"Toda a gente merece ter alguma coisa boa na vida, pelo menos uma vez."
Morris Gleitzman – Um dia. Amadora:
Editora Fábula, 2017. Tradução de Dulce Afonso.
Felix Salinger tem dez anos e é
um menino judeu que vive há três anos num orfanato na Polónia dos anos 40 do
século XX, em plena Segunda Guerra Mundial, à espera que os seus pais livreiros
o venham buscar. Felix gosta de ler, escrever e contar histórias.
No dia em que encontra uma
cenoura inteira na sua sopa, Felix Salinger julga ter recebido finalmente o
sinal que tanto esperava: os pais estão a chegar e vão finalmente tirá-lo do
orfanato. Mas, apesar da sua imaginação tão fértil, a realidade é muito mais
complexa do que Felix alguma vez pensou e, quando o orfanato é atacado por
soldados nazis e Felix vê todos os livros queimados, pensa que a livraria dos
pais está em perigo e que tem de ajudá-los.
E assim começa a aventura de
Felix, quando foge do orfanato e começa numa jornada para tentar chegar a casa à
procura dos pais num país invadido pelos nazis e com muitos vizinhos delatores,
mas também repleto de pessoas dispostas a ajudar. Nessa viagem, Felix vai
descobrir os perigos da guerra, mas a sua determinação, inteligência e
imaginação vão ajudá-lo a lidar com situações muito difíceis, no meio de nazis
e cidadãos apavorados. Também encontra pessoas maravilhosas, como a pequena
Zelda e o velho Barney, o que fará com que a sua vontade de viver aumente a
cada segundo, mesmo diante de um cenário tão sombrio.
Um aspeto que sobressai neste
romance é a inocência de Felix, uma inocência quase ilimitada, que o leva
sempre a construir (imaginar?) a melhor explicação possível a partir do muito
que não sabe – mesmo num cenário que não é muito agradável. E é difícil não
ficarmos comovidos quando se vê uma criança a tentar contar histórias positivas
para apagar da mente – da sua, ou da dos que com ele se cruzam – as verdades
dolorosas de um mundo cada vez mais sombrio.
Um Dia não é, nem pretende ser, mais uma história exaustiva sobre a vida das crianças judias durante o domínio nazi. É um livro sobre a amizade e sobre o poder da imaginação e da solidariedade. Escrito a pensar num público juvenil, pode ser lido por várias gerações, que o vão entender, certamente, de forma diferente.
No seu sítio pessoal (https://www.morrisgleitzman.com/once.htm), o autor apresenta-nos a experiência que foi escrever este romance, que o levou até à história do seu próprio avô, um judeu de Cracóvia, na Polónia, e que, ainda jovem, alguns anos antes do Holocausto, foi viver para Inglaterra. Se o avô escapou aos campos de concentração nazis, muitos membros da família não tiveram a mesma sorte e, na viagem que Morris Gleitzman fez à Polónia aquando da pesquisa para este romance, encontrou, no cemitério judeu de Cracóvia, um memorial em nome da sua família.
Podemos continuar a acompanhar a história de Felix Salinger nos romances que Morris Gleitzman escreveu a seguir, dos quais destacamos
Em A seguir, Morris Gleitzman continua a contar-nos a história da
amizade de Felix e Zelda. Os dois estão agora a fugir dos nazis, com o plano de
se manterem vivos e encontrar novos pais.
Na sua rota de fuga, já cansados
de correr pela floresta, desesperados de medo, fome e sede, Felix e Zelda
encontram Genia, uma mulher generosa que lhes dá abrigo, mesmo conhecendo o
risco que corre ao esconder judeus em sua casa.
Genia, o cão Leopoldo e o porco
Trotsky fazem com que estes dois jovens consigam sentir um pouco da alegria que
tinham antes de as suas famílias morrerem às mãos dos nazis. Mas Felix sabe que
o facto de ser judeu põe em risco todos os que estiverem consigo. Só lhe resta
fugir, para manter todos em segurança.
Este é assim um romance que
continua a dar primazia ao valor da amizade e da compaixão, rendendo homenagem
às pessoas que põem em risco a própria vida para oferecer proteção e consolo
aos estranhos. Estes são os verdadeiros heróis desta história que não é apenas de
ontem, de um passado remoto, mas que continua presente nos nossos dias.
Morris Gleitzman, autor australiano de ficção infantil e juvenil, nasceu em Inglaterra, em 1953, tendo a sua família emigrado para a Austrália, em 1969. Depois da universidade, começou a escrever argumentos para filmes, até que escrever para os jovens se tornou a sua verdadeira missão.
Escreveu o seu primeiro
livro para crianças em 1985. Muitas das suas obras abordam assuntos duros, de
uma forma interessante e original, num estilo descontraído e divertido, o que
fez de Morris Gleitzman um dos autores mais populares autores infantojuvenis da
Austrália, publicado em mais de vinte países.
Recebeu inúmeros prémios como
autor de séries televisivas, guiões de cinema e livros infantojuvenis.
Para conhecer mais sobre a vida e a obra de Morris Gleitzman, visite o sítio:
https://www.morrisgleitzman.com/
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