Raul
Brandão, escritor, jornalista e militar português, nasceu na Foz do Douro,
Porto, a 12 de março de 1867, e morreu em Lisboa, no dia 5 de dezembro de 1930.
Descendente
de pescadores, a Foz do Douro marcou de forma indelével a sua vida e obra, pelo
mar e pelos seus homens.
Além
de escritor, autor de uma extensa e diferenciada obra literária (ficção, teatro
e livros de viagem), marcada pelas vertentes social, ética e religiosa,
desenvolveu também uma carreira de jornalista (no Correio da Manhã, Revista de
Hoje, Revista de Portugal, chegando
a chefe de redação dos jornais O Dia
e A República).
Pertenceu
ao grupo dos "Nefelibatas" e à "Geração de 90" do século
XIX e foi influenciado não só pelas correntes do Realismo, do Naturalismo, mas
também pelo Simbolismo e o pelo Decadentismo. Foi um homem imaginativo e
talentoso, mas passivo e isolado, características que, no entender de muitos
estudiosos da sua vida e obra, acabaram por fazer dele, muitas vezes, um
incompreendido.
Completou
os primeiros estudos no Porto, cidade onde passou os anos da infância e da
adolescência. No Colégio São Carlos, colaborou, em 1885, na publicação da
revista escolar O Andaluz, criada
"a favor das vítimas dos terramotos da Andaluzia", e na qual
participaram também João de Lemos, José Leite de Vasconcelos e Trindade Coelho.
Frequentou depois a Academia Politécnica do Porto, entrando então em contacto
com outros jovens aspirantes a escritores, entre os quais se contava o amigo
António Nobre.
Em
1888, ingressou na Escola do Exército, em Lisboa.
Em
1889, esteve na formação do grupo "Os Insubmissos" e da revista com o
mesmo nome, que coordenou.
Foi
em 1890 que começou a sua carreira como escritor com a publicação da coletânea
de contos Impressões e Paisagens. Começou
a participar ativamente em vários movimentos de renovação literária e a
escrever para alguns jornais.
Em
1891, terminado o curso secundário e depois de uma breve passagem pelo Curso
Superior de Letras, matriculou-se na Escola do Exército, iniciando uma carreira
militar caracterizada por longas permanências no Ministério da Guerra envolvido
na máquina burocrática militar. Paralelamente, manteve a carreira de jornalista
e foi publicando extensa obra literária.
Raul Brandão desenvolveu, num clima
visionário, uma perspetiva crítica relativamente aos valores materialistas
burgueses dominantes na sociedade do seu tempo. Com uma obsessiva
responsabilização ética, os seus textos, publicados a partir de 1893 no jornal Correio da Manhã, refletem um acentuado
pendor ético-social e uma obsessiva interrogação sobre o sentido de um mundo
sem valores, esvaziado espiritualmente, e em acelerado processo de
dessacralização.
Em
1896, após concluir o estágio de 10 meses na Escola Prática de Infantaria, em
Mafra, foi colocado em Guimarães, como Alferes no Regimento de Infantaria nº
20.
Em
1896, Raul Brandão publicou o livro História
de um Palhaço – Vida e Diário de K. Maurício, reorganizado em 1926 com o
título A Morte do Palhaço e o Mistério da
Árvore.
Em
março de 1897 casou-se com Maria Angelina, com quem viveu um ano em Guimarães.
Raul e Angelina Brandão pintados por Columbano Bordalo Pinheiro (1927)
Transferiu-se entretanto para o Porto, continuando a escrita a ocupar lugar
importante na sua vida. Em parceria com Júlio Brandão, escreveu a peça Noite de Natal, representada no Teatro
D. Maria, em 1899.
Em
1901, pediu transferência para Lisboa, onde contactou com intelectuais e
anarquistas e se empenhou na carreira de jornalista.
A
sua vida dividia-se entre a escrita realizada na capital e a que produzia no
recolhimento da sua Casa do Alto, em Nespereira, nas proximidades de Guimarães,
a qual adquirira em 1903. Nesta habitação, não se dedicava apenas à escrita,
mas também à administração da propriedade. Este contacto direto com o mundo
rural despertou no escritor e no homem sentimentos de comiseração e de pesar
relativamente às dificuldades que marcavam a condição das comunidades
agrícolas.
O
tema principal da sua obra literária continuou a ser o problema de consciência
perante os homens oprimidos e a análise de sentimentos contraditórios (a
simpatia pelos explorados e o egoísmo de um pequeno burguês), presente pela
primeira vez em Os Pobres, no início
do século XX.
Reformado
no posto de capitão, em 1912, inicia a fase mais fecunda da sua produção
literária.
Com
mais tempo para a escrita, começou a interessar-se pela História de Portugal.
Compôs a obra El-rei Junot, em 1912,
e redigiu A Conspiração de Gomes Freire,
em 1914. Publicou O Cerco do Porto na
revista "Renascença", em 1915, uma obra atribuída ao coronel Hugo
Owen e Brandão, que este anotou e prefaciou.
A
partir desses anos começou a passar os Invernos em Lisboa, cidade onde conviveu
com os intelectuais do grupo da revista "Seara Nova" (1921),
contando-se entre o grupo de fundadores deste movimento, juntamente com Jaime
Cortesão, Raul Proença e Aquilino Ribeiro, entre outros.
Neste
período também se dedicou à dramaturgia. Em 1923 publicou o livro Teatro, no qual compilou "O Gebo e
a Sombra" (representado em 1927 no Teatro Nacional), "O Doido e a
Morte" (representado em 1926 no Teatro Politeama) e "O Rei
Imaginário".
Raul
Brandão visitou os Açores no Verão de 1924. Dessa viagem, que durou cerca de
dois meses resultou a publicação das obras As
ilhas desconhecidas - Notas e
paisagens (Lisboa, 1927), uma das obras que mais influíram na formação da
imagem interna e externa dos Açores. É em As
ilhas desconhecidas que se inspira o conhecido código de cores das ilhas
açorianas: Terceira, ilha lilás; Pico, ilha negra; S. Miguel, ilha verde...
Faleceu
em Lisboa, a 5 de Dezembro de 1930, aos 63 anos de idade, deixando uma extensa
obra literária e jornalística. Foi sepultado no Cemitério dos Prazeres, e, em
1934, trasladado para o Cemitério de Guimarães, onde repousa até hoje.
Em
1950, a Câmara Municipal de Lisboa homenageou o escritor dando o seu nome a uma
rua na zona de Alvalade. Tem uma biblioteca com o seu nome em Guimarães.
Obras publicadas
(*) no catálogo da Biblioteca do ECB
Impressões
e Paisagens (1890);
História
de um Palhaço (A Vida e o Diário de K. Maurício) (1896);
O
Padre (1901);
A
Farsa (1903) (*);
Os
Pobres (1906);
El-Rei
Junot (1912);
A
Conspiração de 1817 (1914);
O
Cerco do Porto – Pelo Coronel Owen (1915)
Húmus
(1917) (*);
Memórias
(vol. I), (1919) (*);
Teatro:
“O Gebo e a Sombra” (*), “O Rei Imaginário” e “O Doido e a
Morte” (1923);
Os
Pescadores (1923) (*);
Memórias
(vol. II), (1925) (*);
A
pesca da baleia: e outras narrativas (1926) (*);
As
Ilhas Desconhecidas (1927);
A
Morte do Palhaço e o Mistério das Árvores (1926) (*);
Eu
sou um Homem de Bem (monólogo teatral) (1927)
Jesus
Cristo em Lisboa, em colaboração com Teixeira de Pascoaes, (1927);
O
Avejão (1929) (teatro) (*);
Portugal
Pequenino, em colaboração com Maria Angelina Brandão, (1930);
O
Pobre de Pedir (1931);
Vale
de Josafat (vol. III das Memórias), (1933).
Obras disponíveis em formato digital
na Internet
Os
Pobres
A
Morte do Palhaço
Húmus
A
Farsa
O
Gebo e a Sombra
O
Rei Imaginário
O
Doido e a Morte
O
Avejão
Os pescadores
Publicado
em 1923 e dedicado à memória do avô,
morto no mar, Os pescadores integra a
lista do Plano Nacional de Leitura e é livro recomendado para a Formação de
Adultos, como sugestão de leitura.
Nesta
obra, o autor oferece-nos belas telas ricas de cor, de luz, dos vários
elementos colhidos na natureza. Descendente de pescadores, o mar foi um tema
recorrente da sua obra, tornando-se famoso pelo realismo das suas descrições e
pelo lirismo da linguagem.
Considerada
uma das mais belas obras de Raul Brandão, Os
pescadores é resultado do seu conhecimento da vida do mar. Nesta obra,
revela-se capaz de captar e transmitir todas as gradações da cor e da luz,
oferecendo-nos belas telas dos vários elementos colhidos na Natureza. São
crónicas onde se cruzam as memórias do escritor e onde comparece, de modo
inigualado, o País litoral.
O
entardecer nas suas várias cambiantes, conforme o lugar e o tempo, é descrito
em pinceladas fortes com verbos no presente. Além de belos quadros
paisagísticos, também nos oferece sugestivos retratos - o do faroleiro, a velha
da Foz do Douro, a sanjoaneira, a mulher da Afurada, de Mira "feia mas
esbelta (que) tem ar grave e senhoril quase sempre", a heroica Ti Ana
Arneira da Gafanha, a mulher da Murtosa "baixa e atarracada", a de
Ovar "delicada e forte, alta e bem proporcionada, cheia de predicados
domésticos e morais", a poveira "a bem dizer - um homem", a Rata
da Foz. É evidente a simpatia de Raul Brandão pela sua dolorosa vida difícil,
de trabalho, de explorados.
Húmus
Publicado
pela primeira vez em 1917, e dedicado ao amigo Columbano, que conheceu no final
de Oitocentos e que lhe pintou dois retratos, Húmus não apresenta uma estrutura específica, oscilando entre a
reflexão, notas especulativas, exercícios diarísticos e a escrita poética. A
ação passa-se numa vila sem tempo e espaço, onde os personagens vivem uma
existência anódina, entre o caos e a natureza. São como fantasmas grotescos e
simultaneamente reais, com nomes como D. Restituta e D. Bisbórria. Todo esse
jogo é relatado pelo olhar do narrador principal, Gabiru, que narra a vidas
destes personagens assombrados por um tédio angustiante e opressivo.
A publicação
de Húmus foi um acontecimento
insólito na vida literária portuguesa, como um desses rochedos que, sem razão
aparente, surgem no meio de uma planície.
O
próprio Raul Brandão situou nas suas Memórias o tempo em que Húmus se inscreve: «A nossa época é
horrível porque já não cremos — e não cremos ainda. O passado desapareceu, de
futuro nem alicerces existem. E aqui estamos nós sem tecto, entre ruínas, à
espera…»
O gebo e a sombra
Adaptado
para o cinema em 2012, pelo cineasta português Manoel de Oliveira, quando este
tinha 103 anos, numa produção luso-francesa que contou com a participação de
grandes nomes do cinema, como Michael Lonsdale, Claudia Cardinale, Jeanne
Moreau, Leonor Silveira, Luís Miguel Cintra e Ricardo Trêpa.
A
peça, escrita em 1923 por Raul Brandão, é um retrato da pobreza, da honestidade
e do sacrifício, um olhar sobre os paradigmas existenciais do passado e do
presente, sobre Portugal e os portugueses, sobre a honra, o sonho e a esperança,
oferecendo uma profunda reflexão sobre o poder do dinheiro.
Aqui
encontramos a vida de Gebo (Michael Lonsdale), que, apesar de viver no limiar
da pobreza, continua a sua atividade de contabilista, responsável pela recolha
de dividendos de uma grande empresa, para sustentar a mulher, Doroteia (Claudia
Cardinale), e Sofia, a nora (Leonor
Silveira), enquanto o filho João (Ricardo Trêpa) passou quase uma década longe
de casa e causou uma espécie de luto na mãe. A existência daquelas três pessoas
é triste e monótona, girando à volta da ausência de João, que ninguém
sabe onde está ou as razões por que partiu. Apesar de o velho Gebo tentar
encontrar maneiras de aliviar o sofrimento das duas mulheres, ocultando de Doroteia a vida de roubos que o filho comete, parece que nada consegue
minimizar as suas dores, até que João misteriosamente regressa à vida da família e é a
partir deste regresso que o equilíbrio familiar, já de si frágil, se rompe,
dando origem a uma catástrofe.
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