Pedra filosofal
Eles não sabem que o sonho
é
uma constante da vida
tão
concreta e definida
como
outra coisa qualquer,
como
esta pedra cinzenta
em
que me sento e descanso,
como
este ribeiro manso
em
serenos sobressaltos,
como
estes pinheiros altos
que
em verde e oiro se agitam,
como
estas aves que gritam
em
bebedeiras de azul.
Eles
não sabem que o sonho
é
vinho, é espuma, é fermento,
bichinho
álacre e sedento,
de
focinho pontiagudo,
que
fossa através de tudo
num
perpétuo movimento.
Eles
não sabem que o sonho
é
tela, é cor, é pincel,
base,
fuste, capitel,
arco
em ogiva, vitral,
pináculo
de catedral,
contraponto,
sinfonia,
máscara
grega, magia,
que
é retorta de alquimista,
mapa
do mundo distante,
rosa-dos-ventos,
Infante,
caravela
quinhentista,
que
é Cabo da Boa Esperança,
ouro,
canela, marfim,
florete
de espadachim,
bastidor,
passo de dança,
Colombina
e Arlequim,
passarola
voadora,
pára-raios,
locomotiva,
barco
de proa festiva,
alto-forno,
geradora,
cisão
do átomo, radar,
ultra-som,
televisão,
desembarque
em foguetão
na
superfície lunar.
Eles
não sabem, nem sonham,
que
o sonho comanda a vida.
Que
sempre que um homem sonha
o
mundo pula e avança
como
bola colorida
entre
as mãos de uma criança.
Lágrima de preta
Encontrei
uma preta
que
estava a chorar
pedi-lhe
uma lágrima
para
a analisar
Recolhi a lágrima
com
todo o cuidado
num
tubo de ensaio
bem
esterilizado
Olhei-a
de um lado
do
outro e de frente
tinha
um ar de gota
muito
transparente
Mandei
vir os ácidos
as
bases e os sais
as
drogas usadas
em
casos que tais
Ensaiei
a frio
experimentei
ao lume
de
todas as vezes
deu-me
o qu'é costume
Nem
sinais de negro
nem
vestígios de ódio
água
(quase tudo)
e
cloreto de sódio
Fala do homem nascido
Venho da terra assombrada
do
ventre de minha mãe
não
pretendo roubar nada
nem
fazer mal a ninguém
Só
quero o que me é devido
por
me trazerem aqui
que
eu nem sequer fui ouvido
no
acto de que nasci
Trago
boca pra comer
e
olhos pra desejar
tenho
pressa de viver
que
a vida é água a correr
Venho
do fundo do tempo
não
tenho tempo a perder
minha
barca aparelhada
solta
o pano rumo ao norte
meu
desejo é passaporte
para
a fronteira fechada
Não
há ventos que não prestem
nem
marés que não convenham
nem
forças que me molestem
correntes
que me detenham
Quero
eu e a natureza
que
a natureza sou eu
e
as forças da natureza
nunca
ninguém as venceu
Com
licença com licença
que
a barca se fez ao mar
não
há poder que me vença
mesmo
morto hei-de passar
com
licença com licença
com
rumo à estrela polar
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