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terça-feira, 14 de novembro de 2017

Sugestão de leitura: "Prisioneiros da Geografia", de Tim Marshall




Prisioneiros da Geografia, de Tim Marshall (Editora Desassossego, chancela do grupo Saída de Emergência, 2017)


Tim Marshall
Em julho de 2017, foi publicada em Portugal a obra Prisioneiros da Geografia, do britânico Tim Marshall, jornalista e especialista em relações internacionais. O subtítulo, Dez mapas que lhe revelam tudo o que precisa de saber sobre política internacional, deixa entrever parte do que será exposto ao longo de 240 páginas.
“A terra em que vivemos sempre nos moldou. Moldou as guerras, o poder, a política e o desenvolvimento social dos povos que, hoje, habitam quase todo o planeta. A tecnologia pode parecer ultrapassar as distâncias, tanto no espaço mental como no físico, mas é fácil esquecer que a terra onde vivemos, trabalhamos e criamos os nossos filhos tem uma importância crucial e que as escolhas daqueles que lideram os sete milhões de habitantes deste planeta serão, em certa medida, sempre influenciadas pelos rios, montanhas, desertos, lagos e mares que nos rodeiam a todos – como sempre o foram.” (p. 11)
Nascido em 1959, na cidade inglesa de Leeds, ex-editor de diplomacia na Sky News e antigo colaborador da BBC, Tim Marshall esteve como correspondente em cerca de 30 países, fez a cobertura de três eleições presidenciais nos Estados Unidos e de 13 guerras, dos Balcãs ao Afeganistão, da primavera árabe no Norte de África ao conflito israelo-palestiniano ou à guerra na Síria.
Dessas experiências nasceram vários livros, entre os quais aquele que aqui se apresenta.
Em dez capítulos, dedicados a dez países ou regiões diferentes (Rússia, China, EUA, Europa Ocidental, África, Médio Oriente, Índia e Paquistão, Coreia e Japão, América Latina e o Ártico), Tim Marshall, através de mapas, ensaios e da sua longa experiência de viagens pelo globo, oferece-nos uma perspetiva do passado, presente e futuro, ajuda-nos a descobrir como a geografia é um fator tão determinante para a história do mundo e explica como a geopolítica internacional afeta todos os países, quer estejam em guerra ou em paz, e pode ser compreendida através de fatores geográficos, como a paisagem física que é moldada pelas montanhas ou pelas redes fluviais, o clima, a demografia, as regiões culturais ou o acesso a recursos naturais. E a geografia também pode ser uma prisão, que define o que um povo é ou poderá ser e da qual muitos líderes mundiais lutaram para se libertar.
É certo que a geografia não determina todos os acontecimentos. Foram as grandes ideias e alguns grandes líderes que fizeram parte dos avanços e recuos da história. No entanto, a natureza pode ser mais poderosa que os homens e todos eles tiveram de operar dentro dos limites impostos pela geografia. Quando queremos analisar ou comunicar uma situação ou decisão política, devemos olhar para a história, para o presente, para a cultura… para tudo. E nesse tudo estão incluídos os fatores geográficos. As novas realidades geográficas, como as alterações climáticas, por exemplo, trazem novas oportunidades e novos desafios, como as questões colocadas pelo aquecimento global, a desertificação ou as guerras pela água.
Na conclusão, Tim Marshall faz ainda referência à conquista do espaço, iniciada em 1961 com a viagem do cosmonauta soviético Yuri Gagarin a bordo do Volstok 1, continuada com a “guerra das estrelas” liderada pelos Estados Unidos e de que resulta, entre outras consequências, a existência de cerca de 1100 satélites operacionais no espaço e 2000 não operacionais, sendo EUA e Rússia responsáveis pela maioria, seguidos de países como a China ou o Japão. Satélites que servem, não só para transmitir as imagens que vemos na televisão ou fazer previsões meteorológicas, mas também para espiar outros países, para ver quem se move, onde e com quê, para preparar uma eventual guerra que ocorra no espaço (cada país avaliando, por exemplo, se tem condições para que o seu sistema de mísseis possa funcionar e neutralizar a versão dos concorrentes).
E é com um repto à Humanidade que termina este livro:
“Quando queremos chegar às estrelas, os desafios que nos esperam são tais que talvez tenhamos de nos juntar para os alcançarmos: talvez devamos viajar pelo universo, não como russos, americanos ou chineses, mas como representantes da Humanidade. Mas, até agora, embora nos tenhamos libertado das grilhetas da gravidade, estamos ainda aprisionados nas nossas mentes, confinados pela nossa desconfiança do «outro», e daí a nossa competição primitiva por recursos. Temos um longo caminho a percorrer.” (p. 240)
Pode acompanhar aqui a entrevista a Tim Marshall conduzida por Pedro Soares Botelho para a Sapo 24, em julho de 2017, aquando da sua vinda a Lisboa para promover o lançamento do seu livro:
Se Tim Marshall indica como referência e inspiração para este seu trabalho as conclusões do geógrafo norte-americano Jared Diamond no seu livro Guns, Germs and Steel, que revela tentativas de alterações de fronteiras em diversas regiões do mundo onde escasseiam recursos naturais, como rios navegáveis, como é o caso do Sudão ou da região do Sahel, a leitura de Prisioneiros da Geografia faz recordar o livro que, em 1976, o geógrafo e geopolítico francês Yves Lacoste publicou sob o título de A geografia serve, antes de mais nada, para fazer a guerra. Porque é verdade que, sem procurar fazer a continuação deste, Tim Marshall volta a colocar a questão sobre o papel social e político da geografia enquanto ciência e enquanto conhecimento do território.


 


Yves Lacoste

Quando a obra de Yves Lacoste foi publicada, em 1976, a geografia política da Europa e do Mundo era muito diferente daquela em que vivemos no século XXI.
Num tempo ainda marcado pela Guerra Fria e pelos efeitos, não só de duas guerras mundiais, mas do processo de descolonização que conduziu à independência de muitos países, Yves Lacoste pretendia responder à questão Para que serve a geografia e qual sua função social?, alertando para as consequências que ocorrem nas populações atingidas pela (re)organização dos seus espaços, convocando os geógrafos a assumir uma posição militante contra a instrumentalização da geografia pelos interesses estatais ou privados. Esta foi considerada uma das obras pioneiras da geografia crítica ou radical, tendo exercido grande influência na academia e no ensino.
Em 1970, Yves Lacoste lançara a revista Hérodote que, nos trinta anos seguintes, procurou revelar a “face oculta” da geografia, isto é, o seu caráter político. Esta revista suscitou acesos debates em torno do conceito de geografia política ou geopolítica e contaminou sociólogos, historiadores e geógrafos, surgindo pela primeira vez a questão: "A quem serve a geografia?".
“Dizer antecipadamente que a geografia serve, antes de mais, para fazer a guerra não implica que sirva apenas para executar operações militares; ela serve também para organizar os territórios, não só como previsão de batalhas que se deverão travar contra tal ou tal inimigo, mas também para melhor controlar os homens sobre os quais o aparelho de Estado exerce a sua autoridade”. (p. 8-9)
A par de uma abordagem epistemológica, o autor distingue ainda duas geografias: uma mais antiga, a geografia «dos estados-maiores» (o conjunto de representações e de conhecimentos sobre o espaço, um saber entendido como eminentemente estratégico pelas minorias dirigentes que o utilizam como instrumento de poder); e outra, surgida nos finais do século XIX, a geografia «dos professores» (desenvolvida como discurso científico e pedagógico de tipo enciclopédico, mas que se tornou um discurso ideológico de que uma das funções inconscientes é a de «mascarar» a importância estratégica das análises que fazem do espaço, dissimulando a eficácia do instrumento de poder que são as análises espaciais).

A Geografia é, assim, um “saber estratégico” nas mãos de alguns e, ao longo dos tempos e a par da História, foi sendo utilizada para justificar e fundamentar nacionalismos, regionalismos, separatismos ou expansionismos, mesmo enquanto disciplina integrante dos currículos do ensino básico ou secundário, como Yves Lacoste apresenta a partir do caso francês.

[T. A.]


2 comentários:

  1. Deve ser muito interessante! A Geografia também serve para libertar se for usada para prever, salvar, modificar padrões de uso do solo e de vida que possam tornar a vida na Terra melhor para todos

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