As
irmãs Brontë, pintadas pelo irmão Branwell, em 1834.
Da esquerda para a direita:
Anne, Emily e Charlotte (entre elas há a sombra de Branwell).
As
irmãs Charlotte (1816-1855), Emily (1818-1848) e Anne (1820-1849) Brontë, filhas de Patrick Brontë (1777-1861) e Maria Branwell
(1783-1821), nasceram no início do século XIX, com dois anos de intervalo entre
si, e ficaram conhecidas como romancistas e poetisas, tendo publicado as suas
obras em datas próximas e, como era comum na época, sob pseudónimos masculinos,
cujas iniciais são as das respetivas autoras (Currer Bell, Ellis Bell e Acton
Bell).
Em
2016, 2018 e 2020 celebram-se, respetivamente, os bicentenários dos nascimentos
das três escritoras. A Biblioteca Nacional de Portugal, em parceria com o Centre
for English, Translation and Anglo-Portuguese Studies, assinala estas efemérides
através de uma mostra bibliográfica que decorre entre setembro e novembro de
2018, sob o título Irmãs Brontë: 200
anos.
Filhas
de um pastor anglicano de origem irlandesa, as irmãs Brontë viveram a maior
parte da infância e juventude em Haworth Parsonage, uma pequena reitoria perto
do cemitério de uma aldeia fria e ventosa nas colinas de Yorkshire, onde o pai
foi nomeado coadjutor perpétuo na Igreja de São Miguel e Todos os Anjos,em 1820.
A casa da família Brontë, a casa
paroquial de Haworth em Yorkshire, atualmente o Brontë Parsonage Museum,
visitado anualmente por milhares de pessoas todos os anos.
Patrick
Brontë e Maria Branwell tiveram 6 filhos:
Maria, a filha mais velha, nasceu na
Clough House, em High Town, no dia 4 de abril de 1814, e morreu em Haworth com
11 anos de idade, em 6 de maio de 1825.
Elizabeth, a segunda filha, nasceu em 1815 e morreu com 10 anos de idade, em 15 de junho de 1825.
Charlotte nasceu em Thornton, perto de
Bradford, no dia 21 de abril de 1816. Autora do romance Jane Eyre, a sua obra mais conhecida, e de três outros romances, morreu
em 31 de março de 1855, pouco antes do seu 39º aniversário.
Patrick Branwell nasceu em Thornton no dia 26 de
junho de 1817. Único rapaz, conhecido como Branwell, era pintor e escritor e
raramente trabalhava. Alcoólico e viciado em láudano, morreu em Haworth, no dia
24 de setembro de 1848, aos 31 anos.
Emily Jane, nasceu em Thorton no dia 30
de julho de 1818, e morreu em Haworth, no dia 19 de dezembro de 1848, aos 30
anos. Só conseguiu completar um romance em vida: Wuthering Heights.
Anne, nascida em Thorton no dia 17 de
janeiro de 1820, foi poetisa e escritora. Escreveu os
romances Agnes Grey e The Tenant of Wildfell Hall. Morreu em Scarborough, no dia 28 de
maio de 1849, aos 29 anos.
A
morte prematura da mãe e das duas irmãs mais velhas afetou profundamente a
família e influenciou a sua educação, assim como contribuiu para o isolamento
relativo em que cresceram Charlotte, Emily, Anne e o irmão Branwell.
As
três irmãs e Branwell eram bastante próximos e na infância começaram
a desenvolver a imaginação através das histórias que ouviam da empregada, Tabitha
Ackroyd, e da criação de mundos imaginários que, mais tarde, desenvolveram na
escrita. A grande biblioteca do seu pai era uma fonte de conhecimento. Os
irmãos leram a Bíblia, Homero, Virgílio, Shakespeare, Milton, Byron, Scott. Charlotte
e Branwell começaram a escrever histórias byronianas sobre um país que tinham
inventado chamado Angria, ao mesmo tempo que Emily e Anne começaram a escrever
artigos e poemas sobre Gondal, o país que também tinham inventado.
No
início, estas histórias eram escritas em livros minúsculos do tamanho de uma
caixa de fósforos (3,8 x 6,4 cm) e as suas páginas eram cuidadosamente unidas
com fio. Para além de escrita, os pequenos livros continham ilustrações, mapas
detalhados, esquemas, paisagens e plantas de edifícios. A complexidade das
histórias foi evoluindo à medida que a imaginação das crianças se foi
desenvolvendo, alimentada também pela leitura das revistas ou dos jornais que o seu
pai recebia.
Em
1846, é publicada a primeira obra das irmãs Brontë, uma coletânea de poemas assinados
por Currer, Ellis and Acton Bell, pseudónimo masculino que esconde as iniciais
das irmãs (Currer – Charlotte; Ellis – Emily; e Acton – Anne) e que utilizam
para ultrapassar o preconceito da época: uma carreira na literatura, mais
particularmente na poesia, era do domínio masculino e não era apropriada para
mulheres.
Capa da 1ª edição
O
livro foi um falhanço completo, vendendo apenas três cópias. Porém, isso não
desmotivou as irmãs, que continuaram a escrever e, um ano depois, em 1847, todas
tinham terminado um livro: Jane Eyre,
de Charlotte, foi o primeiro romance a ser publicado, seguido de Wuthering Heights, de Emily, e Agnes Grey, de Anne.
Em
1848, a família Brontë foi atingida pela tragédia. Num espaço de dez meses,
três dos quatro irmãos que tinham atingido a idade adulta, faleceram.
O
primeiro a morrer foi Branwell, em 24 de setembro de 1848, com 31 anos devido a
complicações da bronquite crónica que sofria, apesar de se acreditar que ele
poderia ter tuberculose. A família sofreu de tosse e constipações durante esse
inverno de 1848 e Emily ficou gravemente doente. A 19 de dezembro Emily faleceu
com 30 anos. Na época de Natal, Anne apanhou gripe. Nos inícios de janeiro de
1949, o médico chegou a um diagnóstico de tuberculose, num estado bastante
avançado. Anne faleceu no dia 28 de maio de 1849.
Em Junho de 1854, Charlotte
casou-se com Arthur Bell Nicholls, o coadjutor do pai. Ficou grávida pouco
depois do casamento e a sua saúde começou a piorar rapidamente durante esta
altura. Segundo Gaskell, a sua primeira biógrafa, Charlotte sofria de
"náuseas permanentes e desmaiava frequentemente." Rejeitando
tratamento, Charlotte morreu, juntamente com o filho que esperava, no dia 31 de
Março de 1855, com trinta e oito anos de idade. A sua certidão de óbito diz que
a causa de morte foi tuberculose, mas muitos biógrafos defendem que a escritora
pode ter morrido de desidratação e subnutrição provocados pelos vómitos
excessivos de que sofria. Também existem provas de que Charlotte pode ter
morrido de febre tifóide que teria contraído com Tabitha Ackroyd, a criada mais
antiga da família, que morreu pouco tempo antes dela. Charlotte foi enterrada
na campa da família no cemitério da Igreja de São Miguel e Todos os Anjos em
Haworth, West Yorkshire, Inglaterra.
Charlotte Brontë
Pintura de George Richmond
Jane Eyre
Jane Eyre é a autobiografia ficcional da
personagem principal. O
livro retrata a emancipação da mulher e de seu espírito, ideias contrárias, na
cabeça de Charlotte, aos livros de Jane Austen onde, segundo Brontë, as
mulheres não eram aptas para trabalhar, devendo casar-se para garantir a sua
sobrevivência. Neste livro, Charlotte Brontë, através de Jane Eyre, prova que
as mulheres eram perfeitamente capazes de trabalhar e de ter uma vida,
independentemente de se casarem ou não.
Jane,
órfã de pai e mãe, vive infeliz na casa de uma tia que a detesta. Após um
confronto entre as duas, Jane é enviada para uma escola, onde conhece os
primeiros momentos de felicidade. Após seis anos como aluna e mais dois como
professora, decide procurar uma nova posição. Encontra-a em Thornfield Hall,
como preceptora da jovem Adèle, a pupila de Edward Rochester.
Quando
conhece Rochester, ambos se apaixonam. Ele propõe-lhe casamento e ela aceita.
Contudo, no dia do casamento, Jane descobre que Rochester já era casado, com
uma mulher chamada Bertha, que conhecera na Jamaica e que entretanto
enlouquecera. Para que ninguém soubesse, ele a mantinha escondida no sótão de
Thornfield Hall. Perante isto, Jane decide fugir. Após alguns dias de fome, é
recolhida por St John Rivers e pelas suas irmãs. Mais tarde, vem a descobrir
que não só herdou dinheiro de um tio, como os seus anfitriões são na realidade
também seus primos diretos (algo que todos desconheciam) e, decidida a
recompensá-los, divide a herança com estes. St John Rivers decide partir como
missionário e levar a prima consigo, como esposa. Jane hesita e resolve descobrir
o que se passara com Rochester (pois havia um ano que fugira de sua casa),
antes de dar uma resposta ao primo.
Vem
a encontrá-lo cego e ao cuidado de dois criados fiéis, pois Thornfield Hall
ardera num incêndio provocado por Bertha, e ele perdera a vista e uma das mãos
ao tentar salvar todos que lá viviam. Bertha morre ao airar-se de cima da casa
que está em chamas, e assim Jane decide assim casar finalmente com Rochester,
que recupera a visão quando reencontra Jane, um ano depois do incidente, e após
a morte da mulher.
Emily Brontë
Pintura de Branwell
Wuthering Heights
Wuthering Heights (traduzido para português como O Morro dos Ventos Uivantes, O Monte dos Vendavais ou ainda Colina dos Vendavais), lançado em 1847,
foi o único romance de Emily Brontë. Hoje considerado um clássico da literatura
inglesa, recebeu fortes críticas no século XIX.
O
locatário da propriedade de Granja da Cruz dos Tordos, localizada em Gimmerton,
Yorkshire, fica adoentado. Durante este período, a governanta Ellen Dean conta-lhe
a história que presenciou da propriedade do Morro dos Ventos Uivantes.
No
início da trama, o patriarca da família Earnshaw faz uma viagem e, ao retornar,
traz consigo um pequeno órfão, que todos acham ser um cigano (a sua
procedência, contudo, nunca é revelada ao longo da narrativa). O órfão recebe o
nome de Heathcliff. Rapidamente, toda a afeição que o patriarca lhe demonstra provoca
ciúmes no seu filho legítimo, Hindley, enquanto, Catherine, a irmã de Hindley,
se afeiçoa a Heathcliff.
Quando
os pais morrem, Hindley sujeita Heathcliff a várias humilhações. Este passa a
ficar bruto e melancólico. Apesar do amor entre ele e Catherine, ela decide
casar-se com Edgar Linton, por esse ter melhores condições de sustentá-la que
Heathcliff.
Heathcliff
parte do Morro dos Ventos Uivantes e, ao voltar, está rico, chamando a atenção
de Catherine e despertando ciúmes em Edgar. Catherine e Edgar têm uma filha,
Cathy, mas Catherine morre logo depois de dar à luz. Heathcliff fica destruído
e decide vingar-se de Edgar e de Hindley. Para fazê-lo, primeiro, casa-se com
Isabella, irmã de Edgar. Com o tempo, Isabella lamenta ter-se casado com
Heathcliff e, descobrindo-se grávida, decide abandoná-lo. Enquanto está longe,
tem um filho, Linton. Hindley cai no vício do jogo e da bebida e perde todos os
seus bens para Heathcliff. Hareton, filho de Hindley, consequentemente, fica
sem herança. Apesar disso, ele considera Heathcliff uma pessoa de alta moral,
não permitindo que se fale mal dele. Antes da morte de Edgar, Heathcliff casa Linton
e Cathy. Esta descobre-se sem bens quando Linton morre e Heathcliff apresenta
um testamento onde o filho lhe passava tudo que possuía. Heathcliff acaba por morrer
sozinho, louco e só. Como último desejo, é enterrado junto com Catherine, o seu
grande amor. Deste então, muitos juram ver sempre um casal vagando pelas
charnecas do Monte dos Ventos Uivantes.
The
Wuthering Heights teve várias adaptações para a televisão e para o cinema,
a mais antiga das quais foi
filmada na Inglaterra, em 1920, e dirigida por A. V. Bramble. A mais famosa
filmagem é a de 1939, com Laurence Olivier e Merle Oberon como protagonistas,
sob a direção de William Wyler. Esta adaptação elimina a segunda geração da
história (jovem Cathy, Linton e Hareton).
Em
1954 o realizador espanhol Luis Buñuel apesenta uma das adaptações mais interessantes
da história, com Heathcliff e Cathy renomeados como Alejandro e Catalina.
A versão
de 1992, do realizador Peter Kosminsky, conta com Ralph Fiennes e Juliette
Binoche nos papéis principais e banda sonora de Ryuichi Sakamoto.
Na
música, o romance de Emily Brontë esteve na origem do álbum Wind and Wuthering, do grupo musical
Genesis. Também inspirou uma canção de sucesso, "Wuthering Heights",
composta e interpretada por Kate Bush para o álbum The Kick Inside, de 1978, e
posteriormente regravada pela banda Angra, no álbum Angels Cry, de 1993.
Anne Brontë
Pintura de Branwell
Agnes Grey
Agnes Grey é um retrato gritante do
isolamento, estagnação intelectual e apatia emocional que rodeava muitas das
governantas de meados do século XIX.
Um romance escrito num tom
muito intimista, a partir da experiência da própria autora, afirmou-se como um
marco da literatura que lida com a evolução social e moral da sociedade inglesa
da era vitoriana. Narrado na primeira pessoa, sob a perspetiva de Agnes, o
livro conta de forma crítica a história de uma aprendiza de preceptora,
mostrando os bastidores do ensino de crianças de famílias aristocratas. A
história aborda ainda o dilema educação versus
caráter e compara a burguesia com a classe mais humilde, como a família Grey.
The Tenant of Wildfell Hall
Capa da 1ª edição
O segundo e último romance de Anne Brontë, The Tenant
of Wildfell Hall, considerado um dos primeiros romances feministas, foi
publicado em 1848 e um sucesso fenomenal, tendo esgotado em apenas seis
semanas.
The Tenant of Wildfell Hall pode ser considerado um dos
romances mais chocantes da Era Vitoriana, não só pelo retrato que faz do
alcoolismo e da depravação (que feriram profundamente as susceptibilidades da
sociedade de meados do século XIX), mas também pela caracterização da sua
personagem principal, Helen Graham, que desafiou as estruturas sociais e legais
da Inglaterra vitoriana. A heroína do romance de Anne deixa o marido para
proteger o filho da sua influência e sustenta-se a si e ao filho ao trabalhar
como pintora enquanto vive escondida e com medo de ser descoberta. Ao fazê-lo,
a personagem estava a desafiar mais do que convenções sociais: estava a
desafiar a lei inglesa. Até 1870, uma mulher casada não tinha uma existência
independente legalmente reconhecida: não podia ter propriedades em seu nome,
pedir o divórcio ou conseguir a custódia dos filhos. Se uma mulher tentasse
viver sozinha, o seu marido tinha o direito de a reclamar como sua propriedade
e, se tentasse levar os seus filhos consigo, podia ser acusada de rapto. Se uma
mulher vivesse sozinha e com os seus próprios rendimentos, podia ser acusada de
roubar o seu marido uma vez que qualquer rendimento era legalmente dele.
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