Ricardo
Reis nasceu no Porto, no dia 19 de setembro de 1887, estudou num colégio de
jesuítas, formou-se em medicina e, por ser monárquico, expatriou-se
espontaneamente em 1919, indo viver para o Brasil. Na sua biografia não consta
a sua morte, no entanto, no seu livro O
Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago situou-a em 1936.
1936
é o ano em que o ambiente internacional se começou a degradar. A Grande
Depressão e consequentes dificuldades económicas e sociais favorecem a
irradiação do fascismo na Europa, ao mesmo tempo que se assiste à formação de
governos de coligação de partidos de esquerda, como é o caso das Frentes
Populares em Espanha e em França. A eclosão da Guerra Civil Espanhola será um
prenúncio da II Guerra Mundial.
Os
alunos do 12º D partiram destas primeiras ideias e pesquisaram sobre o que
aconteceu no ano de 1936: da estreia do filme "Tempos Modernos", de
Charlie Chaplin, à criação do Voskswagen na Alemanha de Hitler; da publicação
do livro "E tudo o vento levou", da escritora norte-americana
Margaret Mitchell, à viagem inaugural do zepelim Hiddenburg (que a 7 de
setembro sobrevoou Lisboa); do assassinato de Federico García Lorca à
remilitarização da Renânia pela Alemanha, muitos foram os acontecimentos que
marcaram 1936, além dos que aparecem referidos na obra de Saramago: a fundação
da Mocidade e da Legião Portuguesa, a conquista da Etiópia por Mussolini ou os
Jogos Olímpicos de Berlim.
Da
pesquisa efetuada pelos alunos nasceu uma Exposição de cartazes que pode ser
visitada durante o mês de fevereiro na Biblioteca do ECB.
"Sábio é o que se contenta com o espectáculo do mundo"
Ricardo Reis
“… as notícias que estavam a vir de Espanha, sobre as eleições […], a direita tinha ganho em dezassete províncias, mas, contados os votos todos, viu-se que a esquerda elegera mais deputados que o centro e a direita juntos…” (José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, pp. 148-149)
“… duzentos e cinquenta mil soldados alemães estão prontos a ocupar a Renânia e […] uma força militar alemã penetrou há poucos dias em território checoslovaco…” (José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, p. 142)
“… por estes dias denunciou a Alemanha o pacto de Lucarno e ocupou a zona renana” (José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, p. 198)
“Agora o que vamos ter de mais certo é virem por aí abaixo outros tantos franceses, que já a esquerda de lá ganhou as eleições, e o socialista Blum declarou-se pronto a constituir governo de Frente Popular…” (José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, p. 291)
“O mundo, como destas amostras se pode concluir, não promete soberbas felicidades, agora foi Alcalá Zamora destituído da presidência da República e logo começou a correr o boato de que haverá um movimento popular em Espanha, se tal coisa lá fizerem, tristes dias estão guardados para muita gente.” (José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, p. 253)
“[…] Ricardo Reis deve ter sido o último habitante de Lisboa a saber que se dera um golpe militar em Espanha. […] O exército espanhol, guardião das virtudes da raça e da tradição, ia falar com a voz das suas armas, expulsaria os vendilhões do templo, restauraria o altar da pátria, restituiria à Espanha a imorredoira grandeza que alguns degenerados filhos haviam feito decair. […] O levantamento começou no Marrocos espanhol e […] é seu principal chefe o general Franco.” (José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, pp. 363-364)
“Porventura com vistas a essa aprendizagem se decretou a criação da Mocidade Portuguesa que, lá para Outubro, quando iniciar a sério os seus trabalhos, abrangerá, logo de entrada, cerca de duzentos mil rapazes, flor ou nata da nossa juventude, da qual […] há-de sair a elite que nos governará depois …” (José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, p. 355)
“… considere-se o exemplo dos italianos, que […] lá vão ganhando a sua guerra, ainda há poucos dias bombardearam a cidade de Harrar, voaram até lá os aviões e reduziram tudo a cinzas…” (José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, p. 253)
“As tropas de Badoglio preparam-se para retomar o avanço sobre Addis-Abeba…” (José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, p. 278)
“E terminou a guerra da Etiópia. Disse-o Mussolini do alto da varanda do palácio, Anuncio ao povo italiano e ao mundo que acabou a guerra, e a esta voz poderosa as multidões de Roma, de Nápoles, da Itália inteira, milhões de bocas, todos gritaram o nome do Duce […]” (José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, p. 292)
“Como amostra do que virá a ser a nossa juventude patriótica, irão a Berlim, já fardados, os representantes da MP, […] e assistirão aos Jogos Olímpicos, onde, escusado será dizê-lo, causarão impressão magnífica, estes belos e aprumados moços, orgulho da lusitana raça…“ (José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, p. 355)
“Viu ontem o balão, Qual balão, O zepelim, passou mesmo por cima do hotel, o gigantesco, adasmatórico dirigível, Graf Zeppelin, de nome e título do seu construtor, conde Zeppelin, general e aeronauta alemão, ei-lo a sobrevoar a cidade de Lisboa […] tão grande, […] e aquela cruz que leva atrás, Chamam-lhe gamada, ou suástica, […] o dirigível é alemão, e a suástica é hoje o emblema da Alemanha…” (José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, p. 278)
“[…] enquanto os ingleses protestam contra a passagem do dirigível Hindemburgo sobre fábricas e pontos estratégicos britânicos, o que se vai dizendo é que tudo parece indicar que a incorporação da Cidade Livre de Danzig no território alemão não virá longe.” (José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, p. 361)
“…
lidos foram e tornados a ler estes dessangrados jornais de Lisboa, desde as
notícias da primeira página, Eduardo VIII será o novo rei de Inglaterra…” (José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, p.
119)
Sábio
é o que se contenta com o espectáculo do mundo
Sábio
é o que se contenta com o espectáculo do mundo,
E
ao beber nem recorda
Que
já bebeu na vida,
Para
quem tudo é novo
E
imarcescível sempre.
Coroem-no
pâmpanos. ou heras. ou rosas volúveis,
Ele
sabe que a vida
Passa
por ele e tanto
Corta
a flor como a ele
De
Átropos a tesoura.
Mas
ele sabe fazer que a cor do vinho esconda isto,
Que
o seu sabor orgíaco
Apague
o gosto às horas,
Como
a uma voz chorando
O
passar das bacantes.
E
ele espera, contente quase e bebedor tranquilo,
E
apenas desejando
Num
desejo mal tido
Que
a abominável onda
O
não molhe tão cedo.
19-6-1914
Odes de Ricardo Reis. Fernando Pessoa.
Lisboa: Ática, 1946
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