Mário de Sá-Carneiro, poeta, contista e ficcionista
português, um dos expoentes do Modernismo em Portugal, nasceu em Lisboa, no dia
19 de Maio de 1890, e morreu em Paris, a 26 de Abril de 1916.
Depois
de, aos 21 anos, ter ido para Coimbra estudar Direito, não concluindo o
primeiro ano, segue para Paris a fim de prosseguir os estudos superiores na
Sorbonne. No entanto, também aqui deixou de frequentar as aulas, dedicando-se a
uma vida boémia, na companhia de escritores e artistas, entre os quais o
português Guilherme de Santa-Rita (Santa-Rita Pintor).
Inadaptado
socialmente e psicologicamente instável, foi neste ambiente que compôs grande
parte da sua obra poética e a correspondência com o seu confidente Fernando
Pessoa, que conhecera em 1912.
Com Fernando Pessoa e
Almada Negreiros integrou o primeiro grupo modernista português, com forte
influência das vanguardas culturais europeias, e foi um dos responsáveis pela
edição da revista literária Orpheu,
um verdadeiro escândalo literário à época, motivo pelo qual apenas saíram dois
números (Março e Junho de 1915; o terceiro, embora impresso, não foi publicado).
Colaborou
também em diversas publicações periódicas, nomeadamente no semanário Azulejos; na II série da revista Alma Nova e na revista Contemporânea; pode ainda encontrar-se
colaboração da sua autoria, embora publicada postumamente, nas revistas Pirâmide e Sudoeste.
Em
1914, Mário Sá-Carneiro viaja para Portugal, devido à deflagração da I Guerra
Mundial. Em julho de 1915 regressa a Paris, escrevendo a Pessoa cartas de uma
crescente angústia, das quais ressalta não apenas a evolução e maturidade do seu
processo de escrita, mas também a imagem lancinante de um homem perdido no
«labirinto de si próprio».
Este
estado de alma viria a conduzir Mário Sá-Carneiro ao suicídio, perpetrado no
Hôtel de Nice, no bairro de Montmartre, em Paris, com o recurso a cinco frascos
de arseniato de estricnina.
Numa «carta de
despedida» para Fernando Pessoa, revela as razões para se suicidar:
Paris
- 31 Março 1916
Meu Querido Amigo.
A menos de um milagre
na próxima segunda-feira, 3 (ou mesmo na véspera), o seu Mário de Sá-Carneiro
tomará uma forte dose de estricnina e desaparecerá deste mundo. É assim tal e
qual – mas custa-me tanto a escrever esta carta pelo ridículo que sempre
encontrei nas "cartas de despedida"... Não vale a pena lastimar-me,
meu querido Fernando: afinal tenho o que quero: o que tanto sempre quis – e eu,
em verdade, já não fazia nada por aqui... Já dera o que tinha a dar. Eu não me
mato por coisa nenhuma: eu mato-me porque me coloquei pelas circunstâncias – ou
melhor: fui colocado por elas, numa áurea temeridade – numa situação para a
qual, a meus olhos, não há outra saída. Antes assim. É a única maneira de fazer
o que devo fazer. Vivo há quinze dias uma vida como sempre sonhei: tive tudo
durante eles: realizada a parte sexual, enfim, da minha obra – vivido o
histerismo do seu ópio, as luas zebradas, os mosqueiros roxos da sua Ilusão.
Podia ser feliz mais tempo, tudo me corre, psicologicamente, às mil maravilhas:
mas não tenho dinheiro. [...]
Mário de Sá-Carneiro
O seu poema Fim foi musicado pelo grupo Trovante no
final dos anos 1980.
Fim
Quando eu morrer batam em
latas,
Rompam aos saltos e aos
pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e
acrobatas!
Que o meu caixão vá sobre
um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
E eu quero por força ir de
burro!
Mário de Sá Carneiro, Paris,
1916
Mais tarde, o poema O Outro foi musicado pela cantora
brasileira Adriana Calcanhotto.
O Outro
Eu
não sou eu nem sou o outro,
Sou
qualquer coisa de intermédio:
Pilar
da ponte de tédio
Que vai de mim para o
Outro.
Mário de Sá-Carneiro, in Indícios de Oiro, 1914
Contava
apenas vinte e cinco anos quando morreu. A carreira literária de Mário de
Sá-Carneiro começou em 1912 e terminou em 1916 (o ano da sua morte).
No segundo número da
revista Athena, Pessoa dedicou-lhe um
texto, apelidando-o de «génio não só da arte como da inovação dela», e dizendo
dele que «Morre jovem o que os Deuses amam» (tradução literal de Quem di diligunt adulescens moritur, um
aforismo de Plauto):
Génio
na arte, não teve Sá-Carneiro nem alegria nem felicidade nesta vida. Só a arte,
que fez ou que sentiu, por instantes o turbou de consolação. São assim os que
os Deuses fadaram seus. Nem o amor os quer, nem a esperança os busca, nem a
glória os acolhe. Ou morrem jovens, ou a si mesmos sobrevivem, íncolas da
incompreensão ou da indiferença. Este morreu jovem, porque os Deuses lhe
tiveram muito amor.
Mas para Sá-Carneiro,
génio não só da arte mas da inovação nela, juntou-se, à indiferença que
circunda os génios, o escárnio que persegue os inovadores, profetas, como
Cassandra, de verdades que todos têm por mentira. In qua scribebat, barbara terrafuit. Mas, se a terra fora outra, não variara o
destino. Hoje, mais que em outro tempo, qualquer privilégio é um castigo. Hoje,
mais que nunca, se sofre a própria grandeza. As plebes de todas as classes
cobrem, como uma maré morta, as ruínas do que foi grande e os alicerces
desertos do que poderia sê-lo. O circo, mais que em Roma que morria, é hoje a
vida de todos; porém alargou os seus muros até os confins da terra. A glória é
dos gladiadores e dos mimos. Decide supremo qualquer soldado bárbaro, que a
guarda impôs imperador. Nada nasce de grande que não nasça maldito, nem cresce
de nobre que se não definhe, crescendo. Se assim é, assim seja! Os Deuses o
quiseram assim.
Fernando
Pessoa, Athena, n.º 2, Lisboa,
Novembro, 1924.
Em 1929, Pessoa escreveu
o famoso texto que começa com a frase: “Morre jovem o que os Deuses amam, é
preceito da sabedoria antiga” e, no décimo aniversário do suicídio do escritor,
o poema “Se te queres matar, porque não te queres matar?”, sob a pena de Álvaro
de Campos. Em 1935, o ano em que morreu, escreveu um último poema, Sá-Carneiro, para ser publicado “nesse número de Orpheu que há-de ser feito
com sóis e estrelas em um mundo novo“:
“Por isso, embora num comboio
expresso
Seguisses, e adiante do que eu vou,
No térmitus de tudo, ao fim lá vou
Nessa
ida que afinal é regresso.
Porque na enorme gare onde Deus
manda
Grandes acolhimentos se darão
Para cada prolixo coração
Que
com seu próprio ser vive em demanda.”
Fernando
Pessoa, 1935.
Da obra que Mário de
Sá-Carneiro publicou em vida, constam:
Amizade (1912) – teatro
Princípio (1912) – novelas
A Confissão de Lúcio
(1914) – romance
Dispersão (1914) – poesia
Céu em Fogo (1915) – novelas
Obra póstuma:
Indícios de Oiro (1937) – publicada pela revista
Presença, reúne o conjunto dos trabalhos mais significativos do conjunto da
sua obra.
Correspondência – Cartas a Fernando Pessoa (2 vols., 1958-1959), Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Luís de
Montalvor, Cândida Ramos, Alfredo Guisado e José Pacheco (1977), Correspondência Inédita de Mário de
Sá-Carneiro a Fernando Pessoa (1980).
Toda a obra de Mário
de Sá-Carneiro pode se consultada no espólio online da Biblioteca Nacional:
Para mais informação,
consultar também
http://sacarneiro.sdsu.edu/paginas/envelopes.html
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