“Nada é absoluto em pintura. Aquilo
que era uma verdade para os pintores de ontem, é uma mentira para os de hoje.”
(em
entrevista a O Dia, 4 de dezembro de
1916)
Nascido
em Manhufe, paróquia de Mancelos, concelho de Amarante, em 14 de novembro de
1887, Amadeo de Souza-Cardoso foi um dos maiores pintores portugueses, a quem
se deve a grande rotura no panorama da história das artes plásticas no nosso
país. Entre 1906 e 1914 viveu em Paris, cidade onde começou a sua carreira de pintor e foi amigo de grandes nomes das vanguardas europeias. Com a sua irreverência, trouxe a modernidade para Portugal quando, em
1914, regressou de Paris para fugir ao drama da I Guerra Mundial. Morreu prematuramente, aos 30 anos, no dia 25 de outubro de 1918, vítima da epidemia de gripe espanhola (ou pneumónica) que deflagrara nesse ano.
A
vida de Amadeo, tão curta, mas tão intensa, acompanha as grandes transformações
que ocorrem entre finais do século XIX e inícios do século XX: dos ecos da
Revolução Industrial às invenções tecnológicas como a lâmpada elétrica incandescente,
o automóvel ou o telefone; dos novos conhecimentos científicos nas áreas das
ciências naturais ou da medicina à teoria da relatividade restrita de Einstein
ou à Psicanálise de Freud, é todo um mundo de possibilidades em aberto que se
apresentam e ao qual as artes plásticas não ficam indiferentes.
Contra
o ensino académico, naturalista e realista, defendendo a libertação da sujeição
ao real e a independência do artista face ao gosto do público, as vanguardas
modernistas vão-se afirmando, mesmo que nem sempre compreendidas e aceites. O
início do século XX será o tempo do Fauvismo, do Expressionismo, do Cubismo, do
Abstracionismo, do Futurismo, do Dadaísmo e do Surrealismo.
Em
Paris, para onde vai viver em 1906 para frequentar o curso de arquitetura
(depois de em Lisboa ter frequentado um curso de desenho na Real Academia de
Belas-Artes), Amadeo de Souza-Cardoso encontra-se com diversos artistas
portugueses que aí se tinham instalado, como os pintores Guilherme Santa-Rita (conhecido como Santa-Rita Pintor),
Manuel Bentes, Emerico Nunes, Eduardo Viana ou o escultor Diogo Macedo, desistindo
do curso de arquitetura para tentar a carreira de caricaturista ou artista
plástico. É também em Paris que conhece o casal Robert e Sonia Delaunay,
Constantin Brancusi e Amedeo Modigliani, entre outros artistas de vanguarda.
Em 1911, inaugura no seu ateliê de Paris uma exposição conjunta com Modigliani, recebendo as visitas de Picasso, Apollinaire e André Derain, e participa pela primeira vez numa exposição de âmbito internacional, o XXVII Salão dos Independentes de Munique.
Em 1911, inaugura no seu ateliê de Paris uma exposição conjunta com Modigliani, recebendo as visitas de Picasso, Apollinaire e André Derain, e participa pela primeira vez numa exposição de âmbito internacional, o XXVII Salão dos Independentes de Munique.
Os Galgos, 1911
Les cavaliers, 1912
1913
é um dos anos mais profícuos da sua carreira e é também o ano da sua
internacionalização. Convidado a apresentar a sua obra no Armory Show
(International Exhibition of Modern Art, que
mostraria pela primeira vez, nas cidades de Nova Iorque, Chicago e Boston, a moderna arte europeia nos Estados Unidos da América, com obras de artistas ligados ao impressionismo, expressionismo, fauvismo e cubismo), aí
participa entre fevereiro e maio com 8 quadros, sendo, entre os 300 artistas
representados, um dos 10 que mais obras venderam. Ainda no mesmo ano, entre
setembro e novembro, participa com 3 obras no Primeiro Salão Alemão de Outono.
Autorretrato, 1913
Autorretrato, 1913
Cozinha de Manhufe, 1913
Dame, menina dos cravos, 1913
Procissão
Corpus Christi, 1913
Barcos, 1913
Em 1914, entre junho e julho, expõe em Londres, no Salão da Allied Artist’s Association. Um mês depois, a Primeira Guerra Mundial apanha-o em Portugal, onde tinha vindo para se casar com Lucie Pecetto. Impossibilitados de regressar a Paris, instalam-se na Casa do Ribeiro, em Manhufe.
Lucie Pecetto
Sobreposição de imagens de Amadeo e Lucie. Manhufe (Amarante, Portugal). 1915.
Em
1915, o pintor russo Kasimir Malevitch “inventa” o Suprematismo, expondo as suas obras
na Primeira Exposição Futurista «Carro Elétrico V», em Sampetersburgo, das
quais a que mais impressiona o meio artístico é Quadrado Negro sobre Fundo Branco.
Kasimir Malevitch, Quadrado Negro sobre Fundo Branco
É com este pintor que Amadeo
de Souza-Cardoso se começa a identificar: ambos têm em comum o objetivo de
criar uma arte que seja universal. No entanto, nem
Malevitch esquece as suas raízes culturais russas, nem Amadeo se afasta das
suas próprias, mais atlânticas. A Máscara
do Olho Verde, de 1915, insere-se num conjunto de máscaras primitivas que
Amadeo vai buscar às suas referências lusitanas (as antigas máscaras de lata ou
madeira da tradição transmontana, nomeadamente os «caretos»), recriando de
forma pessoal a sua ideia de máscara, na qual podemos encontrar influências do
cubismo ou do expressionismo, mas sem ser uma coisa nem outra.
A Máscara do Olho Verde, 1915
A
I Guerra Mundial trouxe também para Portugal o casal Sonia e Robert Delaunay,
instalados em Vila do Conde no final do verão de 1915, acompanhados de Eduardo
Viana, igualmente regressado do Paris. Os Delaunay, Amadeo e Viana vão formar a
cooperativa Corporation Nouvelle (a que se juntará Almada Negreiros).
Robert Delaunay, Mulher Portuguesa, 1916
Sonia Delaunay, Mercado no Minho, 1915
Através de Almada,
Amadeo entra em contacto com o grupo dos “Futuristas” lisboetas, reunidos
inicialmente em torno da revista Orpheu, na qual estava previsto colaborar no número 3 (que nunca chegou a ser publicado), envolvendo-se mais tarde noutros projetos editoriais de Almada Negreiros, como a revista Portugal Futurista, publicando trabalhos ou encarregando-se da edição gráfica do folheto satírico,
estilo futurista K4. O quadrado azul, inspirado numa obra de Eduardo Viana.
Será Almada Negreiros que, em dezembro de 1916, publica um manifesto em defesa da pintura de Amadeo, considerando-o «a primeira descoberta de Portugal na Europa no século XX».
Em setembro de 1918, Amadeo de Souza-Cardoso vai para a casa da família em Espinho, numa tentativa de fugir à epidemia de gripe espanhola (pneumónica) que grassava na Europa e tinha já feito algumas mortes em Amarante.
No dia 25 de outubro de 1918, poucos dias depois de uma irmã, Amadeo morre em Espinho, vítima da pneumónica que tanto temia (no total, estima-se que cerca de 20 milhões de pessoas tenham sucumbido em toda a Europa).
Da obra de Amadeo de Souza-Cardoso pode dizer-se que:
Capa do folheto
Eduardo Viana, K4 Quadrado Azul, 1916
(fonte de inspiração de Almada para o folheto satírico com o mesmo nome)
Será Almada Negreiros que, em dezembro de 1916, publica um manifesto em defesa da pintura de Amadeo, considerando-o «a primeira descoberta de Portugal na Europa no século XX».
Canção popular A Russa
e o Fígaro, 1916
Coty, 1917
Sem título, 1917
No dia 25 de outubro de 1918, poucos dias depois de uma irmã, Amadeo morre em Espinho, vítima da pneumónica que tanto temia (no total, estima-se que cerca de 20 milhões de pessoas tenham sucumbido em toda a Europa).
Da obra de Amadeo de Souza-Cardoso pode dizer-se que:
- Pintou reinterpretando e reinventando a realidade;
- Geometrizou as formas, usou cores vibrantes, decompôs as imagens à maneira cubista, pintou círculos de cor, máscaras de influência etnográfica;
- Usou colagens, areia, pasta de óleo, inseriu letras;
- Estilhaçou e decompôs a imagem em múltiplas partes;
- Morreu demasiado cedo…
As mortes prematuras
de Mário de Sá-Carneiro, em 1916, e de Amadeo de Souza-Cardoso e Santa-Rita Pintor
em 1918 puseram fim a um primeiro modernismo em Portugal. Almada Negreiros dirá
que com eles desapareceu o “fogo sagrado”. Será o mesmo Almada que, juntamente
com Eduardo Viana, procurará continuar a herança.
No Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulkbenkian, em Lisboa, encontra-se a maior parte da obra de Amadeo de Souza-Cardoso exposta em Portugal .
Fontes bibliográficas:
Amadeo de Souza-Cardoso. Fotobiografia. Catálogo Raisonné. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 2007
Belém, Margarida Cunha e Ramalho, Margarida Magalhães - Fotobiografia de Amadeo de Souza-Cardoso. Lisboa: Temas e Debates. 2009
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