"Apesar
da idade, não me acostumar à vida. Vivê-la até ao derradeiro suspiro de credo
na boca. Sempre pela primeira vez, com a mesma apetência, o mesmo espanto, a
mesma aflição. Não consentir que ela se banalize nos sentidos e no
entendimento. Esquecer em cada poente o do dia anterior. Saborear os frutos do
quotidiano sem ter o gosto deles na memória. Nascer todas as manhãs."
Miguel Torga, in Diário (1982)
A
12 de agosto de 1907, nascia em São Martinho de Anta, Vila Real, Adolfo Correia
da Rocha, que todos conheceríamos como Miguel
Torga, escritor português, um dos mais importantes poetas do século XX, que
se destacou também como contista, ensaísta, romancista, memorialista e dramaturgo, deixando
mais de 50 obras publicadas.
De
origens humildes, ainda menino foi para o Porto trabalhar: de porteiro a moço
de recados, de tratar do jardim a limpar escadas, de tudo fez um pouco em casa
de familiares. Com 11 anos, entrou no Seminário de Lamego, onde estudou
Português, Geografia e História, Latim e os textos sagrados. No entanto,
decidindo que não queria ser padre, abandonou o Seminário e, em 1920, rumou ao
Brasil para trabalhar na fazenda de café de um tio, em Minas Gerais. Regressou
a Portugal em 1925, acompanhado do tio, que, percebendo a inteligência do
sobrinho, resolveu pagar-lhe os estudos em Coimbra. Durante três anos frequentou
o Liceu e, em 1928, matriculou-se na Faculdade de Medicina da Universidade de
Coimbra, concluindo o curso em 1933.
Foi
ainda em 1928 que começou a sua carreira como escritor, com a publicação do seu
primeiro livro de poemas, Ansiedade, a
que se seguiram Rampa (1930), Tributo (1931) e Abismo (1932). Em 1929, começou a colaborar com a revista Presença, com o poema “Altitudes”.
Em
1934 iniciou o exercício da profissão de médico na sua terra natal, ano em que
publicou A Terceira Voz, assinado já
com o pseudónimo que o imortalizou: “Miguel”, em homenagem a dois grandes
vultos da cultura ibérica, Miguel de Cervantes e Miguel de Unamuno; “Torga”, uma
planta brava da montanha, que deita raízes fortes sob a aridez da rocha, de
flor branca, arroxeada ou cor de vinho, com um caule retilíneo.
Miguel
Torga evitava agitação e publicidade, mantinha-se longe de movimentos políticos
e literários, não dava autógrafos ou dedicatórias e não oferecia livros a
ninguém, para que o leitor fosse livre para escolher.
A
sua obra, de forte caráter humanista, reflete as apreensões, esperanças e
angústias de seu tempo, traduz a sua rebeldia contra as injustiças e a sua revolta
perante os abusos do poder.
Reflete
igualmente a sua origem aldeã, as terras agrestes transmontanas, pano de fundo
de grande parte da sua obra, a experiência médica, em contacto com a gente
pobre, e ainda os cinco anos que passou no Brasil.
Com
ideias que se demarcavam do salazarismo, foi preso, em 1940, na sequência das
críticas que fez ao franquismo em A
criação do mundo, obra de ficção em vários volumes, publicada entre 1937 e
1981. Pensou então em sair do país, mas não o fez por se sentir preso à pátria
e a Trás os Montes, longe dos quais seria um "cadáver a respirar".
Os
livros de Miguel Torga foram traduzidos para diversas línguas. Várias vezes
candidato ao Prémio Nobel de Literatura, recebeu o Prémio do Diário de Notícias
(1969), o Prémio de Poesia da XII Bienal Internacional de Poesia de
Knokke-Heist (1976), o Prémio Montaigne da Fundação Alemã F.V.S. (1981), o Prémio
Camões, o mais
importante da língua portuguesa (1989), o Prémio Personalidade do Ano (1991), o
Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores (1992) e o Prémio
da Crítica, em consagração da sua obra (1993).
Miguel
Torga faleceu em Coimbra, no dia 17 de janeiro de 1995. A sua campa rasa em São Martinho de
Anta tem uma torga plantada a seu lado.
Obras de Miguel Torga
Poesia
1928 – Ansiedade
1930 – Rampa
1931 – Abismo
1936 – O outro livro
de Job
1943 – Lamentação
1944 – Libertação
1946 – Odes
1948 – Sibi
1950 – Cântico do
Homem
1952 – Alguns ibéricos
1954 – Penas do
Purgatório
1958 – Orfeu rebelde
1962 – Câmara ardente
1965 – Poemas ibéricos
1997 – Poesia
Completa, volume I
2000 – Poesia
Completa, volume II
2017 – Poesia
Completa, volume III
Prosa
1934 – A Terceira Voz
1937 – Os Dois
Primeiros Dias
1938 – O Terceiro Dia
da Criação do Mundo
1939 – O Quarto Dia da
Criação do Mundo
1940 – Bichos
1941 – Contos da
Montanha
1941 – Diário I
1942 – Rua
1943 – O Senhor Ventura
1943 – Diário II
1944 – Novos Contos da Montanha
1945 – Vindima
1946 – Diário III
1949 – Diário IV
1950 – Portugal
1951 – Pedras Lavradas
1951 – Diário V
1953 – Diário VI
1956 – Diário VII
1959 – Diário VIII
1974 – O Quinto Dia da
Criação do Mundo
1976 – Fogo Preso
1981 – O Sexto Dia da
Criação do Mundo
1982 – Fábula de
Fábulas
1999 – Diário: Volumes IX a XVI (1964-1993), publicação
póstuma
Peças de teatro
194 – Terra Firme e
Mar
1947 – Sinfonia
1949 – O Paraíso
1955 – Traço de União
Ensaios e Discursos
2001 – Ensaios e
Discursos, antologia, publicação póstuma
Obras de Miguel Torna na Biblioteca do ECB:
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