No
Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina, assinalado a
6 de fevereiro, a Organização das Nações Unidas reafirma o seu compromisso em
acabar com esta “violação dos direitos humanos.”
A
Mutilação Genital Feminina (MGF) refere-se a todos os procedimentos que
envolvem a alteração ou ferimento dos órgãos genitais femininos por razões que
não sejam médicas. É reconhecida internacionalmente como uma violação dos
direitos humanos das meninas e mulheres e constitui uma ameaça para a sua
saúde, bem-estar e autoestima, pondo muitas vezes em risco a própria vida.
Esta
prática, ainda presente em diversos países e culturas, realiza-se geralmente
quando as vítimas são crianças ou jovens, por vontade da família e do grupo
social onde vivem ou de onde são originárias (no caso das famílias migrantes). São
diversas as razões que motivam a persistência da MGF, podendo destacar-se
razões sociais, estéticas, religiosas, sexuais e económicas (as pessoas que
executam este ritual auferem rendimentos que garantem o seu sustento).
As
Nações Unidas estimam que, no mundo inteiro, pelo menos 200 milhões de meninas
e mulheres tenham sido vítimas de MGF e que a cada ano há quase 4 milhões de
meninas a mais em risco, vítimas de “um dos atos mais desumanos de violência
baseada em género no mundo.”
Na
União Europeia, 500 mil mulheres já terão sido excisadas e 180 mil estão em
risco a cada ano que passa.
Este
ano, o Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina, por
iniciativa da ONU e das suas agências, como a OMS, a UNICEF ou o Fundo das
Nações Unidas para a População, apela à mobilização dos jovens para a
eliminação de práticas prejudiciais, incluindo a MGF. Estas agências.
Na
sua mensagem especial para este dia, o secretário-geral da ONU, António
Guterres, chama precisamente a atenção para o poder que as gerações jovens têm
em fazer ouvir as suas vozes contra esta prática
(cf.
https://www.un.org/sg/en/content/sg/statement/2020-02-06/secretary-generals-message-the-international-day-of-zero-tolerance-for-female-genital-mutilation).
Já
em 2019, António Guterres destacava que a MGF “está enraizada nas desigualdades
de género e nos desequilíbrios de poder” e, por sua vez, contribui para
mantê-las, porque limita as oportunidades de mulheres e meninas de realizar
seus direitos e seu pleno potencial.”
(https://news.un.org/pt/story/2019/02/1658551)
As
agências da ONU, que trabalham em 17 países africanos para garantir que
mulheres e meninas não sofram mais com este procedimento, alertam para o facto
de a MGF ser uma “violação dos direitos das mulheres à saúde sexual e
reprodutiva, integridade física, não-discriminação e liberdade de tratamento
cruel ou degradante”, uma prática nefasta que constitui uma “violação da ética
médica.”
A mutilação
genital feminina leva a consequências físicas, psicológicas e sociais a longo
prazo.
A OMS
revela que os custos totais do tratamento dos impactos da MGF na saúde
ascenderiam a 1,4 mil milhões de dólares (1,2 mil milhões de euros) por ano, a
nível mundial. Além dos custos económicos, a MGF representa vários riscos para
as mulheres e meninas sujeitas a este procedimento, seja imediatamente após o
corte – como infeções, hemorragias ou traumas psicológicos – ou a nível crónico
através de problemas que podem ocorrer ao longo da vida.
As
mulheres sujeitas à MGF têm mais probabilidades de risco de vida durante o
parto, além de poderem vir a sofrer de distúrbios ao nível da saúde mental.
Devido
a este procedimento, estas mulheres e meninas ficam em risco de ter dores ou
problemas quando menstruam, urinam ou têm relações sexuais.
Com
a assinatura dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ODS, os países
firmaram o compromisso de erradicar o procedimento até 2030. Essa meta faz
parte do ODS 5, sobre igualdade de género, e envolve também o fim do casamento
infantil. Promover o fim da prática depende do diálogo com as comunidades,
focando nos direitos humanos e na igualdade de género.
Portugal
Em
Portugal, a Mutilação Genital Feminina nunca teve grande expressão. A cada ano,
a identificação em território nacional de mulheres ou crianças sujeitas a essa
prática andou sempre por volta da meia centena, com altos e baixos pouco
pronunciáveis, subindo e descendo sem uma tendência certa.
No
nosso país, a MGF é crime autónomo desde 2015, conforme artigo 144º A do Código
Penal, cuja pena aplicável é de prisão de dois a dez anos. A legislação
portuguesa permite a adoção de medidas que protejam as meninas ou mulheres que
estejam em risco de serem levadas para outros países de forma a serem
submetidas à prática da MGF.
Em
2019, registaram-se Portugal 129 casos de mutilação genital feminina, número que
duplicou em relação ao ano anterior (64 casos em 2018), representando uma
subida de 101%. No entanto, mais do que um aumento da prática, terá havido uma
maior capacidade de deteção de casos (novos e antigos) por profissionais de
saúde, educação, forças de segurança e segurança social, que durante o último
ano tiveram formação específica no âmbito do projeto "Práticas Saudáveis –
Fim à Mutilação Genital Feminina", coordenado pela Comissão para a
Cidadania e Igualdade de Género (CIG), o Alto Comissariado para as Migrações
(ACM) e a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) e
que visou desencobrir a dimensão do fenómeno com trabalho de proximidade nas
zonas de maior prevalência e formação de profissionais de saúde, educação,
forças de segurança e segurança social.
“O
trabalho de prevenção da MGF em Portugal ganhou muita força nos últimos anos. O
nosso Código Penal reconhece esta prática como crime desde 2015, mas sabemos
que a criminalização não basta e por isso temos envolvido todos os setores da
sociedade no trabalho de terreno – hospitais, escolas, autarquias, líderes
religiosos, entre outros", explicou ao jornal Expresso a secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, que
garante "existirem cada vez mais pessoas conscientes e empenhadas neste
desígnio coletivo". (in https://expresso.pt/sociedade/2020-02-06-Portugal-registou-129-casos-de-mutilacao-genital-em-2019)
A
formação e sensibilização para a erradicação da MGF estende-se ainda a
professores, técnicos da Segurança Social, elementos das forças de segurança,
funcionários das autarquias visadas ou lideranças religiosas, num total de mais
de 5600 pessoas abrangidas em 2019.
Para
reforçar essa vertente formativa, hoje, 6 de fevereiro de 2020, vai também ser
apresentada mais uma pós-graduação em MGT, na Escola Nacional de Saúde Pública,
da Universidade Nova de Lisboa.
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