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domingo, 4 de junho de 2017

Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes: uma sugestão de leitura




No dia em que se comemora o Dia Internacional das Crianças Vítimas Inocentes da Violência e da Agressão, deixamos aqui a sugestão da leitura de Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes, a obra dedicada «aos filhos dos homens que nunca foram meninos».
Considerado um dos textos inaugurais do neorrealismo e um romance marcante da literatura portuguesa do século XX, Esteiros é uma obra de profunda denúncia da injustiça e da miséria social, que conta a história de um grupo de crianças que desde cedo abandona a escola para trabalhar numa fábrica de tijolos.
O revoltado Gineto, o estudioso Gaitinhas, Malesso, Maquineta, ou o menino de rua Sagui, entre outros, são os operários-meninos que recolhiam o barro dos estreitos canais do rio Tejo, os esteiros, para dele fazerem telhas e tijolos, “os filhos dos homens que nunca foram meninos”, dedicatória do autor a abrir o romance a um protagonista coletivo representado por estas crianças que, sujeitas à dureza do trabalho quando o conseguem arranjar, vadiando ou roubando para comer durante o resto do tempo, apesar de tudo são meninos que sonham, na sua luta trágica contra a miséria e contra a opressão desumana de uma sociedade submetida à exploração capitalista no Portugal do Estado Novo.
A estrutura temporal do romance consiste numa ação que se reparte pelas quatro estações, o que remete para a dependência da atividade económica relativamente à Natureza, impondo à classe que vive do fabrico de tijolos o emprego ou o desemprego, para uma circularidade temporal que aparentemente não é gérmen de mudança, mas que também corresponde à transformação psicossocial das personagens, tal como se transforma a Natureza, que recusa ou assegura o trabalho aos jovens semivagabundos.
Publicada em 1941, com capa e ilustrações de Álvaro Cunhal, a obra é escrita numa linguagem acessível, mas cuidada, com frases simples, privilegiando o discurso direto para dar voz aos oprimidos. A miséria retratada em Esteiros é mais do que ficção: é a realidade de um país pobre, sem esperança, onde mais de metade da população é analfabeta.


Joaquim Soeiro Pereira Gomes nasceu em Baião, Gestaçô, distrito do Porto, em 14 de Abril de 1909, e morreu em Lisboa, em 5 de Dezembro de 1949. Viveu em Espinho, dos 6 aos 10 anos de idade.
Filho de agricultores, tirou o curso de Regente Agrícola em Coimbra e, quando finalizou os estudos, viajou para Angola onde trabalhou mais de um ano.
Casou em Coimbra, a 25 de Maio de 1931, com Manuela Câncio dos Reis. Quando regressou a Portugal, foi viver para Alhandra, no distrito de Lisboa, como empregado administrativo na fábrica de cimentos local, e onde começou a desenvolver um trabalho de dinamização cultural entre o operariado.
Em 1939, com 30 anos, começou a publicar no jornal «O Diabo», na época uma publicação progressista que contrastava no panorama cinzento das publicações censuradas pelo fascismo.
Da janela do seu quarto em Alhandra, Soeiro Pereira Gomes observava a luta trágica dos operários para sobreviver. Entre os homens, havia crianças em idade de estarem na escola a aprender as primeiras letras. Em vez disso, fabricavam peças de barro à beira dos esteiros do Tejo. Trabalhavam a troco de um salário miserável, que os condenava à mendicidade, a uma vida sem saída da pobreza. A reflexão sobre a injustiça de uma sociedade opressora e exploradora, organizada em favor dos mais fortes, leva Soeiro Pereira Gomes a denunciar esta situação com palavras e outros atos de resistência ao regime de Salazar.
O romancista militante, apanhado pela morte aos 40 anos, deixa uma obra breve, mas marcante: em 1931, escrevera o conto “O Capataz”, cuja publicação a censura impede. Deixa publicados dois romances (Engrenagem e Esteiros), um livro de contos (Contos Vermelhos), crónicas e contos avulsos. A produção literária é, todavia, suficiente para fazer de Soeiro Pereira Gomes um dos nomes maiores do neorrealismo português.


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