimitry Mendeleev, uma resolução das Nações Unidas e da UNESCO estabeleceu 2019
como Ano
Internacional da Tabela Periódica, para celebrar a criação de uma das
ferramentas mais importantes na história da ciência.
2019 é também o ano em que se
comemoram os 100 anos do nascimento de Primo Levi, escritor e químico italiano
nascido em 31 de julho de 1919, em Turim, e falecido em 11 de abril de 1987, na
mesma cidade. Doutorado em Química pela Universidade de Turim, em 1941, durante
a Segunda Guerra Mundial, Primo Levi uniu-se a um grupo de resistência para
lutar contra os alemães que ainda ocupavam o norte italiano. O seu grupo foi
traído por um espião, Levi foi preso e enviado para o campo de concentração de
Auschwitz, na Alemanha. A sua sobrevivência no campo de concentração deveu-se,
em boa parte, aos seus conhecimentos em química, e por isso foi designado para
trabalhar na IG Farben na síntese de borracha.
As experiências de vida de Primo
Levi fazem parte do seu livro O Sistema Periódico, publicado em
1975, onde os elementos são apresentados em capítulos separados, de maneiras
diversas, com metáforas, meditações, poesias e até com o uso de narrativa
ficcional como nos elementos chumbo, mercúrio e carbono.
Na véspera de se retirar do universo
da química para se dedicar exclusivamente à escrita, Primo Levi oferece-nos,
através de 21 capítulos, cada um com o nome de um elemento da tabela periódica,
um relato da sua vida enquanto cientista e através do qual responde a inúmeras
e complexas questões sobre o mundo e sobre si próprio. O Sistema Periódico é, pois, um conjunto de vivências de um químico
judeu do Piemonte, combatente antifascista, deportado e escritor, vistas
através do caleidoscópio da química. As histórias cobrem a vida do autor, do
nascimento à redação deste livro, passando por momentos fulcrais como a
infância, a descoberta da vocação e a sua formação como químico, os amores e as
amizades, o crescimento do movimento fascista italiano e o aparecimento das
leis raciais, a vida na clandestinidade, a prisão e o encarceramento em
Auschwitz, e o regresso aos laboratórios do campo de concentração já no
pós-guerra.
Em 2006, a Royal Institution of
Great Britain escolheu o livro de Levi como “o melhor livro sobre ciência de
todos os tempos”, uma escolha peculiar, já que o livro não trata exclusivamente
de ciência.
Também na obra Se isto é um homem,
publicado em 1947, encontramos a história de Primo Levi, cidadão italiano
judeu, licenciado em química, que é levado para Auschwitz. Tudo lhe é retirado,
tornando-se mais um anónimo prisioneiro do campo de concentração nazi,
inclusive o próprio nome é substituído por um número (o número 174517),
colocando em causa a própria noção de identidade.
Em Auschwitz, leva uma
existência de problemas: a dor excruciante da fome, da sede e o árduo trabalho
no "Lager", que leva ao esgotamento total da força e vontade humanas.
Através de uma descrição objetiva do dia-a-dia de um prisioneiro de Auschwitz,
Primo Levi enaltece a força humana e a capacidade de resistência acima de
qualquer dor física ou moral, mesmo quando a própria dignidade é posta em causa
pois, apesar da rotina difícil de ultrapassar, Levi aprende que a sobrevivência
- pela astúcia e organização - é possível, mesmo quando privados de qualquer
direito moral.
Suspeita-se que a causa da sua morte, em 11 de abril de 1987, tenha sido o suicídio, mas, como escreveu Elie Wiesel quando soube do falecimento de Levi: “Primo Levi morreu em Auschwitz há quarenta anos”.
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