“Nasci
na Gabela, na terra do café. Da terra recebi a cor escura do café, vinda da
mãe, misturada ao branco defunto do meu pai, comerciante português. Trago em
mim o inconciliável e é este o meu motor. Num Universo de sim e não, branco ou
negro, eu represento o talvez. Talvez é não para quem quer ouvir sim e
significa sim para quem espera ouvir não. A culpa será minha se os homens
exigem a pureza e recusam as combinações? Sou eu que devo tornar-me em sim ou
em não? Ou são os homens que devem aceitar o talvez? Face a este problema
capital, as pessoas dividem-se aos meus olhos em dois grupos: os maniqueístas e
os outros. É bom esclarecer que raros são os outros, o Mundo é geralmente
maniqueísta”.
Pepetela
Artur
Carlos Maurício Pestana dos Santos, que assina sempre como Pepetela, nasceu em Benguela, em 29 de Outubro de 1941, numa
família com raízes entre os colonos de Angola, sendo os seus pais angolanos de
nascimento.
“Pepetela”
significa Pestana em umbundo (uma
língua banta falada pelos ovimbundos, povo originário das montanhas centrais de
Angola; é a língua banta mais falada no país, principalmente nas províncias
centrais do Bié, do Huambo e de Benguela).
Pepetela
realizou os primeiros estudos em Benguela, onde permaneceu até 1956, ano em que
partiu para Lubango, para completar o ensino secundário, no Liceu Diogo Cão. Em
1958, foi para Lisboa, com o objetivo de estudar no Instituto Superior Técnico,
mudando em 1960 para o curso de Letras na Universidade de Lisboa.
Em
Lisboa, integrou a Casa dos Estudantes do Império (CEI), uma instituição criada
pelo regime salazarista, em 1944, para albergar os vários estudantes das
colónias portuguesas que vinham estudar na metrópole, no intuito de fortalecer
a mentalidade imperial e o sentimento da portugalidade entre os estudantes das
colónias e que funcionava de maneira semelhante a uma república estudantil.
Contrariando os objetivos do regime, a CEI acabou por fomentar a ação política entre
os estudantes negros e mestiços presentes na metrópole, vindo alguns a formar o
Movimento Anticolonial (MAC), que se colocou num plano político de oposição
frontal ao regime colonial português e do qual saíram alguns dos fundadores e
dirigentes dos movimentos nacionalistas nas colónias portuguesas, como Agostinho
Neto (MPLA), Amílcar Cabral (PAIGC) ou Joaquim Chissano (FRELIMO). A CEI foi
fechada pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) a 6 de setembro
de 1965.
É
na Casa dos Estudantes do Império que Pepetela começa a sua trajetória política
e literária. Além de colaborar nas publicações da CEI, será um dos criadores do
Centro de Estudos Angolanos, o qual integra enquanto representante do MPLA.
Após
o início da luta armada de libertação em Angola, em 1961, seguiu para o exílio
em França e mais tarde na Argélia, onde terminará o curso de Sociologia.
Em
1975, após a independência de Angola, Pepetela regressa ao seu país, assumindo
o cargo de Vice-Ministro da Educação, sob a liderança do Presidente Agostinho
Neto. A partir de 1982, deixou de desempenhar cargos políticos e dedicou-se
quase em exclusivo à escrita, sendo também professor na Faculdade de Arquitetura
da Universidade Agostinho Neto em Luanda.
A
obra literária de Pepetela, que começou ainda nos tempos do exílio e da
guerrilha (embora a maior parte só seja publicada após o seu regresso a Angola),
reflete a história de Angola, tanto a mais distante, quanto a mais recente
trajetória social e política do país.
O
primeiro romance de Pepetela, As
Aventuras de Ngunga, foi publicado em 1972, e nele podemos acompanhar o
crescimento revolucionário de Ngunga, um jovem guerrilheiro do MPLA.
Entre
outros dos seus livros mais importantes encontramos Muana puó (de 1978, obra que analisa a situação angolana através da
metáfora das máscaras dos Côkwes, uma etnia de Angola); Mayombe (de 1980, uma narrativa da guerra pela independência, que retrata
as vidas e os pensamentos de um grupo de guerrilheiros, escrita a partir da experiência
do próprio autor); Iaka (de 1985, um
romance histórico que segue a vida de uma família colonial na cidade de
Benguela ao longo de um século).
Na
década de 1990, a obra de Pepetela continua a refletir o interesse na história
de Angola, mas também examina a situação política do país com um maior sentido
de ironia e criticismo. O seu primeiro romance da década, A geração da utopia (de 1992), mostra a realidade e a desilusão de
Angola pós-independência, quando a guerra civil e a corrupção no governo
levaram ao questionamento dos valores revolucionários.
Em
Parábola do cágado velho (1996), uma
história de amor num cenário de guerra, vista pelos olhos de um camponês,
Pepetela retoma o tema dos mitos e tradições angolanos. A gloriosa família (de 1997) é um romance histórico que examina a
história da família Van Dúnem, uma família proeminente de ascendência
holandesa.
Pepetela
atinge o auge de sua carreira literária em 1997, quando conquista, pela
totalidade de sua produção, o Prémio Camões, um dos mais prestigiados e
desejados pelos escritores de língua portuguesa. Pepetela foi o autor mais
jovem a receber este prémio, o primeiro angolano e o segundo africano a receber
esta distinção (depois do escritor moçambicano José Craveirinha, em 1991). Antes
disso, recebera o Prémio Nacional de Literatura de Angola pela obra Mayombe. Este reconhecimento consagra-o
como um nome significativo da literatura contemporânea em língua portuguesa.
O
primeiro livro que publicou nos 2000 foi A
Montanha de Água Lilás, de 2000, um livro para crianças que propõe uma
reflexão sobre o consumismo e a degradação do meio ambiente e comenta as raízes
da injustiça social.
A
obra de Pepetela nos anos 2000 critica a atual situação angolana, com textos
que contam com um estilo satírico e que incluem a série de romances policiais protagonizada
pelo detetive Jaime Bunda que
satirizam a vida em Luanda. As suas obras recentes também incluem Predadores (2005), uma crítica áspera das
classes dominantes de Angola; O Quase Fim
do Mundo (2008), uma alegoria pós-apocalíptica, num tempo em que a vida animal
desaparece da Terra, exceto num pequeno recanto do mundo que escapou à
hecatombe e se situa numa desgraçada zona da desgraçada África; e O Planalto e a Estepe (2009), a história real
de um amor impossível na Angola dos anos 60 aos nossos dias e que examina as
ligações entre Angola e outros países ex-comunistas.
Entre
as últimas obras publicadas por Pepetela, encontramos A Sul. O Sombreiro, de 2011, um grande romance de aventuras que nos
conduz a Angola dos séculos XVI e XVII, quando Portugal vivia sob o domínio
filipino; O Tímido e as Mulheres, de
2013, onde acompanhamos o tímido Heitor, um escritor em início de carreira, na
Luanda dos dias de hoje, uma narrativa original com um desfecho imprevisível,
que retrata os últimos vinte anos da história de Angola a partir da história de
dois órfãos vítimas da guerra que dependem do lixo dos restaurantes e se unem
para conseguirem subsistir.
Em
2018, no romance Sua Excelência de Corpo
Presente, vencedor do Prémio Literário Casino da Póvoa 2020, é pelas
memórias de um ditador africano (que, apesar de jazer morto num caixão num
enorme salão, aprisionado num corpo sem vida, vê, ouve e pensa, na posse das
suas faculdades intelectuais) que conhecemos o percurso que o levou a
presidente e os muitos anos como chefe de Estado e os meandros do poder
político, o nepotismo que o corrói e os vários abusos permitidos a quem o
detém.
A maior parte da obra de Pepetela faz parte do Plano Nacional de Leitura
Obras de Pepetela
(*) disponível na
biblioteca do ECB
Romances
1972 - As Aventuras de Ngunga (*)
1978 - Muana Puó (*)
1979
– Mayombe (*)
1985
- O Cão e os Caluandas (*)
1985
– Yaka (*)
1990
– Lueji (*)
1992
- Geração da Utopia (*)
1995
- O Desejo de Kianda (*)
1997
- Parábola do Cágado Velho (*)
1997
- A Gloriosa Família (*)
2000
- A Montanha da Água Lilás (*)
2001
- Jaime Bunda, Agente Secreto (*)
2003
- Jaime Bunda e a Morte do Americano (*)
2005
– Predadores (*)
2007
- O Terrorista de Berkeley, Califórnia (*)
2008
- O Quase Fim do Mundo (*)
2008
- Contos de Morte (*)
2009
- O Planalto e a Estepe (*)
2011
- A Sul. O Sombreiro (*)
2013
- O Tímido e as Mulheres (*)
2016
- Se o Passado Não Tivesse Asas (*)
2018
- Sua Excelência de Corpo Presente (*)
Peças
1978
- A Corda
1980
- A Revolta da Casa dos Ídolos
Crónicas
2011
- Crónicas com Fundo de Guerra (*)
2015
- Crónicas Maldispostas (*)
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