Albert
Camus foi um escritor, filósofo, romancista, dramaturgo, jornalista e ensaísta
francês, a quem foi atribuído o Prémio Nobel da Literatura em 1957.
Nasceu
na Argélia, a 7 de novembro de 1913, numa localidade chamada Mondovi (hoje
denominada Dréan), durante a ocupação francesa, numa família pied-noir, termo usado para referir os
cidadãos franceses, ou de ascendência europeia, que viveram por várias gerações
no Norte da África francês, nomeadamente na Argélia francesa, no Protetorado
Francês de Marrocos ou no Protetorado Francês da Tunísia, e que
"regressaram" a França quando estes territórios se tornaram
independentes, entre 1956 e 1962. Camus morreu em Villeblevin, França, a 4 de
janeiro de 1960, vítima de um acidente de automóvel.
A
morte do pai em 1914, na batalha do Marne, durante a Primeira Guerra Mundial, e
a mudança da família para Argel, para casa da avó materna, no bairro operário
de Belcourt (onde, anos mais tarde, durante a guerra da independência da
Argélia, houve um massacre de muçulmanos) influenciaram a sua vida e a sua
obra. No entanto, apesar de uma infância extremamente pobre, ela é também marcada
por uma felicidade ligada à natureza, que Camus narra um pouco por toda a sua
obra.
Devido
às dificuldades económicas da família, Albert Camus quase abandonou os estudos
ainda na escola primária para trabalhar com o tio numa oficina de tanoeiro. No
entanto, o apoio do professor da escola primária, Louis Germain, que viu
naquele pequeno pied-noir um futuro
promissor, e de um professor da escola secundária, Jean Grenier, foi
fundamental para que Camus seguisse os estudos e se licenciasse em Filosofia,
apresentando ainda uma dissertação de mestrado sobre neoplatonismo e uma tese
de doutoramento sobre Santo Agostinho. Será a Germain que Camus dedicará a obra
Discursos da Suécia (que inclui o
discurso que pronunciou ao receber o Nobel), enquanto O Homem Revoltado (1951) é dedicado a Grenier.
Os
críticos consideram que Camus incorporou uma das mais elevadas consciências
morais do século XX. O humanismo que perpassa nos seus escritos foi
fundamentado na experiência de alguns dos piores momentos da história: Camus
foi sobretudo uma testemunha do seu tempo. Intransigente, recusou qualquer
filiação ideológica. Lutou energicamente contra todas as ideologias e
abstrações que considerava deturpadoras a natureza humana.
O
seu trabalho inclui peças de teatro, romances, notícias, filmes, poemas e
ensaios, onde desenvolveu um humanismo baseado na consciência do absurdo da
condição humana e na revolta como uma resposta a esse absurdo. Para Camus, essa
revolta leva à ação e fornece sentido ao mundo e à existência. Daqui
"Nasce então a estranha alegria que nos ajuda a viver e a morrer".
Em
1938, Camus ajudou a fundar o jornal Alger
Républicain e colaborou nos jornais Combat e Paris-Soir.
A
carreira de Camus como jornalista foi ousada: trabalhou com a Resistência
Francesa durante a II Guerra Mundial, tomou posições incisivas em relação à
Guerra de Independência da Argélia e ao Partido Comunista Francês e envolveu-se
em diversas causas sociais, protestando veementemente contra as desigualdades
que atingiam os muçulmanos no Norte de África, defendendo os exilados espanhóis
antifascistas e as vítimas do estalinismo. Foi ainda defensor
da objeção de consciência.
Camus
morreu em janeiro de 1960, vítima de um acidente de automóvel, durante uma
viagem a Paris com o seu editor Michel Gallimard. Cinquenta anos depois da sua
morte, revelações do escritor e tradutor checo Jan Zabrana, incluídas no seu
diário publicado postumamente, sugerem a possibilidade de Camus ter sido assassinado, por ordem do Ministro dos Negócios Estrangeiros da URSS,
Dmitri Shepilov, em retaliação à oposição aberta que o escritor fazia a Moscovo
- particularmente num artigo publicado na revista Franc-Tireur, de março de 1957, em que atacava pessoalmente o
ministro, responsabilizando-o pelo que chamou "massacre", durante
a repressão soviética à Revolução Húngara de 1956. Citando Walt Whitman, Camus
afirmara "sem liberdade, nada pode existir", granjeando assim a
inimizade de estalinistas e de simpatizantes do comunismo.
Quando
morreu, Camus tinha já cerca de 30 obras publicadas, entre romances, contos,
ensaios, peças de teatro, crónicas e correspondência. Em 1994, a sua filha publica
Le Premier Homme (O primeiro homem), romance inacabado
cujo manuscrito foi descoberto nos destroços do acidente de automóvel que
vitimou Albert Camus.
Considerado
o mais autobiográfico de todos os seus romances, em O primeiro homem Camus volta ao começo de tudo
neste romance: a chegada dos pais a Argel, a infância e a adolescência marcadas
pela pobreza, a dolorosa ausência do pai que nunca conheceu e a sua condição de
“francês colonial” nascido na Argélia Francesa. É a história de Jacques
Cormery, um rapaz que vive uma vida sem igual, e convoca o panorama, os sons e
as texturas de uma infância circunscrita pela pobreza e pela morte de um pai,
mas redimida pela beleza austera de Argel, pelo amor que Jacques tem à mãe e à
avó, e por um professor que transformará a sua visão do mundo. O título, O primeiro homem, sugere a busca de uma
identidade ligada à busca do pai desaparecido.
O Estrangeiro
Considerado
o mais famoso romance de Albert Camus, romance estranho, desconcertante sob uma
aparência de singeleza estilística, em O
Estrangeiro joga-se o destino de um homem perante o absurdo e questiona-se
o sentido da existência. Esta obra, publicada em 1942, faz parte do "ciclo do absurdo" de
Camus, trilogia que inclui o ensaio Le
mythe de Sisyphe (O mito de Sísifo)
e a peça de teatro Calígula que
descrevem o aspeto fundamental da filosofia de Camus: o absurdo.
“Hoje a mãe morreu. Ou talvez ontem,
não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: «Sua mãe falecida. Enterro amanhã. Sinceros sentimentos.»
Isto não quer dizer nada. Talvez tenha sido ontem.”
O
romance conta a história de um narrador personagem, Meursault, um homem que comete
um assassinato e é julgado por esse ato. A ação desenrola-se na Argélia num
tempo anterior à independência. A narrativa começa quando o protagonista, Mersault,
recebe um telegrama a comunicar-lhe a morte da mãe, que seria enterrada no dia
seguinte. Ele viaja até ao asilo onde a mãe morava e comparece ao funeral, sem,
no entanto, expressar quaisquer emoções, não sendo praticamente afetado pelo
acontecimento. O romance prossegue, documentando os acontecimentos seguintes na
vida de Meursault, como a relação de amizade com um dos seus vizinhos, Raymond
Sintès, a quem ajuda a livrar-se de uma de suas amantes árabes. Mais tarde, os
dois confrontam-se com o irmão da mulher ("o árabe") numa praia e
Raymond sai ferido de uma luta com facas. Depois disso, Meursault volta
à praia e, num delírio induzido pelo calor e pela luz forte do sol (“o mesmo sol do dia em que minha mãe fora a
enterrar”), dispara o revólver sobre o árabe causando a sua morte, dando mais quatro tiros sobre o corpo já morto.
“Compreendi que destruíra o
equilíbrio do dia, o silêncio excecional de uma praia onde havia sido feliz. Voltei
então a disparar mais quatro vezes sobre um corpo inerte, onde as balas se
enterravam sem se dar por isso. E era como se batesse quatro breves pancadas à
porta da desgraça.”
A segunda
parte do romance narra todo o julgamento de Meursault, durante o qual a
acusação se concentra no facto de Meursault não ter conseguido ou não ter tido vontade
de chorar no funeral da mãe. O
homicídio do árabe é aparentemente menos importante do que o facto de Meursault
ser ou não capaz de sentir remorsos; o argumento é que, se ele é incapaz de
sentir remorsos, deve ser considerado um misantropo perigoso e consequentemente
executado para prevenir que repita os seus crimes, transformando-o também num
exemplo.
A
história chega ao fim com Meursault reconhecendo a indiferença do universo em
relação à humanidade. Nas linhas finais ecoa essa ideia que ele agora toma como
verdadeira:
“Como se esta grande cólera me tivesse
limpo do mal, esvaziado de esperança, diante desta noite carregada de sinais e
estrelas, eu abria-me, pela primeira vez, à terna indiferença do Mundo. Por o
sentir tão parecido comigo, tão fraternal, senti que fora feliz e que ainda o
era. Para que tudo ficasse consumado, para que me sentisse menos só, faltava-me
desejar que houvesse muito público no dia da minha execução, e que os
espectadores me recebessem com gritos de ódio.”
A Peste
A Peste
"Na manhã do dia 16 de abril, o doutor Bernard Rieux saiu do seu consultório e tropeça num rato morto, no meio do patamar. Nesse momento, afastou o bicho sem lhe prestar atenção e desceu a escada."
Este é o primeiro sinal de uma epidemia de peste que em breve toma conta de toda a cidade de Orão, na Argélia. Sujeita a quarentena, a cidade torna-se um território irrespirável e os seus habitantes são conduzidos até estados de sofrimento, de loucura, mas também de compaixão de proporções desmedidas…
Publicado originalmente em 1947, o romance A Peste é uma história sobre o horror, a sobrevivência e a capacidade de resiliência do ser humano, uma parábola de ressonância intemporal, um romance magistralmente construído. A Peste foi interpretado por vários críticos como uma alegoria ao nazismo e, por extensão, a todos os regimes totalitários. O próprio autor admitia que o conteúdo evidente era a resistência a Hitler. Não bastasse ter sido escrito durante a Segunda Guerra Mundial e publicado em 1947, o livro contém alusões à Ocupação ou a ditaduras, como o decreto do estado de sítio na região onde se passa a história ou o facto de um dos personagens, o jornalista Raymond Rambert, ser proibido de sair da cidade, um sinal da limitação da liberdade de imprensa.
“[…] o doutor Rieux decidiu então redigir esta narrativa […], para não ser daqueles que se calam, para depor a favor destes pestíferos, para deixar ao menos uma recordação da injustiça e da violência que lhes tinham sido feitas e para dizer simplesmente o que se aprende no meio dos flagelos: que há nos homens mais coisas a admirar do que a desprezar. […] Porque ele sabia o que esta multidão eufórica ignorava e se pode ler nos livros: o bacilo da peste não morre nem desaparece nunca, pode ficar dezenas de anos adormecido nos móveis e na roupa, espera pacientemente nos quartos, nas caves, nas malas, nos lenços e na papelada. E sabia que viria talvez o dia em que, para desgraça e ensinamento dos homens, a peste acordaria os seus ratos e os mandaria morrer numa cidade feliz.”
Outros livros de Albert Camus que podemos encontrar
na Biblioteca do ECB:
na Biblioteca do ECB:
Sem comentários:
Enviar um comentário