Prisioneiros
da Geografia, de
Tim Marshall (Editora Desassossego, chancela do grupo Saída de Emergência,
2017)
Tim Marshall
Em julho de 2017, foi
publicada em Portugal a obra Prisioneiros
da Geografia, do britânico Tim Marshall, jornalista e especialista em
relações internacionais. O subtítulo, Dez
mapas que lhe revelam tudo o que precisa de saber sobre política internacional,
deixa entrever parte do que será exposto ao longo de 240 páginas.
“A
terra em que vivemos sempre nos moldou. Moldou as guerras, o poder, a política
e o desenvolvimento social dos povos que, hoje, habitam quase todo o planeta. A
tecnologia pode parecer ultrapassar as distâncias, tanto no espaço mental como
no físico, mas é fácil esquecer que a terra onde vivemos, trabalhamos e criamos
os nossos filhos tem uma importância crucial e que as escolhas daqueles que
lideram os sete milhões de habitantes deste planeta serão, em certa medida,
sempre influenciadas pelos rios, montanhas, desertos, lagos e mares que nos
rodeiam a todos – como sempre o foram.” (p. 11)
Nascido
em 1959, na cidade inglesa de Leeds, ex-editor de diplomacia na Sky News e antigo colaborador da BBC, Tim Marshall esteve como correspondente
em cerca de 30 países, fez a cobertura de três eleições presidenciais nos
Estados Unidos e de 13 guerras, dos Balcãs ao Afeganistão, da primavera árabe
no Norte de África ao conflito israelo-palestiniano ou à guerra na Síria.
Dessas
experiências nasceram vários livros, entre os quais aquele que aqui se
apresenta.
Em
dez capítulos, dedicados a dez países ou regiões diferentes (Rússia, China,
EUA, Europa Ocidental, África, Médio Oriente, Índia e Paquistão, Coreia e Japão,
América Latina e o Ártico), Tim Marshall, através de mapas, ensaios e da sua
longa experiência de viagens pelo globo, oferece-nos uma perspetiva do passado,
presente e futuro, ajuda-nos a descobrir como a geografia é um fator tão determinante
para a história do mundo e explica como a geopolítica internacional afeta todos
os países, quer estejam em guerra ou em paz, e pode ser compreendida através de
fatores geográficos, como a paisagem física que é moldada pelas montanhas ou pelas
redes fluviais, o clima, a demografia, as regiões culturais ou o acesso a
recursos naturais. E a geografia também pode ser uma prisão, que define o que
um povo é ou poderá ser e da qual muitos líderes mundiais lutaram para se
libertar.
É certo
que a geografia não determina todos os acontecimentos. Foram as grandes ideias
e alguns grandes líderes que fizeram parte dos avanços e recuos da história. No
entanto, a natureza pode ser mais poderosa que os homens e todos eles tiveram
de operar dentro dos limites impostos pela geografia. Quando queremos analisar
ou comunicar uma situação ou decisão política, devemos olhar para a história,
para o presente, para a cultura… para tudo. E nesse tudo estão incluídos os
fatores geográficos. As novas realidades geográficas, como as alterações
climáticas, por exemplo, trazem novas oportunidades e novos desafios, como as
questões colocadas pelo aquecimento global, a desertificação ou as guerras pela
água.
Na
conclusão, Tim Marshall faz ainda referência à conquista do espaço, iniciada em
1961 com a viagem do cosmonauta soviético Yuri Gagarin a bordo do Volstok 1,
continuada com a “guerra das estrelas” liderada pelos Estados Unidos e de que resulta,
entre outras consequências, a existência de cerca de 1100 satélites
operacionais no espaço e 2000 não operacionais, sendo EUA e Rússia responsáveis
pela maioria, seguidos de países como a China ou o Japão. Satélites que servem,
não só para transmitir as imagens que vemos na televisão ou fazer previsões meteorológicas,
mas também para espiar outros países, para ver quem se move, onde e com quê,
para preparar uma eventual guerra que ocorra no espaço (cada país avaliando,
por exemplo, se tem condições para que o seu sistema de mísseis possa funcionar
e neutralizar a versão dos concorrentes).
E é com um repto à
Humanidade que termina este livro:
“Quando
queremos chegar às estrelas, os desafios que nos esperam são tais que talvez
tenhamos de nos juntar para os alcançarmos: talvez devamos viajar pelo
universo, não como russos, americanos ou chineses, mas como representantes da
Humanidade. Mas, até agora, embora nos tenhamos libertado das grilhetas da
gravidade, estamos ainda aprisionados nas nossas mentes, confinados pela nossa
desconfiança do «outro», e daí a nossa competição primitiva por recursos. Temos
um longo caminho a percorrer.” (p.
240)
Pode acompanhar aqui a
entrevista a Tim Marshall conduzida por Pedro Soares Botelho para a Sapo 24, em
julho de 2017, aquando da sua vinda a Lisboa para promover o lançamento do seu
livro:
Se
Tim Marshall indica como referência e inspiração para este seu trabalho as
conclusões do geógrafo norte-americano Jared Diamond no seu livro Guns, Germs and Steel, que revela
tentativas de alterações de fronteiras em diversas regiões do mundo onde escasseiam
recursos naturais, como rios navegáveis, como é o caso do Sudão ou da região do
Sahel, a leitura de Prisioneiros da
Geografia faz recordar o livro que, em 1976, o geógrafo e geopolítico
francês Yves Lacoste publicou sob o
título de A geografia serve, antes de mais nada, para fazer a guerra. Porque
é verdade que, sem procurar fazer a continuação deste, Tim Marshall volta a
colocar a questão sobre o papel social e político da geografia enquanto ciência
e enquanto conhecimento do território.
Quando
a obra de Yves Lacoste foi publicada, em 1976, a geografia política da Europa e
do Mundo era muito diferente daquela em que vivemos no século XXI.
Num
tempo ainda marcado pela Guerra Fria e pelos efeitos, não só de duas
guerras mundiais, mas do processo de descolonização que conduziu à independência
de muitos países, Yves Lacoste pretendia responder à questão Para que serve a geografia e qual sua função
social?, alertando para as consequências que ocorrem nas populações
atingidas pela (re)organização dos seus espaços, convocando os geógrafos a
assumir uma posição militante contra a instrumentalização da geografia pelos
interesses estatais ou privados. Esta foi considerada uma das obras pioneiras
da geografia crítica ou radical, tendo exercido grande influência na academia e
no ensino.
Em 1970, Yves Lacoste
lançara a revista Hérodote que, nos
trinta anos seguintes, procurou revelar a “face oculta” da geografia, isto é, o
seu caráter político. Esta revista suscitou acesos debates em torno do conceito
de geografia política ou geopolítica e contaminou sociólogos, historiadores e
geógrafos, surgindo pela primeira vez a questão: "A quem serve a geografia?".
“Dizer
antecipadamente que a geografia serve, antes de mais, para fazer a guerra não
implica que sirva apenas para executar operações militares; ela serve também
para organizar os territórios, não só como previsão de batalhas que se deverão
travar contra tal ou tal inimigo, mas também para melhor controlar os homens
sobre os quais o aparelho de Estado exerce a sua autoridade”. (p. 8-9)
A par
de uma abordagem epistemológica, o autor distingue ainda duas
geografias: uma mais antiga, a geografia «dos estados-maiores» (o conjunto de
representações e de conhecimentos sobre o espaço, um saber entendido como
eminentemente estratégico pelas minorias dirigentes que o utilizam como instrumento
de poder); e outra, surgida nos finais do século XIX, a geografia «dos
professores» (desenvolvida como discurso científico e pedagógico de tipo
enciclopédico, mas que se tornou um discurso ideológico de que uma das funções inconscientes é a de «mascarar» a importância estratégica das
análises que fazem do espaço, dissimulando a eficácia do instrumento de poder
que são as análises espaciais).
A Geografia
é, assim, um “saber estratégico” nas mãos de alguns e, ao longo dos tempos e a
par da História, foi sendo utilizada para justificar e fundamentar nacionalismos,
regionalismos, separatismos ou expansionismos, mesmo enquanto disciplina integrante
dos currículos do ensino básico ou secundário, como Yves Lacoste apresenta a
partir do caso francês.
[T. A.]
[T. A.]
Deve ser muito interessante! A Geografia também serve para libertar se for usada para prever, salvar, modificar padrões de uso do solo e de vida que possam tornar a vida na Terra melhor para todos
ResponderEliminarObrigada pelo comentário, Helena.
Eliminar