No
dia 18 de maio celebra-se o Dia Internacional dos Museus, criado em 1977 pelo
Conselho Internacional de Museus – ICOM –, com o objetivo de promover, junto da
sociedade, uma reflexão sobre o papel dos Museus no seu desenvolvimento. Para
2018, o ICOM propõe o tema - Museus
hiperconectados: novas abordagens, novos públicos.
Um
museu é, na definição do ICOM (2001), "uma instituição permanente, sem
fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao
público e que adquire, conserva, investiga, difunde e expõe os testemunhos
materiais do homem, para educação e deleite da sociedade".
A
palavra “museu” tem origem etimológica no grego antigo mouseion. Apesar de a arqueologia revelar que desde os seus primórdios
a Humanidade adquiriu o hábito do colecionismo (por exemplo, no Paleolítico os
homens primitivos já reuniam vários tipos de artefactos, como o provam achados
em sepulturas), é somente a partir da Antiguidade que surgem espaços com um
sentido mais próximo do conceito moderno de museu quando, além de colecionar
objetos a que atribui valor, seja afetivo, cultural ou simplesmente material, o
homem começa a organizar museus enquanto sítios para exposição e preservação de
objetos com uma finalidade cultural e educativa.
Na
Grécia Antiga o mouseion era um templo das musas, divindades que presidiam à
poesia, música, oratória, história, tragédia, comédia, dança e astronomia.
Esses templos, bem como os de outras divindades, recebiam muitas oferendas em
objetos preciosos ou exóticos, que podiam ser exibidos ao público mediante o
pagamento de uma pequena taxa. Os romanos expunham coleções públicas nos
fóruns, jardins públicos, templos, teatros e termas. No oriente, onde o culto à
personalidade de reis e heróis era forte, reuniam-se objetos históricos com a
função de preservação da memória e dos feitos gloriosos desses personagens.
Durante
a Idade Média, também resultado das vicissitudes políticas e económicas deste
período, a noção de museu quase desapareceu, embora o colecionismo continuasse
vivo: por um lado, os acervos de preciosidades eram considerados património de
reserva que podia ser convertido em dinheiro em caso de necessidade, como para
financiamento de guerras; por outro, muitas coleções se formaram com objetos
ligados ao culto cristão, acumulando-se em catedrais e mosteiros quantidades de
relíquias de santos, manuscritos iluminados e alfaias litúrgicas em metais e
pedras preciosos.
No
Renascimento, com a recuperação dos ideais clássicos e a consolidação do
humanismo, ressurgiu o colecionismo privado de grandes banqueiros e
comerciantes, integrantes da burguesia em ascensão, que financiavam uma grande
produção de arte profana e ornamental e se dedicavam à procura de relíquias da
Antiguidade. Reis, nobres e burgueses abastados de toda a Europa competiam, como mecenas, na
propaganda das suas coleções que se tornaram célebres pela sua riqueza, como a
dos Medici, em Florença.
Palácio Medici, Florença
Palácio Medici
É também durante o Renascimento que aparecem os “gabinetes de curiosidades”, ou “salas das maravilhas”, como eram designados os lugares onde, durante a época das grandes explorações e descobrimentos dos séculos XVI e XVII, se colecionava uma multiplicidade de objetos raros ou estranhos dos três ramos da biologia considerados na época, animal, vegetal e mineral, além das realizações humanas. Formavam assim coleções muito heterogéneas e assistemáticas de peças das mais variadas naturezas e procedências, incluindo fósseis, esqueletos, animais empalhados, minerais, curiosidades, aberrações da natureza, miniaturas, objetos exóticos de países distantes, obras de arte, máquinas e inventos, e todo o tipo de objetos raros e maravilhosos. Por isto são considerados os precursores dos atuais museus de arte.
A primeira ilustração de um gabinete
de curiosidades,
publicada por Ferrante Imperato em Dell'Historia Naturale, Nápoles, 1599
publicada por Ferrante Imperato em Dell'Historia Naturale, Nápoles, 1599
Um
exemplo de um rei-colecionador é Rodolfo
II (Viena, 18 de julho de 1552 – Praga, 20 de janeiro de 1612), Imperador
Romano-Germânico desde 1575 até à sua morte, além de Arquiduque da Áustria e
Rei da Hungria, Croácia e Boémia. Era filho do imperador Maximiliano II e da
arquiduquesa Maria da Áustria e foi um dos mais excêntricos monarcas europeus
de todos os tempos. Colecionava anões e possuía um regimento de gigantes no seu
exército. Rodeava-se de astrólogos, orientava-se pelas ciências ocultas e era fascinado
por jogos, códigos e música. Defensor da alquimia, Rodolfo II financiou a
impressão de literatura alquimista. Além disso, o seu gosto pelo exótico fez deste
Imperador um dos principais protetores e mecenas de Giuseppe Arcimboldo, pintor
italiano (1526-1593), considerado por alguns críticos de arte como um dos precursores
ou inspiradores do surrealismo, umas das vanguardas europeias do
século XX. Uma das principais obras do artista é justamente o retrato de Rodolfo
II como o deus romano Vertumnus,
pintado provavelmente entre 1590 e 1591 e feito com vários tipos de frutas,
legumes, cereais e outros vegetais.
Vertumnus
Giuseppe Arcimboldo (1590–1591)
Outro
exemplo de um colecionador particular é o médico e antiquário dinamarquês Olaus
Wormius, ou Ole Worm (Aarhus, 13 de
maio de 1588 – Copenhaga, 31 de agosto de 1654).
Ole
Worm foi de alguma forma um "estudante perpétuo": depois de estudar
na escola em Aarhus, continuou a sua educação na Universidade de Marburg; recebeu o título de Doutor em Medicina pela Universidade de Basileia, em
1611, e o título de Mestre em Artes pela Universidade de Copenhaga, em 1617. O
resto de sua carreira académica foi feito em Copenhaga, onde aprendeu latim,
grego, medicina e física. Foi o médico pessoal do rei Cristiano V da Dinamarca.
Na
medicina, as principais contribuições de Worm aconteceram na área da
embriologia. Os ossos de Worm
(pequenos ossos que cobrem os espaços no crânio) receberam o seu nome em honra do
seu contributo para esta área.
Worm
tornou-se também conhecido como colecionador de literatura primitiva em idiomas
escandinavos. Escreveu vários tratados sobre runas e colecionou textos escritos
em alfabetos rúnicos.
Como
naturalista, Worm reuniu uma grande coleção no seu "Gabinete de
curiosidades", que incluía desde artefatos nativos do Novo Mundo a animais
dissecados ou fósseis. Em 1655, já depois da sua morte, é publicado o catálogo
do seu Museum Wormianum.
A principal utilidade
das coleções de história natural de Worm era a pedagogia.
Frontispício do livro Musei Wormiani Historia
que mostra o quarto das maravilhas de Worm
que mostra o quarto das maravilhas de Worm
No
entanto, quer os Gabinetes de Curiosidades, quer as galerias privadas de reis,
nobres ou burgueses estavam ainda essencialmente dentro dos círculos privados,
inacessíveis à população em geral.
Movidas
por interesses científicos foram fundadas inúmeras sociedades e instituições,
como os jardins botânicos de Pisa (1543) e o de Pádua (1545), a Real Sociedade
de Londres (1660) e a Academia de Ciências de Paris (1666), que reuniam as suas
próprias coleções.
É durante o século XVII que o museu se consolidou mais ou menos como
atualmente o conhecemos.
Em
1671, surgiu em Basileia o primeiro museu universitário e, em 1683, é criado em Inglaterra, pela Universidade de Oxford, aquele que é considerado o primeiro museu moderno com o objetivo
declarado de educar o público, o Museu
Ashmolean. O seu acervo era eclético e
assemelhava-se aos antigos gabinetes de curiosidades, procedente de várias
partes do mundo, reunido pela família Tradescant e previamente exibido na sua
casa de Londres.
Museu Ashmolean, Oxford
No
século XVIII, o espírito enciclopédico dos iluministas fortaleceu a associação
do conhecimento com a razão, a ordem e a moral, favorecendo a formação de
acervos sistemáticos e a atuação de instituições culturais com objetivos
educativos e públicos.
Importantes
museus fundados no século XVIII foram o Museu
Britânico, aberto em Londres em 1759, e o Museu do Louvre, em Paris, em 1793, por iniciativa dos respetivos
governos.
Museu Britânico, Londres
Museu do Louvre, Paris
O
exemplo europeu, por força do colonialismo, frutificou também em territórios
do Oriente e na América. Em Jacarta, a Sociedade de Artes e Ciência de Batavia
iniciou uma coleção em 1778, que evoluiu para se tornar o Museu Nacional da Indonésia.
Na Índia, em 1784 é fundado o primeiro museu, o Museu Indiano, a partir das coleções reunidas pela Sociedade Asiática de Bengal.
Nos Estados Unidos, a Charleston Library Society da Carolina do Sul
anunciou em 1773 a sua intenção de formar uma coleção de produtos naturais para
fomentar e promover a agricultura e a medicina da província.
Museu Nacional da Indonésia, Jacarta
Na Índia, em 1784 é fundado o primeiro museu, o Museu Indiano, a partir das coleções reunidas pela Sociedade Asiática de Bengal.
Museu Indiano (ou Museu da Índia), Chowringhee
- Kolkata, West Bengal
Charleston Library Society, Charleston, Carolina do Sul
Entretanto,
os Gabinetes de Curiosidades vão desaparecendo durante os séculos XVIII e XIX,
sendo substituídos por instituições oficiais e coleções privadas. Os objetos
considerados mais interessantes foram transferidos para os museus de artes e de
história natural que começaram a ser fundados.
No
século XIX, o museu continuou a sua transformação, expandindo os seus
horizontes para incluir novas categorias e temas, e progressivamente
abandonando o simples colecionismo para oferecer a exibição e catalogação
rigorosamente sistemáticas, possibilitando ao público percorrer roteiros que apresentavam
panoramas de toda a história e cultura da humanidade, reservando secções para
apresentação das mais recentes conquistas da ciência e tecnologia.
O
museu também desempenhou um papel no sentimento nacionalista romântico, contribuindo
para a consciencialização popular e a construção de identidades nacionais, reunindo
objetos ligados ao património cultural das nações, também como forma de legitimar os seu direito à independência. Pelos mesmos motivos aparece
uma profusão de museus regionais e locais, voltados para os interesses de
pequenas áreas geográficas.
Até
meados do século XX, as práticas colecionistas continuaram a caracterizar-se
acima de tudo por uma postura passiva diante da sociedade, seguindo critérios
aquisitivos e administrativos vagos e que alguns críticos consideram arbitrários.
A partir dos anos 70, assistiu-se a um aprofundamento científico da definição e
das potencialidades dos museus enquanto recurso de atuação ativa,
interdisciplinar e educativa, sendo lícito considerar esta reorientação como
uma verdadeira revolução na conceção do museu público e como a fundação da
museologia moderna.
No
século XXI, os museus, enquanto espaço e enquanto conceito, têm de acompanhar e
refletir as transformações sociodemográficas e tecnológicas. O tema para as
comemorações do Dia Internacional dos Museus em 2018, Museus hiperconectados: novas
abordagens, novos públicos, reflete isso mesmo.
No
sítio da Direção Geral do Património Cultural, Ministério da Cultura de
Portugal, podemos ler
“Os museus, enquanto
parte integrante das suas comunidades, não podem alhear-se da rede global de
conexões que caracteriza a sociedade contemporânea, quer no que respeita ao
modo de interpretar e apresentar os seus acervos, quer no que se refere aos
meios utilizados para cativar novos públicos. A digitalização das coleções, a
presença de elementos multimédia nas exposições ou o hashtag são apenas alguns dos recursos proporcionados pelas novas
tecnologias.
No entanto, a
hiperconectividade dos museus deve ser também entendida no sentido de estes
alcançarem uma aproximação mais abrangente aos vários setores da sociedade,
cada vez mais sujeita a transformações, nomeadamente com o aparecimento de
novas minorias, grupos étnicos ou instituições locais.”
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