Único retrato oficial
de Jane Austen, aos trinta e cinco anos em 1810;
aguarela feita pela sua irmã
Cassandra Austen.
A
16 de dezembro de 1775, nascia em Steventon, Hampshire, na zona rural da Inglaterra,
a escritora Jane Austen, numa família abastada e religiosa, pertencente à aristocracia
rural, sétima filha do pároco anglicano local, o reverendo George Austen, e da
sua mulher Cassandra Leigh. Numa família com oito filhos, a sua condição social e ambiente
serviram de contexto para todas as suas obras.
Oriunda
de uma família que promovia a aprendizagem, a leitura e as letras (o pai era
uma espécie de professor-tutor, dando
aulas particulares a alunos que residiam em sua casa, e tinha uma ampla
biblioteca), a própria Jane Austen conta nalgumas cartas que, tanto ela quanto a
sua família, eram "ávidos leitores de romances, e não se envergonhavam
disso".
A jovem
Jane Austen desenvolveu um talento especial que a levou a compor textos,
representando neles os valores familiares que considerava importantes. É
difícil precisar o momento em que começou a escrever. Alguns cadernos de notas
assinalam que o “talento” despertou em tenra idade. Adolescente, revelava
inclinação e talento para a escrita, desenvolvendo contos, romances e peças que
lia em voz alta e apresentava à família. Em 1791, aos 16 anos, já dispunha de
um bom número de exemplares armazenados. A habilidade de escrever sobre personagens
femininas complexas e de explorar os conflitos das relações de classe e género
fez dela uma escritora à frente do seu tempo.
Durante a época em que Jane Austen viveu, não existia um sistema de educação propriamente dito e a instrução das crianças era feita em escolas dominicais (instituições de ensino cristãs, tipicamente protestantes), ou, no caso das famílias mais abastadas, através de tutores. Por outro lado, existiam algumas "escolas para damas", que tinham má reputação, pois considerava-se que ofereciam uma educação deficiente. Também era comum enviar os filhos homens para viver na casa de um tutor, como o era o pai de Jane Austen. Jane e a sua irmã mais velha, Cassandra, eram as únicas raparigas da família e, em 1783 (tinha Jane 8 anos), foram enviadas para estudar num colégio interno em Southampton, sob a tutela de Mrs. Cawley. Regressadas a casa pouco tempo depois, entre 1785 e 1786 continuaram os estudos num internato em Reading. Crescendo neste ambiente, pode-se supor que Jane foi uma jovem privilegiada e instruída para o seu tempo.
Jane Austen ficou conhecida principalmente por seis grandes obras que interpretam, criticam e comentam a alta burguesia inglesa no final do século XVIII: Sensibilidade e Bom Senso, Orgulho e Preconceito, Mansfield Park, Emma, A Abadia de Northanger e Persuasão.
Sabe-se
que, após 1787, Jane Austen escreveu Juvenilia,
para divertimento da família, obra que inclui diversas paródias da literatura
da época. Entre 1795 e 1799 começou a redigir as primeiras versões dos romances
que se publicariam sob os nomes Sensibilidade
e Bom Senso, Orgulho e Preconceito
e A Abadia de Northanger. Em 1797, o
pai quis publicar Orgulho e Preconceito,
mas nenhum editor o aceitou.
Em
1800, a família foi residir para a cidade de Bath, ponto de encontro da
aristocracia britânica que Jane não apreciava muito, mas para onde teve de
seguir a família, mesmo que contrariada: tinha 25 anos e continuava dependente
da vontade paterna.
Em
1803, Jane Austen conseguiu vender o romance A Abadia de Northanger (então intitulado Susan) por 10 libras esterlinas, apesar de o livro ter sido
publicado somente 14 anos depois.
Em
janeiro de 1805, morria George Austen, deixando a mulher e as filhas numa
situação precária, passando a depender economicamente dos irmãos.
Em
1809, vivendo em Chawton, perto de Alton e Winchester, onde residia um dos
irmãos, Jane retomou a atividade literária, revendo Sensibilidade e Bom Senso, que um editor aceitou publicar em 1810
ou 1811, assumindo a autora os riscos da publicação. Foi publicado de forma anónima,
quando a escritora tinha já 35 anos, referindo-se apenas "By a Lady".
Teve algumas críticas favoráveis e sabe-se que os lucros foram de 140 libras
esterlinas.
Animada
por este êxito, Jane tentou publicar também Orgulho
e Preconceito, que foi vendido em novembro de 1812 e publicado em janeiro
de 1813. Ao mesmo tempo, começou a trabalhar em Mansfield Park, obra que publicaria em 1814 e da qual se venderam
todos os exemplares em seis meses, e Emma,
publicada em dezembro de 1815.
O
romance Persuasão será iniciado em
agosto de 1815 e Sanditon em princípios
de 1817, numa época em que a sua saúde começa a estar bastante debilitada.
Agravada a sua situação, foi levada para Winchester para receber tratamento
médico, falecendo em 18 de julho de 1817. Tinha 41 anos e viu publicadas apenas
quatro das suas obras.
Na
altura, a causa da sua morte ficou desconhecida; hoje, considera-se que terá
sido por Doença de Addison. Está sepultada na Catedral de Winchester.
As
obras de Jane Austen deram ao romance inglês o primeiro impulso para a
modernidade. Com o seu poder de observação do quotidiano de pessoas comuns, Jane
Austen reuniu material suficiente para dar vida aos seus personagens com uma
aguda perceção psicológica e uma ironia subtil, dissimulada pela leveza da
narrativa, retratando a sociedade provinciana da época e o casamento como a
única forma de as mulheres ascenderem socialmente.
Os
romances Persuasão e A Abadia de Northanger foram publicados
em 1817, numa edição de quatro volumes organizada pelo irmão Henry Austen. Da
mesma forma que nas obras anteriores, o nome de Jane Austen não consta, sendo
citado apenas que se trata da mesma autora das outras obras, e traz uma
"nota biográfica sobre o autor", anunciando a sua morte.
Na
verdade, todas as obras de Jane Austen foram publicadas sob anonimato, as
primeiras mencionando o já referido "By
a Lady" e as últimas referindo: “by
the author of Sense and Sensibility”. É provável que Jane Austen tenha
escolhido publicar incógnita como forma de se proteger, uma vez que a
literatura continuava a ser vista, no século XVIII, como uma atividade
predominantemente masculina.
O
seu primeiro livro, Lady Susan,
escrito quando tinha 17 anos, só foi publicado em 1871. As obras Os Watsons e Sanditon, deixadas inacabadas, foram completadas e publicadas por
um sobrinho, também em 1871.
Na
British Library, em Londres, podemos encontrar uma caderneta, ilustrada pela irmã
Cassandra, onde Jane escreveu as suas primeiras histórias, manuscritos dos últimos
capítulos de Persuasão e um pequeno
escritório em madeira.
Existem
dois museus dedicados a Jane Austen: o "Jane Austen Centre", em Bath,
situado numa casa georgiana em Gay Street, a alguns metros do número 25, onde
residiu em 1805, e o "Jane Austen's House Museum", na cabana de
Chawton, em Hampshire, lugar onde viveu de 1809 até 1817.
(hoje o "Jane Austen's House Museum")
Erradamente considerada uma “escritora vitoriana”, Jane Austen viveu na época da Regência, período da história de Inglaterra que compreende a regência de Jorge IV como Príncipe de Gales, durante a enfermidade do seu pai, o rei Jorge III (que morreu em 1820, vítima de uma doença neurológica hoje diagnosticada como porfíria), e constitui uma ponte entre o período georgiano e o vitoriano (Vitória nasceria apenas em 1819, tornando-se Rainha do Reino Unido e Irlanda em 1837).
Na
literatura, a época georgiana caracterizou-se pelo ressurgimento do romance,
intrinsecamente associado ao crescimento de uma classe média que não tinha sido
educada com os clássicos, não conhecia o latim nem o grego e não partilhava o
interesse pelos temas clássicos da literatura. Além disso, o desenvolvimento da
imprensa tornou possível a aquisição de livros pelas classes mais pobres; o
número de livros publicados cresceu, permitindo um incremento no número de
escritores profissionais. Assim, um novo tipo de leitores propiciou um novo
tipo de literatura.
As
obras de Jane Austen marcaram o aparecimento de um romance diferente dos demais
pelos temas que abordava, contendo uma mensagem instrutiva, assinalando o bom
comportamento e mostrando uma espécie de experiência fictícia, mas mantendo
sempre os princípios da verosimilhança, isto é, estão de acordo com a realidade,
oferecendo, por isso, uma história onde os elementos que a constituem se
prestam à veracidade dos factos narrados. A obra de Austen centra-se em aspetos
do quotidiano, alinhados com a vida real. Descreve com precisão a sociedade
rural georgiana e não tanto as mudanças sofridas com o advento da modernidade: a
revolução agrícola, que constitui o começo da revolução industrial e das suas
repercussões sociais; e o colonialismo, as Guerras Napoleónicas e a extensão do
Império Britânico. Nenhum destes temas está presente nos livros de Jane Austen,
mas estes são filhos do seu tempo, de alguma forma uma crónica social dos
tempos da Regência, da vida rural da pequena nobreza, dos clérigos de boas
famílias, dos proprietários de terras ricos.
Esta
época ficou marcada, também, pelas mudanças sociais no aspeto político. Das
campanhas para a abolição da escravatura à reforma das prisões e às críticas pela
ausência de uma justiça social, foi também a época em que os intelectuais
começaram a defender políticas de bem-estar social e se construíram orfanatos,
hospitais e escolas dominicais.
No
entanto, Jane Austen não pretende subverter a ordem social, nem pode ser
considerada uma feminista precoce, apesar de ser impossível não ler uma crítica
mordaz à necessidade de as mulheres, excetuando as herdeiras, se casarem para
terem uma vida financeiramente segura. Quase todas as protagonistas de Jane são
raparigas sem boas perspetivas financeiras, obrigadas a casarem “bem”, ou seja,
com detentores de fortunas ou rendimentos apreciáveis, o que mostra a
precariedade das mulheres nessa posição, sem heranças, sem maridos e sem
possibilidade de se sustentarem adequadamente numa atividade digna, sujeitas a
um esquema de heranças que transmite as propriedades indivisas pela linha
masculina, impedindo as mulheres de herdarem bens imóveis geradores de grandes
rendimentos, como retratado nos romances Orgulho
e Preconceito e Sensibilidade e Bom
Senso. A própria Jane Austen recusa a segurança económica e a importância
social que o casamento lhe traria, por não querer casar “sem amor”, sem “inclinação
romântica”, o que implicava prescindir da sua independência e, porventura, da
sua escrita.
Excluídas
e ignoradas na altura, reconhece-se hoje que mais de metade dos autores dessa
época eram mulheres que, através da escrita, conseguiam alguma independência
económica.
Alguns
críticos referem que Jane Austen foi uma escritora isolada da influência de
outros escritores do seu tempo e da vida social além da reitoria de Steventon, bem
como da burguesia rural que formava a sociedade que a rodeava. No entanto, isto
não parece ser totalmente correto, pois sabe-se, através de cartas trocadas com
a irmã Cassandra, que as duas viajavam com frequência para a casa de amigos e
familiares, e também que Austen estava familiarizada com muitas das obras
publicadas na época. Prova disso é a intertextualidade que aparece nas suas
obras, pois às vezes permite ao leitor formular juízos sobre os personagens
através de um simples contraste nas leituras que estes recomendam, ou dos
fragmentos dos textos que leem.
Fruto
do que alguns críticos denominam de “austenmania”, quer a vida de Jane Austen,
quer muitas das suas obras foram adaptadas e readaptadas para cinema e para
televisão, como Orgulho e Preconceito,
Emma, Sensibilidade e Bom Senso, Persuasão,
Mansfield Park ou A Abadia de Northanger. Livros e filmes “roubaram”
os enredos de Austen: O Diário de Bridget
Jones, realizado por Sharon Maguire a partir do romance de Helen Fielding, por
exemplo, segue o enredo de Orgulho e Preconceito,
com um Mark Darcy de personalidade semelhante ao Mr. Darcy original (e com a particularidade
de Mark Darcy ser interpretado pelo ator britânico Colin Firth, que havia
desempenhado o papel de Mr. Darcy na adaptação de Orgulho e Preconceito para série televisiva que a BBC produziu em 1995).
Obras de Jane Austen na biblioteca do ECB
- Sensibilidade e Bom Senso (1808)
- Orgulho e Preconceito (1813)
- Mansfield Park (1814)
- Emma (1815)
- Persuasão (1818) - póstuma
- Amor e amizade (1790) – publicação póstuma de 1922
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