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domingo, 12 de dezembro de 2021

Dia 12 do Advento - Capitães da Areia

 

“Vestidos de farrapos, sujos, semi esfomeados, agressivos, soltando palavrões e fumando pontas de cigarro, eram, em verdade, os donos da cidade, os que a conheciam totalmente, os que totalmente a amavam, os seus poetas.”

Jorge Amado - Capitães da Areia. Lisboa: Publicações Europa-América. 1ª edição 1970.

Nesta obra, escrita pelo escritor brasileiro Jorge Amado em 1937, e que teve a sua primeira edição apreendida e queimada em praça pública pelas autoridades do Estado Novo brasileiro, liderado por Getúlio Vargas, a personagem central é um bando de meninos abandonados que encontram nas ruas a verdadeira liberdade. O romance descreve, em páginas carregadas de grande beleza e dramatismo, a vida de cerca de quarenta meninos, cujas idades vão dos 9 aos 16 anos, nas ruas de São Salvador da Bahia, conhecidos por Capitães da Areia.

Pedro Bala, Dora, Professor, Gato, Dalva, João Grande, Sem Pernas ou Boa Vida são adolescentes abandonados pelas suas famílias, que vivem em comunidade no Trapiche, um armazém onde se guardam mercadorias para embarque, junto ao cais, e que é a única referência de "lar" que possuem; é onde se abrigam e se escondem, vivendo como família, construindo as suas próprias regras, convictos que apenas na rua serão livres.

"O que ele queria era felicidade, era alegria, era fugir de toda aquela miséria, de toda aquela desgraça que os cercava e os estrangulava. Havia, é verdade, a grande liberdade das ruas. Mas havia também o abandono de qualquer carinho, a falta de todas as palavras boas. Pirulito buscava isso no céu, nos quadros de santo, nas flores murchas que trazia para Nossa Senhora das Sete Dores, como um namorado romântico dos bairros chiques da cidade traz para aquela a quem ama com intenção de casamento."

Neste romance, Jorge Amado retrata a vida nas ruas de Salvador, naquela época afetada por uma epidemia de varíola, onde as forças policiais perseguem estes jovens cuja rotina era andar pela cidade a pedir dinheiro ou a roubar para comer, encontrando mesmo prazer na tortura, sem qualquer sentido de justiça, esquecendo que estão perante crianças que, apesar de serem atrevidos, malandros, espertos, famintos, ladrões, agressivos, falsos, soltos de língua, carentes de afetos e de instrução, contêm uma certa pureza e sonhos: afinal, eles roubam os ricos, para sobreviverem e para partilharem com os pobres.

Num romance de denúncia social, com o tema centrado na miséria dos meninos de rua, Jorge Amado procura mostrar não apenas os assaltos e as atitudes violentas que os Capitães da Areia protagonizam, mas também as suas aspirações e pensamentos ingénuos, comuns a qualquer criança.

“Que culpa eles têm? Roubam para comer porque todos estes ricos que têm para botar fora, para dar para as igrejas, não se lembram que existem crianças com fome.”


Jorge Amado


Jorge Amado nasceu a 10 de agosto de 1912, na Fazenda Auricídia, em Ferradas, município de Itabuna, Baía, e morreu em Salvador da Baía, no dia 6 de agosto de 2001.

Com uma obra literária de mais de 50 títulos, foi um dos mais famosos e traduzidos escritores brasileiros de todos os tempos e o autor mais adaptado ao cinema, teatro e televisão.

Quando tinha um ano, na sequência de uma epidemia de varíola, a família mudou-se para a cidade de Ilhéus. Aos 14 anos, já na cidade de Salvador, Jorge Amado começou a participar da vida literária, sendo um dos fundadores da "Academia dos Rebeldes", grupo de jovens que desempenhou um importante papel na renovação da literatura baiana e cujos trabalhos eram publicados em revistas que eles próprios fundavam.

Em 1930, Jorge Amado mudou-se para o Rio de Janeiro e no ano seguinte entrou na Faculdade de Direito. Começou a dedicar-se ao jornalismo e, em 1935, já se tinha estreado como romancista com O País do Carnaval (1931), Cacau (1933), Suor (1934), seguindo-se Capitães da Areia (1937), Terras do Sem Fim (1943) e S. Jorge dos Ilhéus (1944). Nesta primeira fase da sua obra, privilegia os temas sociais, o que lhe valeu represálias por parte das autoridades políticas do Brasil.

Politicamente de esquerda e filiado no Partido Comunista Brasileiro (chegou a ser eleito deputado federal por este partido, entre 1946 e 1948), viu parte da sua obra apreendida pela censura do Estado Novo brasileiro e foi obrigado a emigrar, vivendo em Buenos Aires, Paris, Praga e na União Soviética.

A publicação, em 1958, de Gabriela, Cravo e Canela, representou um momento de mudança na produção literária de Jorge Amado: nesta segunda fase, que inclui romances como Dona Flor e seus dois maridos (1966), Tenda dos Milagres (1969), Tereza Batista cansada de guerra (1972) ou Tieta do Agreste (1977), faz uma crónica de costumes da vida baiana, marcada por tipos populares, poderosos coronéis e mulheres sensuais.

Em 1961, Jorge Amado foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, lugar que foi preenchido pela mulher, Zélia Gattai, em 2002, após a sua morte.

Ao longo da sua vida, Jorge Amado recebeu vários prémios nacionais e internacionais. Recebeu também os graus de Comendador e de Grande-Oficial, nas ordens da Argentina, Chile, Espanha, França, Portugal e Venezuela, Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada de Portugal, a 8 de março de 1980, e Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique a 14 de julho de 1986, além de ter sido feito Doutor Honoris Causa por mais de dez universidades no Brasil, Itália, Israel, França e Portugal. O título de Doutor pela francesa Sorbonne foi o último que recebeu em pessoa durante a sua última viagem a Paris em 1998, quando já estava doente.

Em 1994, a sua obra foi reconhecida com o Prémio Camões.

Entre a imensa obra de Jorge Amado publicada em Portugal, destacamos O gato Malhado e a andorinha Sinhá: uma história de amor, livro recomendado pelo PNL2027 dos 12-14 anos.


Esta história, inspirada na tradição popular das narrativas orais, foi escrita por Jorge Amado em Paris, em 1948, para o seu filho João Jorge, quando este completou um ano de idade. O texto andou perdido até 1976 e só em 1978 conheceu a sua primeira edição, com ilustrações de Carybé.

A história do amor de um gato mau por uma adorável andorinha assume aqui o tom fabular dos contos infanto-juvenis. Além de se transformar num improvável caso de paixão, a narrativa mostra como duas criaturas bem diferentes (ela voa, ele não) podem, não apenas conviver em paz, como mudar a maneira de ver o mundo.

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