Considerado por alguns como um
género menor da literatura, o romance policial ganhou nos últimos anos um novo
fulgor e reconhecimento com a chamada “literatura policial nórdica”. Nomes como
os dos suecos Stieg Larsson, Henning Mankell, Camilla Läckberg ou Lars Kepler
(pseudónimo do casal formado pelo sueco Alexander Ahndoril e pela portuguesa Alexandra Coelho Ahndoril); dos
noruegueses Jo Nesbø e Jørn Lier Horst, ou ainda dos islandeses Arnaldur
Indridason e Yrsa Sigurdardóttir tornaram-se conhecidos de grande parte dos
leitores deste género literário que esperam ansiosamente pela publicação ou
reedição de mais um dos seus romances.
O romance policial terá surgido em
abril de 1841, nas colunas de um jornal de Filadélfia, o Graham's Magazine, com
a publicação de Os Crimes da Rua Morgue,
de Edgar Allan Poe, a história do assassinato brutal de duas mulheres em Paris,
investigados pelo detetive C. Auguste Dupin. A este, seguiram-se O Mistério de Marie Roget (publicado
entre 1842 e 1843, a partir da história verídica do assassinato de uma jovem em
Nova Iorque) e A Carta Roubada (publicado
em 1844, o último caso do detetive Dupin, sobre o roubo de uma carta dos
aposentos privados da rainha e cujo conteúdo seria muito comprometedor se
revelado).
Edgar Allan Poe
O surgimento deste tipo de narrativa
no século XIX (as chamadas “narrativas de enigma”) tem sido associado à
explosão urbana, ao aumento do crime, à ascensão da ideologia burguesa e ao
aumento do público leitor ocorridos nesse século.
[A este propósito, recomenda-se a
leitura das obras O crime em lisboa,
1850-1910 e Crime e sociedade.
Portugal na segunda metade do século XIX, da historiadora portuguesa Maria
João Vaz.]
O universo do romance policial
clássico caracteriza-se, em termos estruturais, pela presença de elementos como
o crime/a vítima, a investigação/revelação do culpado, a que se acrescenta uma
dose de medo, mistério, investigação, curiosidade, espanto e inquietação,
procurando sempre uma completa verossimilhança.
O foco do romance policial remete,
assim, para o processo do esclarecimento do mistério, geralmente a cargo de um
detetive, seja ele profissional ou amador, adotando muitos detetives, como por
exemplo, Sherlock Holmes, criado por Arthur Conan Doyle, métodos científicos em
busca da verdade. O romance ou conto policial tenta sempre responder às
questões: Quem é o culpado? Qual a razão do crime? Que processos se utilizaram
para resolver esse mesmo crime?
Entre os grandes nomes da literatura
policial clássica, em que a identidade do culpado só é revelada nas últimas
páginas do livro, contam-se, além dos dos já referidos Edgar Allan Poe e Arthur
Conan Doyle, Agatha Christie, P. D. James, Raymond Chandler, Erle Stanley
Gardner, Dashiell Hammett ou Georges Simenon, mas também o italiano Andrea
Camilleri ou o espanhol Manuel Vásquez Montalbán.
Num registo diferente, entrando
naquilo que alguns críticos classificam como romance policial psicológico,
destacam-se os já referidos autores nórdicos, mas também a norte-americana
Patricia Highsmith ou a inglesa Ruth Rendell (que também publicou sob o pseudónimo
Barbara Vine), que terão sido as percursoras deste estilo, que, mantendo a
estrutura clássica da trilogia crime/investigação/revelação, dá mais
importância à narrativa em si mesma, com a descrição da personalidade e do tipo
psicológico do ou dos suspeitos, criando entre o leitor e o criminoso uma
empatia, como a que vivenciamos com o falsário sedutor Tom Ripley, de Highsmith,
chegando muitas vezes o leitor a esperar que o crime compense e o suspeito seja
absolvido.
Em Portugal, um dos primeiros livros
policiais publicados terá sido O Mistério
da Estrada de Sintra, um romance da autoria conjunta de Eça de Queirós e de
Ramalho Ortigão, publicado no Diário de
Notícias, de Lisboa, sob a forma de cartas anónimas, entre 24 de Julho e 27
de Setembro de 1870, recebendo a primeira versão em livro em 1884.
Outros nomes se distinguem, entre os
quais o de Dennis McShade, pseudónimo de Dinis Machado, criado em 1967, Francisco
José Viegas, Pedro Garcia Rosado, Francisco Moita Flores ou Nuno Nepumoceno.
E que dizer de Quaresma, Decifrador, título geral que se atribuiu ao conjunto das
treze novelas policiárias escritas por Fernando Pessoa e que a editora Assírio
& Alvim publicou em maio de 2014?
Para Fernando Pessoa, a literatura
policial seria um dos «poucos divertimentos intelectuais que ainda restam ao
que resta de intelectual na humanidade». Para além de um leitor entusiasta de
todas as novidades que as editoras inglesas publicavam nesta área, Pessoa foi
também, ao longo da sua vida literária, escritor de histórias policiais,
dedicando a esta vertente da sua obra muito tempo e atenção.
O fio condutor das novelas de Quaresma, Decifrador é a figura de
Abílio Fernandes Quaresma, médico sem clínica, raciocinador e decifrador de
charadas, sua leitura preferida, e das da vida real, uma figura paradoxal pelo
contraste criado entre a debilidade física e o fulgor do raciocínio dedutivo.
Raciocinador minucioso e analítico, tal como o autor, Quaresma é apresentado no
«Prefácio» das novelas como um amigo de longa data, recentemente falecido,
alguém que realmente conduz os seus passos pelas Ruas de Lisboa, tal como
outros alter-egos pessoanos.
[Temos consciência de que muitos são os nomes que faltam nesta breve resenha sobre romance policial: clássicos americanos como Rex Stout, Ellery Queen ou Ed McBain, ou os mais recentes Dennis Lehane, James Patterson, Daniel da Silva ou Stephen King; as britânicas Robert Galbraith (pseudónimo de J. K. Rowling), Paula Hawkings ou Val McDermid; os espanhóis Arturo Pérez-Reverte, Domingo Villar ou Antonio Muñoz Molina; o suiço Joel Dicker; ou ainda o improvável zimbabweano Alexander McCall Smith, com a detetive Preciosa Ramotswe, fundadora da Agência Nº 1 de Mulheres Detetives, no Botswana.
Aqui fica apenas um piscar de olhos a todo um mundo por descobrir...
Para saber mais sobre romance policial, consultar:
literatura
policial in Artigos
de apoio Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2019. Disponível na
Internet: https://www.infopedia.pt/apoio/artigos/$literatura-policial. [consult. 2019-04-28].
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