"Este romance [Gaibéus] não pretende ficar na literatura como obra de arte.
Quer ser, antes de tudo, um documentário humano fixado no Ribatejo.
Depois disso, será o que os outros entenderem."
Quer ser, antes de tudo, um documentário humano fixado no Ribatejo.
Depois disso, será o que os outros entenderem."
A
29 de dezembro de 1911, nasce em Vila Franca de Xira o romancista e dramaturgo
português Alves Redol.
Filho
de um pequeno comerciante ribatejano, desde muito novo conhece o mundo dos
jornaleiros que trabalhavam nas lezírias durante as mondas (os “gaibéus”) e dos
pescadores da sua região.
Sonhando
ser escritor e jornalista, começou a escrever aos 12 anos num dos jornais do
Colégio Arriaga, em Lisboa, onde frequentava o curso comercial. Com 14 anos, envia
os primeiros textos para um jornal de Vila Franca, apresentando as suas
impressões sobre as precárias condições de vida do homem rural, tema que o
acompanhará ao longo da sua obra. Aos 15 anos, após concluir o curso comercial,
começa a trabalhar como vendedor de mercearias e, mais tarde, de tecidos.
Em
1928, parte para Angola, onde desembarcou “com
50$00, uma garrafa de vinho do Porto na mão e a experiência de uma viagem com
emigrantes de 3ª classe e condenados por crimes na militança” (in Gaibéus, Breve memória, na edição de 1965). Arranja emprego como
empregado de escritório, complementando o salário curto com aulas numa escola
noturna. A pobreza e uma doença obrigam-no a regressar à Metrópole (“Quando voltei de Luanda, vinha mais para a
morte do que para a vida. Pagava a peita de três anos com uma anemia palustre,
regressando na mesma classe em que abalara. Fui sempre até aí passageiro de 3ª”
- in Gaibéus, op.cit.).
Em
Vila Franca de Xira, continua a colaborar no jornal de Vila Franca e participa
de forma ativa na vida social do concelho, mobilizando muita gente das classes
trabalhadoras para as atividades do Grémio Artístico Vilafranquense – onde, em
1934, realiza a sua primeira palestra sobre a colonização portuguesa em África,
“Terra de pretos, ambição de brancos”.
Também
na Associação de Classe dos Operários da Construção Civil Alves Redol dá aulas
de aperfeiçoamento profissional para os seus membros e na coletividade Sport
Lisboa e Vila Franca, que aponta para uma cultura das classes laboriosas, profere
e organiza aulas noturnas de alfabetização, conferências e palestras, atento e
identificado com o Povo (“O meu coração
colocara-se com veemência ao lado do povo”, in Gaibéus, op.cit.). A polícia política encerra esta coletividade,
por considerar que nela se tomava consciência das injustiças da sociedade.
Em
1932 publica a sua primeira novela, Drama
na Selva, n’ “O Notícias Ilustrado”, de Lisboa. Colabora também com o
jornal vilafranquense “Mensagem do Ribatejo” onde dirige, em 1939, uma página
literária.
Gaibéus, um dos seus primeiros romances (1939),
é considerado um dos textos literários fundadores do neorrealismo, corrente
artística surgida em meados do século XX com um caráter ideológico marcadamente
de esquerda/marxista, que teve ramificações em várias formas de arte
(literatura, pintura, música, cinema), tomando os seus autores posição na luta
de classes, denunciando as desigualdades sociais e o que consideram as
injustiças da condição operária e camponesa.
Em
Gaibéus, “um romance antiassunto, ou, melhor, anti-história, sem personagens
principais, […] o tema nasce no coletivo de um rancho de ceifeiros migradores […].
O trabalho produtivo, a exploração descarnada do homem pelo homem, tomados nos
seus aspetos mais crus, na lâmina viva do dia a dia, dominam o livro“ (in Gaibéus, op.cit.). Alves Redol assim
inicia o ciclo de ficção temática ribatejana de camponeses e pescadores da
borda d’água, continuado em romances como Marés,
Avieiros ou Fanga.
Alves
Redol sempre se envolveu na luta de resistência ao regime salazarista. Nos anos
trinta, insere-se na luta antifascista clandestina, mantendo a colaboração em
jornais de relevo na luta anti Estado Novo, como “O Diabo” ou “Sol Nascente”. Compreendia
a literatura como uma forma de intervenção social e trazia para o universo da
ficção personagens, temas e situações ignorados pela literatura, o que lhe
valeu alguns conflitos com a censura (é obrigado a submeter os originais a
censura prévia), a vigilância por parte da PIDE (esteve preso várias vezes),
bem como o ataque dos críticos e a aversão de algum público. Talvez por isso,
na epígrafe de Gaibéus, o próprio
Redol afirma "Este romance não
pretende ficar na literatura como obra de arte. Quer ser, antes de tudo, um
documentário humano fixado no Ribatejo. Depois disso, será o que os outros
entenderem".
Em
Novembro de 1945, entra para a Comissão Central do Movimento de Unidade
Democrática (M.U.D.), participando ativamente nas campanhas da oposição
democrática aquando da realização de “eleições” promovidas pelo regime (e
anunciadas pelo próprio Salazar como “livres como na livre Inglaterra”).
Escritor
de importância internacional, foi traduzido em várias línguas. Pelo romance Horizonte Cerrado, primeiro volume de
uma trilogia sobre os vinhateiros do Douro, recebe, em 1950, o Prémio Ricardo
Malheiros, atribuído pela Academia das Ciências de Lisboa.
Em
1961 publica o que é considerado pela crítica o seu melhor romance: Barranco de Cegos.
Alves
Redol também escreveu para a infância, como os livros da série Maria Flor, o romance A Vida Mágica da Sementinha ou Constantino, Guardador de Vacas e de Sonhos, que é considerado um
dos seus mais belos livros, tendo como protagonista Constantino, um pequeno
amigo que ele vê crescer no Freixial, e que, enquanto guarda as vacas, sonha em
ser serralheiro de navios e fazer um barco que o leve até Lisboa.
Alves
Redol morreu a 29 de Novembro de 1969, em Lisboa.
[fonte bibliográfica:
http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/EFEMERIDES/AlvesRedol/BiogARedol.pdf, biografia que “é a única que é
certificada pela família, não tendo os erros que muitas outras, mesmo da
responsabilidade de investigadores de mérito, têm”.]
Obras
(*) constam do catálogo da Biblioteca
do ECB
Romances
Gaibéus
(1939) (*)
Marés
(1941) (*)
Avieiros
(1942) (*)
Fanga
(1943)
Anúncio
(1945)
Porto
Manso (1946) (*)
Ciclo
Port-Wine:
Horizonte Cerrado (1949) (*)
Os Homens e as Sombras (1951) (*)
Vindima de Sangue (1953) (*)
Olhos
de Água (1954) (*)
A
Barca dos Sete Lemes (1958) (*)
Uma
Fenda na Muralha (1959) (*)
Cavalo
Espantado (1960) (*)
Barranco
de Cegos (1961) (*)
O
Muro Branco (1966) (*)
Os
Reinegros (1972) (*)
Teatro
Maria
Emília (1945)
Forja
(1948)
O
Destino Morreu de Repente (1967)
Fronteira
Fechada (1972) (*)
Contos
Nasci
Com Passaporte de Turista (1940)
Espólio
(1943)
Comboio
das Seis (1946)
Noite
Esquecida (1959)
Constantino,
Guardador de Vacas e de Sonhos (1962) (*)
Histórias
Afluentes (1963) (*)
Três
Contos de Dentes Para o Ofício 4001 (1968)
Literatura
infantil para quem gosta de imaginar que está dentro destas histórias
Vida
Mágica da Sementinha (1956) (*)
Ciclo
A Flor:
A Flor Vai Ver o Mar (1968)
A Flor Vai Pescar Num Bote (1968)
Uma Flor Chamada Maria (1969)
Maria Flor Abre o Livro das
Surpresas (1970)
Estudos
Glória:
Uma Aldeia do Ribatejo (1938)
A
França: Da Resistência à Renascença (1949)
Cancioneiro
do Ribatejo (1950)
Ribatejo
(Em Portugal Maravilhoso) (1952)
Romanceiro
Geral do Povo Português (1964)
Conferência
Le
Roman de Tage (Edição da Union Française Universitaire, Paris) (1946)
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