As
bibliotecas só aparentemente são casas sossegadas. O sossego das bibliotecas é
a ingenuidade dos ignorantes e dos incautos. Porque elas são como festas ou
batalhas contínuas e soam canções ou trombetas a cada instante. E há
invariavelmente quem discuta com fervor o futuro, quem exija o futuro e seja
destemido, merecedor da nossa confiança e da nossa fé.
(Do
conto “Bibliotecas”, in Contos de cães e
maus lobos)
No dia 25 de setembro, Valter Hugo Mãe comemora 50 anos de vida e 25 desde que publicou o primeiro livro. Para assinalar esta data duplamente festiva, promete a apresentação de novo romance.
Valter
Hugo Mãe, pseudónimo literário de Valter Hugo Lemos, nasceu em Angola, a 25 de
setembro de 1971. Escritor, editor, artista plástico e músico, tem editados
mais de 30 livros, entre romances, poesia e literatura infantil.
Com
obra publicada desde 1996, o livro de poesia Silencioso corpo de fuga, o reconhecimento de Valter Hugo Mãe como
um dos nomes mais destacados da atual literatura portuguesa surge em 2007, com
a atribuição do Prémio Literário José Saramago ao romance o remorso de baltazar serapião. O próprio José Saramago o
descreveria como um “tsunami literário”.
Em Contra mim, publicado em 2020, num registo pessoal e intimista, apresenta-nos uma ideia de biografia composta por retalhos da infância e adolescência, desde o nascimento na antiga Vila Henrique de Carvalho (atual Saurimo, cidade angolana, capital da província de Lunda Sul), até às vivências já em Portugal, entre Paços de Ferreira e Vila do Conde, onde a família foi morar em 1980.
«Estamos
sempre à procura das nossas grandes crianças. Essas que começámos por ser e que
se tornam paulatinamente inacessíveis, como irreais e até proibidas. Crianças
que caducaram, partiram, tantas por ofensa, tantas apenas por esquecimento.»
Licenciado
em Direito e com uma pós-graduação em Literatura Portuguesa Moderna e
Contemporânea na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Valter Hugo Mãe
tem publicados sete romances. Os quatro primeiros, o nosso reino (2004), o
remorso de baltazar serapião (2006), o
apocalipse dos trabalhadores (2008) e a
máquina de fazer espanhóis (2010) são conhecidos como a “tetralogia das minúsculas”,
pois foram escritos sem qualquer maiúscula, incluindo o nome do
autor, que pretendia assim chamar a atenção para a natureza oral dos textos e a
recondução da literatura à liberdade primeira do pensamento, além de que, como
o próprio autor tem afirmado, as minúsculas aludem também a uma utopia de igualdade,
uma certa democracia que equiparava as palavras na sua grafia para deixar ao
leitor definir o que devia ou não ser acentuado. Estes quatro romances, sem
ligação narrativa entre si, acompanham as quatro fases da vida de todos nós: n’
o
nosso reino, conhecemos a história de um menino de oito anos que vive numa
pequena aldeia portuguesa nos anos 1970; em o remorso de baltazar serapião,
romance cruel, é-nos revelado um mundo em que a mulher mais não é do que um
instrumento da vida do homem; o apocalipse dos trabalhadores,
talvez o romance mais divertido de valter hugo mãe, é feito da história sempre
trágica de duas empregadas de limpeza e carpideiras profissionais que, entre
cansaços e desilusões, encontram ainda motivos de esperança; finalmente, em a
máquina de fazer espanhóis, romance que ilustra os conceitos de família
e solidão, amizade e compromisso, é a velhice que encontramos descrita através
da história de António Jorge da Silva, um barbeiro de 84 anos que, após perder
a mulher, vai viver num lar de idosos.
A Verdadeira História dos Pássaros (2009), A História do Homem Calado (2009), O Rosto (2010), As mais belas
coisas do mundo (2010), Quatro
Tesouros (2011) e O Paraíso são os
Outros (2014) são obras dedicadas aos leitores mais pequenos.
Em
2018, reuniu a sua poesia no livro publicação
da mortalidade.
Como editor, em 1999 fundou com o escritor Jorge Reis-Sá a Quasi edições (na qual publicou obras de Mário Soares, Caetano Veloso, Adriana Calcanhotto, Manoel de Barros, António Ramos Rosa, Artur do Cruzeiro Seixas, Ferreira Gullar, Adolfo Luxúria Canibal, entre outros). Em 2006, fundou a editora Objecto Cardíaco, votada à edição de “textos menos óbvios”. Entre 2001 e 2004, co-dirigiu a revista Apeadeiro.
No
cinema, colaborou no guião da curta metragem Bicicleta, de 2014, realizada por Luís Vieira Campos, e de Surdina, filme realizado por Rodrigo
Areias em 2020.
Para além da escrita, Valter Hugo Mãe tem-se dedicado à música (tendo colaborado em vários projetos, como vocalista, no grupo Governo, ou como letrista, caso do álbum Disco de Cabeceira, de Paulo Praça, de 2009, ou do álbum Animal, dos Osso Vaidoso, em 2010), e ao desenho, com uma primeira exposição individual de 2020 em Vila Nova de Gaia.
“Todos os livros são infinitos. Começam no texto e estendem-se pela imaginação. Por isso é que os textos são mais do que gigantescos, são absurdos de um tamanho que nem dá para calcular. Mesmo os contos, de pequenos não têm nada. Se soubermos entender, crescemos também, até nos tornarmos monumentais pessoas. Edifícios humanos de profundo esplendor.
Devemos
sempre lembrar que ler é esperar por melhor."
(Do
conto “Bibliotecas, in Contos de cães e
maus lobos)
Bibliografia
(*) disponível na Biblioteca do ECB
Poesia
1996
- Silencioso corpo de fuga. A Mar Arte. Coimbra
1997
- O sol pôs-se calmo sem me acordar. A Mar Arte. Coimbra
1999
- Entorno a casa sobre a cabeça. Silêncio da Gaveta Edições. Vila do Conde
1999
- Egon schielle auto-retrato de dupla encarnação, Associação dos Jornalistas e
Homens de Letras do Porto
2000
- Estou escondido na cor amarga do fim da tarde, editora Campo das Letras
2000
- Três minutos antes de a maré encher, editora Quasi Edições
2001
- A cobrição das filhas, editora Quasi Edições
2003
- Útero, editora Quasi Edições
2003
- O resto da minha alegria seguido de a remoção das almas, editora Cadernos do
Campo Alegre
2006
- Livro de maldições, editora Objecto Cardíaco
2007
- Pornografia erudita, editora Edições Cosmorama
2007
- Bruno, editora Littera Libros
2008
- Folclore íntimo, editora Edições Cosmorama
2010
- Contabilidade, editora Objectiva
2018
- Publicação da mortalidade, Porto Editora (Assírio & Alvim)
Romance
2004
- O nosso reino, editora Temas e Debates (em 2015 foi publicado pela Porto
Editora com prefácio de Ferreira Gullar) (*)
2006
- O remorso de baltazar serapião, editora QuidNovi (em 2015 foi publicado pela
Porto Editora com prefácio de José Saramago) (*)
2008
- O apocalipse dos trabalhadores, editora QuidNovi ( m 2015 foi publicado pela
Porto Editora com prefácio de Adonis(
2010
- A máquina de fazer espanhóis, editora Alfaguara (em 2016 foi publicado pela
Porto Editora) (*)
2011
- O Filho de Mil Homens, editora Alfaguara (em 2015 foi publicado pela Porto Editora
com prefácio de Alberto Manguel) (*)
2013
- A Desumanização, Porto Editora. Finalista do Prémio Oceanos 2015 (*)
2013
- Homens Imprudentemente Poéticos, Porto Editora, com prefácio de Miguel
Gonçalves Mendes
2020 - Contra mim, Porto Editora
Contos
2015
- Contos de Cães e Maus Lobos, Porto Editora, com prefácio de Mia Couto
Infantil
2009
- A Verdadeira História dos Pássaros, editora QuidNovi
2009
- A História do Homem Calado, editora QuidNovi
2010
- O Rosto, editora Objectiva, ilustrações de Isabel Lhano
2010
- As mais belas coisas do mundo, editora Objectiva, ilustrações de Paulo Sérgio
Beju
2011
- Quatro Tesouros, editora Algaguara, ilustrações de Patrícia Furtado
2014
- O Paraíso são os Outros, Porto Editora, ilustrações de Esgar Acelerado (*)
Prémios
e Reconhecimento
2007
- Prémio Literário José Saramago, com o livro o remorso de baltazar serapião atribuído pela Fundação Círculo de
Leitores, em Lisboa.
2010
- Pena de Camilo Castelo Branco no Famafest – Festival Internacional de Cinema
e Vídeo de Vila Nova de Famalicão
2012
- Grande Prémio Portugal Telecom de Literatura Melhor Romance do Ano, com o
livro a máquina de fazer espanhóis
2021
- Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores, com
a obra Contra Mim.
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