Mensagem
de Audrey Azoulay, Diretora-Geral da UNESCO, por ocasião do Dia Mundial da
Filosofia (2019):
“A
Filosofia nasceu do nosso assombro pelo mundo e pela nossa existência”. Existem
várias definições de filosofia, mas a de Arthur Schopenhauer, na sua obra-prima
O Mundo como Vontade e Representação, é talvez uma das mais brilhantes.
A
filosofia consistiria assim numa busca perpétua do questionamento que, em vez
de ver o mundo como uma certeza, o vê antes como uma interrogação. Através do
seu gosto por paradoxos, do seu constante questionamento dos preconceitos, a
filosofia é um convite para pensar o mundo em toda a sua riqueza e
complexidade.
Esta
habilidade para o assombro remonta a uma tradição milenar, que surgiu há mais
de 3 mil anos na China, no Médio Oriente e na Grécia Antiga; mas, apesar do seu
caráter ancestral, o questionamento filosófico em nada perdeu a sua atualidade.
Num
momento em que o extremismo e a rapidez das grandes transformações do mundo por
vezes nos confundem, a filosofia é extremamente útil. Permite-nos
distanciarmo-nos e, simultaneamente, e vermos mais além, observarmos o
horizonte sem perdermos de vista o presente.
A
revolução da inteligência artificial, em particular, é um terreno propício ao
questionamento filosófico. Como conciliar tecnologia e humanidade? Como
garantir uma ética da ciência? Estes questionamentos, tradicionais no domínio
da filosofia ética ou científica, estão a encontrar um novo eco neste início do
século XXI.
A
filosofia é uma ferramenta valiosa para refletirmos sobre a mudança; é também
uma abordagem que promove o diálogo e a tolerância. Ler as obras de Chuang-Tzu,
o pai do Taoismo, Nagarjuna, o virtuoso dialético do Budismo, Avicena, o médico
e filósofo, Moisés Maimónides, o filósofo Talmudista, ou Hannah Arendt e Simone
Weil, é tomar consciência da universalidade dos seus questionamentos e
envolver-se num exercício propício à abertura, à tolerância e in fine à paz
entre os povos.
Por
todos estes motivos, a UNESCO sempre alentou a filosofia. A UNESCO é uma
instituição que põe em prática um projeto filosófico – a filosofia dos direitos
humanos que foi a de Emmanuel Kant ou de Bernadin de Saint-Pierre. De certa
forma, pode dizer-se que a UNESCO, cujo mandato reflete a vocação universal da
filosofia, é ela própria uma filosofia.
Neste
Dia Mundial da Filosofia, a UNESCO convida-vos também a experimentar este
assombro pelo mundo e pelo ambiente, a desmascarar os dogmas e os preconceitos,
em suma, a descobrir a universalidade da
condição
humana.”
https://www.unescoportugal.mne.pt/pt/noticias/mensagem-de-audrey-azoulay-diretora-geral-da-unesco-por-ocasiao-do-dia-mundial-da-filosofia-2019
Em
2002, a UNESCO instituiu o Dia Mundial da Filosofia, por acreditar no valor da
filosofia para o desenvolvimento do pensamento humano em cada cultura e cada
indivíduo, sustentando que o pensamento crítico ajuda a dar sentido à vida e às
ações realizadas no contexto internacional. Este dia é desde então comemorado todos
os anos na terceira quinta-feira de novembro. O objetivo do dia é enaltecer a
importância da Filosofia (ou o amor pela sabedoria) na vida do homem e na vida
em sociedade. Este pretende ser um dia também para reflexão sobre
acontecimentos atuais, fomentando-se o pensamento crítico, criativo e
independente, contribuindo assim para a promoção da tolerância e da paz.
Para
assinalar o Dia Mundial da Filosofia no Externato Cooperativo da Benedita, o
grupo de Filosofia, em articulação com o Plano Nacional de Cinema, propuseram
aos alunos do ensino secundário o visionamento do filme Ágora, realizado por
Alejandro Amenábar em 2009, e que retrata a vida excecional de Hipátia de
Alexandria, uma filósofa grega do Egito Romano que viveu entre c. 351/370 e 415,
a primeira mulher documentada como tendo sido matemática.
Filha
de Téon de Alexandria, um conceituado filósofo, astrónomo, matemático, autor de
diversas obras e professor em Alexandria, Hipátia foi criada num ambiente de
ideias e filosofia, que lhe permitiu desenvolver uma forte paixão pela busca de
respostas para o desconhecido. Hipátia estudou na Academia de Alexandria, onde
devorava conhecimento: matemática, astronomia, filosofia, religião, poesia e
artes. A oratória e a retórica também não foram descuidadas, pelo que era
grande a sua habilidade para falar em público, destacando-se como professora na
Academia onde fizera a maior parte dos estudos. Sabemos que desenvolveu estudos
sobre Álgebra e que o seu contributo para a ciência incluiu o mapeamento dos
corpos celestes, já antes realizado pelos mesopotâmicos e também por Ptolomeu,
matemático, e astrónomo grego, que viveu em Alexandria entre os anos 90 e 168.
Em parceria com o pai, terá escrito vários ensaios, entre os quais um tratado
sobre Euclides. Aos 30 anos já era diretora da Academia de Alexandria, sendo
muitas as obras que terá escrito nesse período, embora a maior parte do seu
trabalho tenha desaparecido (quer com a destruição final da Biblioteca de
Alexandria, no século VII, quer devido à pouca importância que se dava ao
trabalho académico das mulheres neste período da História).
Alexandria,
cidade fundada por Alexandre o Grande, em 331 a.C, e que se converteu
rapidamente num centro de cultura e aprendizagem no mundo antigo, era um lugar
onde pagãos, judeus e cristãos partilhavam o mesmo espaço. Foi este conflito
religioso que decidiu o destino de Hipatia.
De
acordo com a única fonte contemporânea, Hipátia foi assassinada por uma
multidão de cristãos depois de ser acusada de exacerbar um conflito entre duas
figuras proeminentes em Alexandria: o governador Orestes e Cirilo, o bispo de
Alexandria.
O
seu fim trágico começou a desenhar-se em 412, quando Cirilo foi nomeado
Patriarca de Alexandria, título de dignidade eclesiástica, usado em
Constantinopla, Jerusalém e Alexandria. Cristão fervoroso, Cirilo lutou toda a
vida em nome da ortodoxia da Igreja e combateu as heresias, sobretudo o
Nestorianismo, que negava a divindade de Jesus Cristo e a maternidade divina de
Maria. A eventual relação de Cirilo com a morte de Hipatia continua a ser
motivo de alguma controvérsia entre os historiadores. As últimas pesquisas
creem que o homicídio de Hipátia resultou do conflito entre duas fações
cristãs: uma mais moderada, ao lado de Orestes, e outra mais rígida, seguidora
de Cirilo, responsável pelo ataque.
De
acordo com o relato de Sócrates Escolástico (também conhecido como Sócrates de
Constantinopla, historiador grego da igreja cristã, que viveu entre o século IV
e o século V), numa tarde de março de 415, quando regressava do Museu, Hipátia
foi atacada em plena rua por uma turba de cristãos enfurecidos, que a acusavam
de paganismo e bruxaria. Foi arrastada pelas ruas da cidade até uma igreja,
onde foi cruelmente torturada até à morte. Depois de morta, o corpo foi lançado
a uma fogueira.
Alguns
historiadores defendem que o assassinato de Hipátia marcou a queda da vida
intelectual em Alexandria e o fim da Antiguidade Clássica.
“Em
que acreditas?”, perguntam-lhe os seus perseguidores cristãos antes de a
desfazerem. “Na Filosofia”, respondeu, firme.
Sem comentários:
Enviar um comentário