Depois
de Frei Luís de Sousa (2001), de
Almeida Garrett; A Corte do Norte (2009),
de Agustina Bessa-Luís; Livro do
Desassossego (2010), de Fernando Pessoa; e Os Maias (2014), de Eça de Queirós, o realizador português João Botelho regressa à literatura
portuguesa com a adaptação cinematográfica de Peregrinação, de Fernão
Mendes Pinto.
João
Botelho, que em abril de 2016 esteve no Externato Cooperativo da Benedita no âmbito
da Semana Cultural e das atividades do Plano Nacional de Cinema, para conversar
com os alunos sobre a sua adaptação de Os
Maias, considera ter "o dever de pegar em textos importantes na
Cultura e na Literatura portuguesas".
Peregrinação, impresso pela primeira vez em
1614, é um relato da presença dos portugueses no Oriente e uma crónica de
viagens de duas décadas de vivência de Fernão Mendes Pinto naquelas paragens.
O filme
de João Botelho, que estreou nas salas de cinema portuguesas no passado dia 1
de novembro, é uma evocação das viagens de Fernão Mendes Pinto, no século XVI,
integrando a recriação de alguns temas do álbum “Por Este Rio Acima” (1982), de
Fausto Bordalo Dias, "como se fosse uma introdução à leitura" da
obra, disse o realizador à Agência Lusa, em abril passado, mês em que começaram
as filmagens.
Apesar
de a maior parte das filmagens ter sido feita em Portugal, João Botelho e uma
equipa reduzida (produtor, diretor de fotografia e um assistente) estiveram "a
filmar todos os fundos" em sete cidades chinesas, no Japão, na Malásia e
no Vietname e o resultado final surge-nos como se tudo tivesse sido registado
do outro lado do mundo.
O
filme é protagonizado por Cláudio da Silva, que, além de Fernão Mendes Pinto,
interpreta também a personagem de António Faria, "um corsário terrível que decapita, viola,
rouba, tudo em nome de deus". Do elenco fazem ainda parte, entre outros,
Catarina Wallenstein, Pedro Inês, Maya Booth, Cassiano Carneiro, Rui Morisson,
Jani Zhao e Zia Soares.
Peregrinação relata a chegada e a estadia de Fernão
Mendes Pinto no Oriente, apresentando a descrição das expedições dos
descobridores e conquistadores portugueses. A imagem dos navegadores
portugueses que perpassa nesta obra, e em particular a do próprio Fernão Mendes
Pinto, é sobretudo picaresca, assumindo-se este como um anti-herói, capaz das
piores façanhas para alcançar os seus objetivos (geralmente pilhar e roubar as
populações nativas para enriquecer e regressar à pátria).
O
autor é perito na descrição da geografia da Índia,
China e Japão e da etnografia: leis, costumes, moral, festas, comércio,
justiça, guerras, funerais, etc. Notável é também a previsão da derrocada do
Império Português, corroído por vícios e abusos.
Fernão
declara que são três os objetivos que o levaram a escrever o livro: dar a
conhecer os seus trabalhos aos filhos (função autobiográfica), encorajar os
desesperados e os que se veem em dificuldades (função moral), ter que dar
graças a Deus (função religiosa).
Escrita
entre 1570 e 1578, após o regresso de Fernão Mendes Pinto a Portugal, a obra só
viria a ser publicada cerca de 30 anos após a morte do autor, receando-se que o original
tenha sofrido alterações às quais não seriam alheios os Jesuítas. O texto
original fora deixado à Casa Pia dos Penitentes que submete os escritos de Fernão
Mendes Pinto ao crivo da Inquisição, que o aprova em 1603, o mesmo ano em que o
processo de análise se iniciou. No entanto, somente em 1614 Pedro Craesbeeck,
tipógrafo e impressor de origem flamenga, aceita a empreitada. O livro,
organizado por Frei Belchior Faria, foi publicado com o seguinte título (na
íntegra e em português clássico):
"Peregrinaçam de Fernam Mendez Pinto em que da conta de
muytas e muyto estranhas cousas que vio & ouvio no reyno da China, no da
Tartaria, no de Sornau, que vulgarmente se chama de Sião, no de Calaminhan, no
do Pegù, no de Martauão, & em outros muytos reynos & senhorios das
partes Orientais, de que nestas nossas do Occidente ha muyto pouca ou nenhua
noticia. E também da conta de muytos casos particulares que acontecerão assi a
elle como a outras muytas pessoas. E no fim della trata brevemente de alguas
cousas, & da morte do Santo Padre Francisco Xavier, unica luz &
resplandor daquellas partes do Oriente, & reitor nellas universal da
Companhia de Iesus."
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