A 9 de novembro de 1989, após várias semanas de distúrbios civis, alguns impulsionados pela visita de Michail Gorbatchev, líder da União Soviética, o governo da Alemanha de Leste anunciou que todos os cidadãos da República Democrática Alemã (RDA) poderiam visitar a República Federal da Alemanha (RFA) e Berlim Ocidental. Multidões de alemães orientais subiram e atravessaram o Muro que dividia a cidade de Berlim desde 1961, juntando-se aos alemães ocidentais do outro lado, numa atmosfera já de celebração. Ao longo das semanas seguintes, partes do Muro foram destruídas pela população e, mais tarde, equipamentos industriais foram usados para remover quase toda a estrutura.
Se
o Muro de Berlim foi o maior símbolo da divisão do mundo entre o bloco
ocidental/capitalista, liderado pelos Estados Unidos da América, e o bloco oriental/comunista,
liderado pela União Soviética, a sua queda representou também simbolicamente o
fim da Guerra Fria e o primeiro passo no processo de reunificação da Alemanha.
A divisão
da Alemanha foi uma das consequências da derrota alemã na Segunda Guerra
Mundial. Em agosto de 1945, os Aliados, reunidos na Conferência de Potsdam,
determinaram a perda provisória de soberania da Alemanha e a sua divisão em quatro
zonas de ocupação: a zona francesa, a sudoeste; a inglesa, a noroeste; a
norte-americana, ao sul; e a soviética, a leste. A capital, Berlim, enquanto sede do Conselho Aliado de Controlo, foi igualmente dividida em quatro setores,
apesar de a cidade estar situada no interior da zona soviética.
A expansão
do comunismo nos países da Europa de Leste sob influência da União Soviética levou
os americanos e os britânicos a encararem a Alemanha como uma possível aliada para
a contenção do avanço soviético. Com vista à criação de um Estado alemão forte,
em maio de 1949 será instituída a República Federal da Alemanha, resultante da
reunião das zonas sob ocupação americana, britânica e francesa (a capital será a cidade de Bona). A União
Soviética, após protestos veementes contra o que considerava uma violação dos
acordos estabelecidos em Potsdam, acabará por contribuir para a criação de um
Estado paralelo e, em outubro de 1949, nascerá a República Democrática Alemão,
sob a alçada soviética (e que manterá Berlim como capital).
Entretanto,
a cidade de Berlim, situada na RDA e dividida entre as duas Alemanhas, tornar-se-á
cada vez mais um foco de tensão. A cidade funcionou como uma ponte de passagem para
mais de dois milhões de pessoas do lado oriental que, entre 1949 e 1961,
fugiram da Alemanha comunista para a RFA, através de Berlim Ocidental. O problema
acabaria por ser resolvido em 1961, com a construção de um muro a separar as
duas zonas da cidade.
A
decisão de erguer o muro partiu dos então líderes da URSS e Alemanha de Leste, Nikita
Kruschev e Walter Ulbricht, respetivamente. O objetivo era isolar Berlim Ocidental,
a fim de que os valores e benesses do “Mundo Capitalista”, como a liberdade de
consumo e de expressão ou o acesso a produtos industriais e culturais não “contaminassem”
o disciplinado e austero padrão de vida imposto pelo comunismo soviético no
lado oriental da cidade. Mas também se pode dizer que o verdadeiro objetivo era
impedir que cidadãos da Alemanha de Leste fugissem para Berlim Ocidental.
O
Muro de Berlim (em alemão Berliner Mauer)
foi uma barreira física construída pela RDA, circundava toda a parte de Berlim
Ocidental, separando-a da Alemanha de Leste, incluindo Berlim Oriental. O Muro não
respeitou casas, prédios ou ruas e separou famílias, algumas para sempre.
Na
noite de 13 para 14 de Agosto de 1961, foi instalada uma cerca de arame farpado
assinalando a barreira que separaria as duas partes da cidade,
isolando Berlim Ocidental. Ao longo dos anos, as autoridades da RDA foram
aperfeiçoando e reforçando a construção até à versão final: uma parede de mais
de 4 metros de altura, encimada por um cilindro de cimento, com uma extensão de
mais de 155 km (nalgumas partes reforçada por um muro paralelo), incluindo 66,5
km de gradeamento metálico, 302 torres de vigia, 127 redes metálicas eletrificadas
com alarme e 255 pistas de corrida para cães de guarda.
Era
expressamente proibido aos habitantes de Berlim Leste aproximarem-se do Muro, que
era patrulhado por militares com ordens de atirar para
matar sobre os que tentassem desertar. Entre 1961 e 1989, terão morrido 136
pessoas ao tentarem fugir para Berlim Ocidental e muitas outras ficaram feridas
ou foram feitas prisioneiros (os números nunca foram completamente
esclarecidos, pois as informações cedidas pelas autoridades da RDA foram sendo
contestadas por diversos órgãos internacionais de Direitos Humanos).
No
entanto, apesar das restrições, havia oito passagens de fronteira entre Berlim
Oriental e Ocidental, o que permitia o trânsito de berlinenses ocidentais,
alemães ocidentais, estrangeiros ocidentais e funcionários dos Aliados em Berlim Oriental, bem como as visitas de cidadãos da RDA e de outros países socialistas a Berlim Ocidental, desde que
possuíssem as permissões necessárias. A passagem mais famosa foi o ponto de
verificação de pedestres na esquina da Friedrichstraße com a Zimmerstraße,
também conhecida como Checkpoint Charlie,
que era limitada aos funcionários dos países Aliados e estrangeiros.
Em junho de 1963, o
presidente dos EUA John Kennedy faz uma visita a Berlim Ocidental, em
claro manifesto de apoio dos Estados Unidos à Alemanha Ocidental, 22 meses
depois da construção do Muro de Berlim. O discurso que então proferiu, a partir
de uma plataforma erguida sobre os degraus da Rathaus Schöneberg, o edifício da
Câmara Municipal, é considerado um dos melhores de Kennedy e um dos momentos
notáveis da Guerra Fria.
«Há dois mil anos, não havia frase
que se dissesse com mais orgulho do que civis
Romanus sum ("sou um cidadão romano"). Hoje, no mundo da
liberdade, não há frase que se diga com mais orgulho que 'Ich bin ein Berliner'... Todos os homens livres, onde quer que
vivam, são cidadãos de Berlim, e, portanto, como um homem livre, eu orgulho-me das
palavras “Ich bin ein Berliner!"
("Eu sou um berlinense", em alemão)»
In
Vida e pensamento de Kennedy: uma
antologia de textos. Volume 2 de História
de Hoje. Editora Morais, 1964.
Visita de John Kennedy
a Berlim (junho, 1963)
Placa comemorativa da
visita de John Kennedy a Berlim
Nos últimos anos da
década de 80, a URSS entrou em colapso e diversas manifestações começam a
surgir nas duas partes da Alemanha, reivindicando a destruição do Muro de
Berlim.
Entretanto, em março
de 1985, Michail Gorbatchev é eleito secretário-geral do Partido Comunista da
União Soviética e, tendo em conta a deterioração das condições de vida da
população e o atraso económico e tecnológico da URSS relativamente aos EUA
(nomeadamente no que respeita ao programa de defesa nuclear da administração
Reagan, conhecido como “Guerra das Estrelas”), enceta uma política de diálogo e
aproximação ao Ocidente, procurando também criar um clima de paz internacional
que refreasse a corrida ao armamento e permitisse à União Soviética utilizar os
seus recursos para a reestruturação interna, a que chamou Perestroika, assente numa
abertura política conhecida por Glasnost (transparência).
Michail Gorbatchev
Em junho de 1987, numa
visita a Berlim Ocidental, nas Portas de Brandenburg, o presidente
norte-americano Ronald Reagan profere um discurso em que apela a Michail Gorbatchev
que contribua para o derrube do Muro:
«General
Secretary Gorbachev, if you seek peace, if you seek prosperity for the Soviet
Union and Eastern Europe, if you seek liberalization: Come here to this gate!
Mr. Gorbachev, open this gate! Mr. Gorbachev, tear down this wall!»
“Mr. Gorbachev, tear down this wall!” (Senhor Gorbatchev, derrube este muro!) transformou-se
numa frase de protesto, aproveitada pelos cidadãos da RDA aquando da visita de
Estado que, em outubro de 1989, Gorbatchev empreendeu à RDA para assistir às
comemorações do 40º aniversário do nascimento do país.
Michail Gorbatchev e
Erich Honecker (outubro, 1989)
Poucos dias depois, em
9 de novembro de 1989, após várias semanas de distúrbios civis, o presidente da
RDA, Erich Honecker, anunciou então que todos os cidadãos da RDA poderiam
visitar a Alemanha Ocidental e Berlim Ocidental. Estava aberto o caminho para o
fim da estrutura que, durante 28 anos, separou duas partes de uma cidade e que
simbolizava a divisão ideológica do Mundo.
Com a queda desta
barreira geográfica, inicia-se um processo que terminará na reunificação da Alemanha, em outubro de 1990, e que é considerado por historiadores e analistas como o fim
da Guerra Fria.
Mais tarde, o governo
alemão incentiva a visita aos locais por onde passava o muro derrubado, tendo construído
um Memorial
do Muro de Berlim, que, além da reconstrução de alguns fragmentos do
muro, tem marcado no chão o percurso que o muro fazia quando estava erguido e integra
um monumento de homenagem às vítimas do muro.
Parte do Memorial do Muro de Berlim
Parte do Memorial do Muro de Berlim
Monumento às Vítimas
do Muro
Parte do Memorial do
Muro de Berlim
Placa no solo a
sinalizar onde passaria o Muro
Entre os vários filmes
que desde 1961 têm documentado e chamado a atenção para a importância da
história do Muro de Berlim, destacam-se “As
Asas do Desejo”, de Wim Wenders (1987), e “Adeus, Lenine!”, de Wolfgang Becker (2003).
Sem comentários:
Enviar um comentário