© Foto Luiz Carvalho
Escreverei
para ti o poema mais triste
Senhora
dos cabelos de alga onde se escondem as divindades
quando
me tocas há um país que não existe
e um anjo
poisa-me nos ombros Senhora das Tempestades.
In
Senhora das Tempestades, 1998
O
escritor e político português Manuel Alegre
de Melo Duarte nasceu em Águeda, no dia 12 de maio de 1936.
A família
de Manuel Alegre inscreve-se na tradição política liberal portuguesa: o seu
trisavô paterno, Francisco Soares de Freitas, combateu ao lado de D. Pedro na
guerra civil contra D. Miguel, foi fundador dos Caminhos de Ferro ao Sul do
Tejo e primeiro visconde do Barreiro; o avô materno, Manuel Ribeiro Alegre,
republicano e carbonário, foi deputado constituinte em 1911 e governador civil
de Santarém.
Depois
de percorrer vários estabelecimentos de ensino entre o ensino primário e o
secundário (os primeiros estudos feitos em Águeda; o curso dos liceus em
Lisboa, no Passos Manuel, no Cartaxo, no Colégio Almeida Garrett, em São João
da Madeira, no Colégio Castilho, e finalmente no Porto, onde concluiu os
estudos secundários no Liceu Central Alexandre Herculano), Manuel Alegre entrou
em 1956 na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Durante
o seu percurso académico, foi-se dividindo entre a intervenção política (fez
parte dos grupos de oposição de estudantes ao salazarismo; em 1957, tornou-se
militante do Partido Comunista Português; em 1958, foi membro da Comissão da
Academia que apoiou a candidatura de Humberto Delgado à Presidência da
República) e as atividades culturais (participou na fundação do Círculo de
Iniciação Teatral da Academia de Coimbra e foi ator do Teatro de Estudantes da
Universidade de Coimbra, deslocando-se para atuar em Bruxelas, Cabo Verde e
Bristol).
Dirigiu
o jornal A Briosa, foi redator da
revista Vértice e colaborador da Via Latina, periódicos onde começou a
publicar os primeiros poemas, em 1960.
Em
1961, iniciou o serviço militar na Escola Prática de Infantaria, em Mafra, de
onde saiu, pouco depois, para a ilha de São Miguel.
Em
1962, foi mobilizado para Angola, onde foi preso pela PIDE, em 1963, por dirigir
uma tentativa pioneira de revolta militar. Regressado a Portugal, foi-lhe
fixada residência em Coimbra, acabando depois por passar à clandestinidade e, em
1964, exilou-se em Paris, cidade onde foi eleito para um cargo na Direção da
Frente Patriótica de Libertação Nacional, presidida por Humberto Delgado. Como
representante desta organização, discursou nas Nações Unidas sobre a sua
experiência em Angola e contactou com os líderes dos movimentos africanos de
libertação, como Agostinho Neto, Eduardo Mondlane, Samora Machel, Amílcar
Cabral ou Mário Pinto de Andrade.
Ainda
em 1964, partiu para um exílio de 10 anos, em Argel. Através da emissora de
rádio A Voz da Liberdade, difundia
conteúdos de apoio aos movimentos de libertação das antigas províncias
ultramarinas e contra o regime salazarista.
Entretanto,
os seus dois primeiros livros, Praça da
Canção (1965) e O Canto e as Armas
(1967), são apreendidos pela censura, mas cópias manuscritas ou datilografadas
circulam clandestinamente de mão em mão. Poemas seus, cantados, entre outros,
por Zeca Afonso e Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire e Luís Cília,
tornaram-se emblemas da luta clandestina.
Um
exemplo,
Trova do Vento que Passa
(Balada
de Manuel Alegre, com música de António Portugal e cantada por Adriano Correia
de Oliveira)
Pergunto
ao vento que passa
notícias
do meu país
e
o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.
Pergunto
aos rios que levam
tanto
sonho à flor das águas
e
os rios não me sossegam
levam sonhos deixam
mágoas.
Levam
sonhos deixam mágoas
ai
rios do meu país
minha
pátria à flor das águas
para onde vais?
Ninguém diz.
Se
o verde trevo desfolhas
pede
notícias e diz
ao
trevo de quatro folhas
que morro por meu
país.
Pergunto
à gente que passa
por
que vai de olhos no chão.
Silêncio
- é tudo o que tem
quem vive na servidão.
Vi
florir os verdes ramos
direitos
e ao céu voltados.
E
a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros
curvados.
E
o vento não me diz nada
ninguém
diz nada de novo.
Vi
minha pátria pregada
nos braços em cruz do
povo.
Vi
meu poema na margem
dos
rios que vão pró mar
como
quem ama a viagem
mas tem sempre de
ficar.
Vi
navios a partir
(Portugal
à flor das águas)
vi
minha trova florir
(verdes folhas verdes
mágoas).
Há
quem te queira ignorada
e
fale pátria em teu nome.
Eu
vi-te crucificada
nos braços negros da
fome.
E
o vento não me diz nada
só
o silêncio persiste.
Vi
minha pátria parada
à beira de um rio
triste.
Ninguém
diz nada de novo
se
notícias vou pedindo
nas
mãos vazias do povo
vi minha pátria
florindo.
E
a noite cresce por dentro
dos
homens do meu país.
Peço
notícias ao vento
e o vento nada me diz.
Mas
há sempre uma candeia
dentro
da própria desgraça
há
sempre alguém que semeia
canções no vento que
passa.
Mesmo
na noite mais triste
em
tempo de servidão
há
sempre alguém que resiste
há sempre alguém que
diz não.
Manuel Alegre, in Praça da Canção (1965)
Em
1968, afasta-se do Partido Comunista Português para aderir à Ação Socialista
Portuguesa, embrião do Partido Socialista, fundado em abril de 1973, na cidade alemã de Bad Münstereifel.
Após
a revolução de abril de 1974, regressou a Portugal, entrando nos quadros
da Radiodifusão Portuguesa, como diretor dos Serviços Recreativos e Culturais.
Ainda
em 1974, aderiu ao Partido Socialista; em 1975 foi eleito deputado à Assembleia
Constituinte, sendo o autor da proposta apresentada pelo PS para o texto do
preâmbulo da Constituição Portuguesa de 1976, que foi adotado.
Deputado
à Assembleia da República a partir de 1976, integrou o I Governo Constitucional
(de Mário Soares), primeiro como Secretário de Estado da Comunicação Social,
depois como Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro para os Assuntos
Políticos.
No
Parlamento, foi presidente da Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros,
vice-presidente da Delegação Parlamentar Portuguesa ao Conselho da Europa,
vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS e vice-presidente da Assembleia da
República.
Em
2006, foi candidato independente às eleições presidenciais, ficando em segundo
lugar nas votações, tendo obtido mais votos que Mário Soares, então candidato
oficial do PS. Após essas eleições, fundou o Movimento de Intervenção e
Cidadania (MIC).
Em
2009, cessou o seu último mandato como deputado à Assembleia da República, após
34 anos no Parlamento, sempre eleito por Coimbra.
Em
2011, voltou a candidatar-se às eleições presidenciais, conseguindo o apoio do
PS, do BE, do PCTP, bem como dos
dirigentes do MIC.
Além
da atividade política, é sobretudo a sua carreira literária que este mês queremos
homenagear e dar a conhecer, quer como poeta, quer como ficcionista.
Reconhecido
além-fronteiras, é o único autor português incluído na antologia Cent poèmes sur l'exil, editada pela
Liga dos Direitos do Homem, em França (1993). Em Abril de 2010, a Universidade
de Pádua, em Itália, inaugurou a Cátedra Manuel Alegre, destinada ao estudo da
Língua, Literatura e Cultura Portuguesas.
Foram muitos os
prémios e distinções que recebeu ao longo dos anos. Pelo conjunto da sua obra
recebeu, entre outros, o Grande Prémio de Poesia, da Associação Portuguesa de
Escritores (1998). Em 1999, recebeuo Prémio
Pessoa. Em 2016 a Sociedade Portuguesa de Autores atribuiu-lhe o Prémio de
Consagração de Carreira. Em 2017, recebeu (“finalmente”) o Prémio Camões (e, como o próprio Manuel Alegre comentou na altura,
“o estranho foi não o ter recebido antes!”).
Obra publicada
(*) Disponível na Biblioteca do ECB
(*) Disponível na Biblioteca do ECB
Poesia
1965
– Praça da Canção
1967
- O Canto e as Armas (*)
1971
- Um Barco para Ítaca
1976
- Coisa Amar (Coisas do Mar)
1979
- Nova do Achamento
1981
– Atlântico (*)
1983
- Babilónia
1984
- Chegar Aqui
1984
- Aicha Conticha
1991
- A Rosa e o Compasso
1992
- Com que Pena — Vinte Poemas para Camões
1993
- Sonetos do Obscuro Quê
1995
- Coimbra Nunca Vista (*)
1996
- As Naus de Verde Pinho
1996
- Alentejo e Ninguém
1997
- Che
1998
- Pico
1998
- Senhora das Tempestades (*)
1999
- E alegre se fez triste
2001
- Livro do Português Errante (*)
2008
- Nambuangongo, Meu Amor
2008
- Sete Partidas
2017
- Auto de António
Ficção
1989
- Jornada de África (*)
1989
- O Homem do País Azul (*)
1995
– Alma (*)
1998
- A Terceira Rosa (*)
1999
- Uma Carga de Cavalaria
2002
- Cão Como Nós (*)
2003
– Rafael (*)
Literatura
Infantil
2007 - Barbi-Ruivo,
O meu primeiro Camões, ilustrações de André Letria, Publicações Dom Quixote (*)
2009 - O
Príncipe do Rio, ilustrações de Danuta Wojciechowska, Publicações Dom Quixote
2015 - As
Naus de Verde Pinho: Viagem de Bartolomeu Dias contada à minha filha Joana.
Prémio de Literatura Infantil António Botto
Outros
1997
- Contra a Corrente (discursos e textos políticos) (*)
2002
- Arte de Marear (ensaios) (*)
2006
- O Futebol e a Vida, Do Euro 2004 ao Mundial 2006 (crónicas)
2016
- Uma outra memória - A escrita, Portugal e os camaradas dos sonhos
Principais condecorações e medalhas
Portugal –
Grã-Cruz da Ordem da Liberdade de Portugal (maio de 1989)
Marrocos –
Comendador da Ordem de Ouissam Alaoui de Marrocos (fevereiro de 1992)
Chile – Grande-Oficial
da Ordem de Bernardo O'Higgins do Chile (abril de 1995)
Itália – Grande-Oficial
da Ordem "Stella Della Solidarietá" Italiana de Itália, atribuída
pelo Presidente de Itália (junho de 2008)
União
Europeia – Medalha de Mérito do Conselho da Europa, de que é Membro-Honorário.
Portugal –
Medalha de Honra da Sociedade Portuguesa de Autores (maio de 2008)
Itália – Medalha
da Cidade de Veneza, por ocasião do Convénio Internacional "La Porta d’Oriente
-Viaggi e Poesia" (novembro de 1999)
Portugal –
Medalha de Ouro da Cidade de Águeda
Itália – Medalha
da Cidade de Pádua, tendo sido agraciado com o título de Cidadão-Honorário (abril de 2010)
Portugal –
Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada (maio de 2016)
Itália – Doutoramento
Honoris Causa em Línguas e Literaturas Modernas Europeias e Americanas, pela
Universidade de Pádua (novembro de 2017)
Prémios
Grande
Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores (1998)
Prémio da
Crítica da Associação Portuguesa de Críticos Literários (1998)
Prémio de
Literatura Infantil António Botto (1998)
Prémio
Pessoa (1999)
Prémio
Fernando Namora (1999)
Prémio D.
Dinis (2007)
Grande
Prémio Vida Literária (2016)
Grande
Prémio de Literatura dst (2016)
Prémio de
Consagração de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores (2016)
Prémio
Guerra Junqueiro instituído pelo FFIL - Freixo Festival Internacional de
Literatura (2017)
Prémio
Camões (2017) (o maior prémio literário da língua portuguesa, instituído pelos
governos do Brasil e de Portugal)
Um poema para a eternidade...
Uma
flor de verde pinho
Eu
podia chamar-te pátria minha
dar-te
o mais lindo nome português
podia
dar-te um nome de rainha
que este amor é de
Pedro por Inês.
Mas
não há forma não há verso não há leito
para
este fogo amor para este rio.
Como
dizer um coração fora do peito?
Meu amor transbordou.
E eu sem navio.
Gostar
de ti é um poema que não digo
que
não há taça amor para este vinho
não
há guitarra nem cantar de amigo
não há flor não há
flor de verde pinho.
Não
há barco nem trigo não há trevo
não
há palavras para dizer esta canção.
Gostar
de ti é um poema que não escrevo.
Que há um rio sem
leito. E eu sem coração.
(canção portuguesa no
Festival Eurovisão da Canção 1976, interpretada em português pelo fadista
Carlos do Carmo, com letra de Manuel Alegre, música de José Niza e orquestração
do maestro Thilo Krasman)
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