No
mês que começa com o dia em que se celebra mundialmente a criança e os seus
direitos, a Biblioteca do ECB consagra esta rubrica aos mais pequenos e à
literatura que para eles tem sido concebida.
Se
a literatura é lugar de
prazer e de encantamento, a leitura, além de oferecer entretenimento e conhecimento,
estimula a criatividade, a empatia, o raciocínio, o respeito, a imaginação e o
desenvolvimento cognitivo, melhora a linguagem e o vocabulário, contribui para
o pensamento crítico e amplia a nossa visão do mundo e de nós mesmos, uma visão que nos torna mais sensíveis e mais humanos.
Também
a leitura entre os mais novos permite o desenvolvimento destas e de outras
competências, pois o diálogo proporcionado pelos livros oferece múltiplos
significados do mundo. Por isso o gosto pela leitura deve ser desenvolvido
desde cedo, mesmo antes de as crianças aprenderem a ler. A literatura infantil, à
medida que as crianças crescem, passa a cumprir outros papéis, colaborando com o
processo de alfabetização e auxiliando no momento de abordar assuntos complexos
e de entender as emoções.
Ou
seja, quando pensamos em literatura para os mais pequenos, não podemos pensar
que esta existe apenas para fins de aprendizagens cognitivas ou de
entretenimento, mas também que tem potencial para o desenvolvimento social e emocional da criança. As histórias devem educar para as emoções, auxiliar na socialização
e ajudar a enfrentar e resolver problemas.
A
literatura infantil, enquanto ramo da literatura dedicado especialmente às
crianças, terá surgido nos finais do século XVII, com o objetivo de transmitir
valores morais e criar hábitos de convivência social, reunindo em antologias excertos
de obras clássicas, muitas vezes adaptadas em fábulas, e destinadas à educação
moral das crianças.
É
deste período a obra do escritor e poeta francês Charles Perrault (1628-1703),
que estabeleceu as bases para um novo género literário, o conto de fadas, e foi
o primeiro a dar um estatuto literário a este tipo de literatura, o que lhe
conferiu o título de "Pai da Literatura Infantil".
No
século XVIII, os progressos científicos e tecnológicos que se começam a
verificar levam à diminuição da mortalidade infantil e desenvolve-se um novo
sentimento de infância, adquirindo a criança estatuto per se e desaparecendo a
ideia de que é apenas um “adulto em miniatura”.
São
deste século, por exemplo, as considerações de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)
sobre a educação e o crescimento das crianças, tal como podemos encontrar na
obra Emílio, publicada em 1762, onde
propõe que a pedagogia permita à criança desenvolver-se naturalmente na
afirmação espontânea da sua essência e de acordo com a sua própria experiência
pessoal, evitando que se torne vítima das deformações que a sociedade lhe impõe.
No
século XIX, o nacionalismo romântico conduz à valorização da cultura popular, sobretudo
na Alemanha, reavivando o interesse pelos contos de fadas, enquanto parte do
folclore nacional, construído na convicção de que a identidade nacional poderia
ser encontrada na cultura popular e no povo comum (Volk, em alemão).
Datam
deste período as histórias dos alemães Jacob (1785-1863) e Wilhelm Grimm
(1786-1859), os conhecidos irmãos Grimm, que começaram por recolher e publicar
contos tradicionais, como um reflexo da identidade cultural alemã, evoluindo o
folclore para contos de fadas. Os
seus contos continuam ainda hoje a ser publicados, adaptados a outros tempos e culturas.
São
também do século XIX os contos de Hans Christian Andersen (1805-1875), o
dinamarquês que, a partir da leitura de obras como As Mil e Uma Noites ou dos teatrinhos de marionetas que o pai lhe
fazia, compôs uma obra vocacionada cada vez mais para a escrita infantil que,
embora não isenta de algumas lições morais, se orienta para o divertimento e para ir ao
encontro de um imaginário infantil.
Apesar
de ter escrito diversos romances para adultos, livros de poesia e relatos de
viagens, foram os contos de fadas que tornaram Hans Christian Andersen famoso,
especialmente numa altura em que eram ainda muito raros livros destinados
especificamente a crianças.
Para
alguns estudiosos, Hans Christian Andersen foi a "primeira voz
autenticamente romântica a contar histórias para as crianças", nas quais
procurava passar padrões de comportamento que deveriam ser adotados pela
sociedade, apontando os confrontos entre "poderosos" e
"desprotegidos", "fortes" e "fracos",
"exploradores" e "explorados", demonstrando a ideia de que
todos os homens deveriam ter direitos iguais.
Em
Portugal, a partir do século XIX, começam a surgir as primeiras produções
concebidas para a leitura das crianças, como os Contos para a Infância, de Guerra Junqueiro (1875), a que se
seguirão História de Jesus para as
Criancinhas Lerem, de Gomes Leal (1883) ou "Para as crianças", em
Campo de Flores, de João de Deus Ramos
(1893).
No
início do século XX continua a desenvolver-se em Portugal uma produção
literária vocacionada para a infância, pela mão de autoras como Ana de Castro
Osório, Virgínia de Castro e Almeida ou Maria Sofia de Santo Tirso. Ao longo do
século XX, vários autores assumem a dupla faceta de autores para adultos com
incursões de grande qualidade na escrita para crianças, como Raul Brandão (Portugal Pequenino) ou Aquilino Ribeiro
(O Romance da Raposa), enquanto
outros autores evoluem da literatura para adultos para se dedicarem quase em
exclusivo à literatura infantil, como Luísa Dacosta, Maria Alberta Menéres ou Esther
de Lemos.
Atualmente
a literatura infantil deixou de ter por objetivo a educação moral das crianças.
Criada para propiciar uma nova visão da realidade, aliando diversão e lazer,
pode dizer-se que a literatura infantil se preocupa muito com a estimulação,
através do livro, de impressões sensoriais (auditivas, visuais, tatéis e até
olfativas, como as que encontramos nos livros para crianças muito pequenas e que ainda não sabem ler), continuando a recorrer muitas vezes a personagens que encarnam o
maravilhoso, nomeadamente personagens animais ou dotadas de poderes
sobrenaturais, mas também produzindo histórias fictícias, biografias, novelas,
poemas, obras folclóricas e culturais, ou simplesmente obras que explicam factos
da vida real, como encontramos na Coleção “Primeiros passos ... nas artes,
ciências, matemática”, na Coleção de “Auto-ajuda para crianças” (Quando
acontecem coisas más, como lidar com a doença, a morte de um familiar, o
divórcio dos pais, o nascimento de um irmão, etc), ou ainda na “Coleção
Filosofia para Crianças”.
Nos tempos em que vivemos, com a tecnologia a rodear tudo o que fazemos, é um grande desafio fazer com quem os pequenos se interessem pelos livros. As crianças devem ser levadas até espaços que estimulem esse interesse, como bibliotecas e livrarias, e devem ser valorizados e incentivados a ser protagonistas na hora da leitura e do conto de uma história, mesmo que façam apenas a leitura de imagens, se ainda não souberem ler (Luna Jimenez, A importância da literatura infantil para o desenvolvimento intelectual e afetivo das crianças, in https://saomarcos.br/wordpress/escola/2018/07/30/a-importancia-da-literatura-infantil/, jul 30, 2018).
Em
maio de 2018, a revista Estante, da cadeia de lojas FNAC, propunha a
seguinte lista dos 10 melhores livros infantis (destinadas a um público com
idade inferior a 16 anos) dos últimos 50 anos:
O Meu Pé de Laranja Lima, José Mauro de Vasconcelos (1968)
A
Lagartinha Muito Comilona, Eric Carle (1969)
O
Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, Jorge Amado (1976)
Rosa,
Minha Irmã Rosa, Alice Vieira (1979)
GGG:
O Grande Gigante Gentil, Roald Dahl (1982)
Histórias
da Terra e do Mar, Sophia de Mello Breyner Andresen (1984)
A
Toupeira que Queria Saber quem lhe Fizera Aquilo na Cabeça, Werner Holzwarth
(1989)
O
Grufalão, Julia Donaldson (1999)
Persépolis,
Marjane Satrapi (2000) (*)
Pê
de Pai, Isabel Minhós Martins (2006)
(*) na Biblioteca do ECB
Para
saber mais sobre literatura infantil, consultar:
https://www.infopedia.pt/$literatura-infantil
https://vanessacavalcante.com/aspectos-historicos-da-literatura-infantil.html
https://pt.slideshare.net/Joana_Melazzo/literatura-infantil-35619430
http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/literatura-infantil
https://lunetas.com.br/afinal-para-que-serve-a-literatura-infantil/
Mariana
Duarte da Costa Fernandes, A Importância da Literatura Infantil no
Desenvolvimento Socioemocional das Crianças, in
https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/23137/1/MARIANA_FERNANDES.pdf
Luna
Jimenez, A importância da literatura infantil para o desenvolvimento
intelectual e afetivo das crianças (jul 30, 2018), in https://saomarcos.br/wordpress/escola/2018/07/30/a-importancia-da-literatura-infantil/
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