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domingo, 5 de dezembro de 2021

Dia 5 do Advento - Os loucos da rua Mazur

 


“quem viu de frente o inferno, não pode querer lá voltar nem contar o que encontrou”.

João Pinto Coelho. Os loucos da rua Mazur. Alfragide: Leya, 2017.

Paris, 2001. Yankel recebe na sua livraria a visita de Eryk, o seu amigo de infância. Não se veem desde um terrível incidente, durante a ocupação alemã, na pequena cidade polaca onde cresceram. Eryk, um escritor famoso, está doente e não quer morrer sem escrever o livro que o há de redimir. Para isso, precisa da memória do amigo judeu que sempre viu muito para além da sua cegueira.

Ao longo de meses, a luz ficará acesa na Livraria Thibault. Enquanto Yankel e Eryk mergulham no passado sob o olhar meticuloso de Vivienne, mulher de Eryk, começa a vir ao de cima a história de uma cidade que esteve sempre no fio da navalha; uma cidade de cristãos e judeus, de sãos e de loucos, ocupada por soviéticos e alemães, onde um dia a barbárie correu à solta pelas ruas e nada voltou a ser como era.

A história tem uma linha temporária em que apresenta momentos antes, durante e depois da Segunda Guerra Mundial e girará em torno de três personagens: Eryk, Yankel e Shionka, três adolescentes que viverão juntos as dores e alegrias de um mundo caótico, que não perdoa ninguém. Os protagonistas viverão na Polónia ocupada por soviéticos e nazis, viverão o terror e o medo de quem pode morrer por ser quem é. A história abordará também a descoberta do amor jovem de uma forma extremamente delicada, pois será um amor vivido numa época de guerra.

Eryk é um jovem cristão, sonhador e extremamente criativo, que em vários momentos do livro utiliza a sua inspiração para traduzir o mundo para o seu amigo Yankel, judeu, cego, que conseguiu fugir dos horrores da guerra e se tornou dono de uma livraria em Paris. Apesar da cegueira, consegue descrever a realidade à sua maneira, a partir das coisas que escuta, sente ou cheira.

E há ainda a bela Shionka, uma muda funcional, filha da feiticeira da cidade, por quem ambos os jovens correram desenfreados na floresta da terra natal para ver quem primeiro chegava ao seu coração.

Nas páginas de Os loucos da rua Mazur fica claro que a humanidade é por vezes incapaz e cega, ao não perceber a proximidade da barbárie e do Mal e que este está onde menos se espera. O livro retrata com riqueza de detalhes a insegurança vivida pelos polacos durante a guerra, apresentando a perversidade do domínio nazi e soviético, numa comunidade cuja convivência e confiança foi sendo substituída por delação, denúncia e antissemitismo levado ao extremo, entre os próprios polacos.



João Pinto Coelho nasceu em Londres, em 1967. Licenciou-se em arquitetura em 1992 e viveu a maior parte da vida em Lisboa. Passou diversas temporadas nos Estados Unidos, onde chegou a trabalhar num teatro profissional perto de Nova York. Em 2009 e 2011 integrou duas ações do Conselho da Europa que tiveram lugar em Auschwitz (Oswiécim), na Polónia, trabalhando com diversos pesquisadores sobre o Holocausto. No mesmo período, concebeu e implementou o projeto Auschwitz in 1st Per-son/A Letter to Meir Berkovich, que juntou jovens portugueses e polacos e que o levou uma vez mais à Polónia, às ruas de Oswiécim e aos campos de concentração e extermínio. A esse propósito tem realizado diversas intervenções públicas, uma das quais, como orador, na conferência internacional Portugal e o Holocausto, que teve lugar na Fundação Calouste Gulbenkian.

Estreou-se na literatura em 2012 com a publicação do romance Perguntem a Sarah Gross, finalista do Prémio LeYa 2014. A ação decorre entre os Estados Unidos e a Polónia, numa demanda pelo passado que nos leva até ao gueto de Cracóvia e às ruas de Auschwitz, a cidade que se tornou o mais famoso campo de extermínio da História.

Em Os loucos da rua Mazur, vencedor do Prémio LeYa 2017, João Pinto Coelho aborda mais uma vez o drama do Holocausto e regressa à Polónia da Segunda Guerra Mundial para nos dar a conhecer uma galeria de personagens inesquecíveis, mostrando-nos também como a escrita de um romance pode tornar-se um ajuste de contas com o passado.

Em 2020, publicou Um Tempo a Fingir. No burgo de Pitigliano, Toscana, a Itália de Mussolini em 1937, onde as Leis Raciais, que têm por alvo os judeus, anunciam a chegada dos nazis. Annina Bemporad, uma judia rebelde, despede-se da infância quando acorda a meio da noite com o estampido de um tiro.


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