No
dia em que se comemora o Dia
Internacional das Crianças Vítimas Inocentes da Violência e da Agressão, deixamos
aqui a sugestão da leitura de Esteiros,
de Soeiro Pereira Gomes, a obra dedicada «aos filhos dos homens que nunca foram
meninos».
Considerado
um dos textos inaugurais do neorrealismo e um romance marcante da literatura
portuguesa do século XX, Esteiros é uma
obra de profunda denúncia da injustiça e da miséria social, que conta a
história de um grupo de crianças que desde cedo abandona a escola para
trabalhar numa fábrica de tijolos.
O
revoltado Gineto, o estudioso Gaitinhas, Malesso, Maquineta, ou o menino de rua
Sagui, entre outros, são os operários-meninos que recolhiam o barro dos
estreitos canais do rio Tejo, os esteiros, para dele fazerem telhas e tijolos,
“os filhos dos homens que nunca foram meninos”, dedicatória do autor a abrir o
romance a um protagonista coletivo representado por estas crianças que, sujeitas
à dureza do trabalho quando o conseguem arranjar, vadiando ou roubando para
comer durante o resto do tempo, apesar de tudo são meninos que sonham, na sua
luta trágica contra a miséria e contra a opressão desumana de uma sociedade
submetida à exploração capitalista no Portugal do Estado Novo.
A
estrutura temporal do romance consiste numa ação que se reparte pelas quatro
estações, o que remete para a dependência da atividade económica relativamente
à Natureza, impondo à classe que vive do fabrico de tijolos o emprego ou o
desemprego, para uma circularidade temporal que aparentemente não é gérmen de
mudança, mas que também corresponde à transformação psicossocial das
personagens, tal como se transforma a Natureza, que recusa ou assegura o trabalho
aos jovens semivagabundos.
Publicada
em 1941, com capa e ilustrações de Álvaro Cunhal, a obra é escrita numa
linguagem acessível, mas cuidada, com frases simples, privilegiando o discurso
direto para dar voz aos oprimidos. A miséria retratada em Esteiros é mais do que ficção: é a realidade de um país pobre, sem
esperança, onde mais de metade da população é analfabeta.
Joaquim
Soeiro Pereira Gomes nasceu em
Baião, Gestaçô, distrito do Porto, em 14 de Abril de 1909, e morreu em Lisboa,
em 5 de Dezembro de 1949. Viveu em Espinho, dos 6 aos 10 anos de idade.
Filho
de agricultores, tirou o curso de Regente Agrícola em Coimbra e, quando
finalizou os estudos, viajou para Angola onde trabalhou mais de um ano.
Casou
em Coimbra, a 25 de Maio de 1931, com Manuela Câncio dos Reis. Quando regressou
a Portugal, foi viver para Alhandra, no distrito de Lisboa, como empregado
administrativo na fábrica de cimentos local, e onde começou a desenvolver um
trabalho de dinamização cultural entre o operariado.
Em
1939, com 30 anos, começou a publicar no jornal «O Diabo», na época uma publicação
progressista que contrastava no panorama cinzento das publicações censuradas
pelo fascismo.
Da
janela do seu quarto em Alhandra, Soeiro Pereira Gomes observava a luta trágica
dos operários para sobreviver. Entre os homens, havia crianças em idade de estarem
na escola a aprender as primeiras letras. Em vez disso, fabricavam peças de barro
à beira dos esteiros do Tejo. Trabalhavam a troco de um salário miserável, que
os condenava à mendicidade, a uma vida sem saída da pobreza. A reflexão sobre
a injustiça de uma sociedade opressora e exploradora, organizada em favor dos
mais fortes, leva Soeiro Pereira Gomes a denunciar esta situação com palavras e
outros atos de resistência ao regime de Salazar.
O romancista
militante, apanhado pela morte aos 40 anos, deixa uma obra breve, mas marcante:
em 1931, escrevera o conto “O Capataz”, cuja publicação a censura impede. Deixa
publicados dois romances (Engrenagem
e Esteiros), um livro de contos (Contos Vermelhos), crónicas e contos
avulsos. A produção literária é, todavia, suficiente para fazer de Soeiro
Pereira Gomes um dos nomes maiores do neorrealismo português.
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