Em
1998, o escritor norte-americano Michael Cunningham (nascido em Cincinnati, a 6
de Novembro de 1952) entrou para a história da literatura com o romance As Horas, pelo qual ganhou o Prémio
Pulitzer para ficção e o PEN / Faulkner Award de 1999, e que foi adaptado para
o cinema, em 2002, pelo realizador britânico Stephen Daldry.
Michael Cunningham
O
livro é uma releitura da obra Mrs.
Dalloway, de Virginia Woolf, acompanhando as vidas de Clarissa, editora
nova-iorquina, Laura, dona de casa que vive em Los Angeles, e a própria
Virginia Woolf. As horas narra um dia
na vida destas três mulheres de gerações diferentes, cujas vidas foram mudadas
pelo romance Mrs. Dalloway, como se fossem
as suas três faces: Virginia escreve-o, Laura lê-o e Clarissa vive-o.
Virginia
Woolf vive num subúrbio de Londres em 1923, preparando os manuscritos do seu
romance Mrs. Dalloway – ainda nessa
fase intitulado The Hours (As Horas); trinta anos depois (nos anos
50 do século XX), este romance será lido por Laura Brown, uma jovem deprimida
mãe e dona de casa que vive nos arredores de Los Angeles; no final dos anos
1990, Clarissa Vaughan, editora de livros que vive em Greenwich Village, Nova
Iorque, dedica os seus dias a um amigo e ex-amante, Richard, que está a morrer.
São três mulheres, em três épocas distintas, com três destinos, ligadas por um
romance que irá alterar as suas vidas.
A
história de Clarissa é a peça central. O seu apelido, Mrs. Dalloway, foi-lhe
dado por Richard, um atormentado poeta homossexual, doente de SIDA em fase
terminal. Como no romance original de Virginia Woolf, Clarissa sai para comprar
flores e enquanto caminha pelas ruas da cidade reflete sobre a sua vida,
reencontra conhecidos e esforça-se para que a festa em homenagem ao prémio
literário recebido por Richard seja perfeita.
As
questões com que se debatem Virginia Woolf, Laura Brown e Clarissa Vaughan
prendem-se essencialmente com o tédio, implantado como uma doença crónica, progressivamente
destrutiva, que vai corroendo o quotidiano. O maior
legado de Virginia foi a lição de que o mais próximo da ideia de felicidade é
viver intensamente cada hora da nossa vida
Laura
e Clarissa encontram o caminho para a sobrevivência e estabilidade ao
refugiarem-se no trabalho, no reconhecimento do seu valor pessoal e ao tomarem
as rédeas da própria vida.
As
outras duas personagens, Virginia e Richard são, por sua vez, consumidas pela
doença que as afeta e pelo vazio das horas. Optam, no entanto, por fugir-lhes e
suprimir a lenta espera dos dias sempre iguais, na antecâmara da morte.
Em
1925, Virginia Woolf publicou Mrs. Dalloway,
um dos seus romances mais famosos, inicialmente pensado com o título As Horas, e que narra um dia na vida de
Clarissa Dalloway, uma mulher da alta sociedade britânica que vive na
Inglaterra pós-Primeira Guerra Mundial.
Criado
a partir de dois contos, Mrs. Dalloway in
Bond Street e o inacabado The Prime
Minister, o romance, cuja ação decorre num único dia de junho (com exceção
dos flashbacks e flashforwads), começa com a preparação da festa que Clarissa Dalloway
vai dar nessa noite. Numa clara manhã de primavera, Clarissa resolve sair para
comprar flores. À medida que caminha pelas ruas de Londres, o bom tempo do dia leva-a
a lembrar-se da sua juventude vivida no campo, em Bourton, recolhendo imagens,
sensações e ideias, entrelaçadas com as personagens que habitam o seu mundo – o
marido, Richard Dalloway, a filha, Elizabeth, e Peter Walsh, amigo de juventude
acabado de voltar da Índia. Num outro cenário de Londres, desenrola-se a vida
de Septimus Warren Smith, veterano da Primeira Guerra Mundial que sofre de
frequentes e indecifráveis alucinações, relacionadas com a morte na guerra do
seu grande amigo Evans. Septimus nunca se cruza com Clarissa, mas é como que um
seu duplo, com quem a protagonista parece partilhar a mesma consciência num
jogo de opostos. Mais tarde, no mesmo dia, após receber a recomendação de
internamento forçado num hospital psiquiátrico, Septimus suicida-se,
atirando-se de uma janela.
A
festa de Clarissa nessa noite é um lento sucesso. Nela ouve falar no suicídio
de Septimus e gradualmente passa a admirar esse ato alheio, que vê como uma
tentativa de preservar a pureza da sua felicidade.
Ao
penetrar no interior de cada personagem, Virgínia Woolf vai tecendo uma imagem
integral da vida de Clarissa, mas também da estrutura da sociedade londrina no
início dos anos 20, ainda marcada pelo fim da Grande Guerra.
Este
romance, que revelou em pleno o talento de Virginia Woolf, a sua perspicácia, a
sensibilidade transparente e, sobretudo, a arte suprema de descrever os
segredos das almas, é considerado uma obra-prima indiscutível da literatura
universal e o primeiro grande romance modernista de Virginia Woolf. Em 2002,
foi incluído na lista dos 100 melhores livros de todos os tempos pelo jornal The Guardian, e, em 2005, foi considerado
pela revista Time um dos 100 melhores
livros escritos em inglês desde 1923.
A
publicação, em 1998, do romance de Michael Cunningham ofereceu-nos uma homenagem
do autor a Virginia Woolf, tanto no estilo intimista com que escreve, próprio de Woolf, quanto
ao colocá-la como uma das protagonistas do livro.
Aquando
da publicação de As Horas em
Portugal, a jornalista e escritora Alexandra Lucas Coelho escrevia no Jornal Público
"O
livro vencedor do Pulitzer não é uma reescrita, é um mergulho no abismo de
Virginia Woolf, que traz à tona o que faz dele uma obra: o abismo singular do
seu autor, com o seu próprio poeta demente (Richard, que podemos fazer
equivaler a Septimus, mas também a Virginia), os seus beijos inesquecíveis (o
de Clarissa e Richard, junto a uma lagoa, ao crepúsculo, e, sobretudo, o de
Laura e Kitty, ajoelhadas no chão de uma cozinha na Los Angeles do pós-guerra),
a sua cidade (da West e da Greenwich Villages, com os seus quiosques de flores,
os seus garotos de patins, a sua experiência da sida, a sua sexualidade difusa,
as suas horas monótonas, o seu brilho incandescente, as suas horas de desistir
e as suas horas de ressuscitar), a Manhattan em que em vez do primeiro-ministro
ou da Rainha as estrelas que suscitam burburinho quando saem à rua são Meryl
Streep, Vanessa Redgrave ou Susan Sarandon, e em que a filha de Clarissa já não
passeará etérea no vestido justo mas usará ténis como tijolos, um piercing e
cabelo rapado."
Uma referência final para o filme homónimo que Stephen Daldry realizou para o cinema em 2002, com argumento adaptado de David Hare e com as inesquecíveis interpretações de Nicole Kidman (no papel de Virginia, com o qual ganhou o Oscar de Melhor Atriz em 2003), Julianne Moore (no papel de Laura), Meryl Streep (no papel de Clarissa) e Ed Harris (no papel de Richard).
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