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quinta-feira, 1 de junho de 2017

Autor do mês de junho - Anne Frank



Anne Frank
20 de junho de 1942
Escrever um diário é uma experiência realmente estranha para uma pessoa como eu. Não só porque não escrevi nada antes, mas também porque me parece que, mais tarde, nem eu nem ninguém estará interessado nos devaneios de uma rapariga de treze anos. Oh, enfim, não importa. Apetece-me escrever e tenho uma necessidade ainda maior de desabafar todo o tipo de coisas.
No mês que começa com um dia dedicado à criança, queremos homenagear Anne Frank, a menina que se tornou um símbolo universal contra a intolerância, além de ter dado um "rosto" aos milhões de pessoas que morreram no Holocausto. Não chegando a ser uma verdadeira escritora (Anne morreu antes de completar os 16 anos e apenas nos deixou o seu Diário e alguns contos de fadas publicados na Holanda e na Alemanha como obra escrita), o testemunho pungente dos seus últimos anos de vida ainda hoje marca uma série de gerações e continua a ser uma leitura (quase) obrigatória nas escolas.

Annelies Marie Frank nasceu no dia 12 de junho de 1929, na cidade alemã de Frankfurt am Main, na República de Weimar, e morreu em fevereiro de 1945, no campo de concentração de Bergen-Belsen, vítima do Holocausto.
A vitória do Partido Nazi na Alemanha, em 1933, e a consequente ascensão de Hitler ao poder deram início a um programa político de perseguição e exclusão dos judeus na sociedade alemã.
Anne Frank, nascida no seio de uma família judia liberal, ou seja, que não seguia todos os costumes e tradições do judaísmo, vivendo numa comunidade de cidadãos judeus e de outras religiões, viu a sua vida ser radicalmente alterada em 1934, quando o pai, Otto Frank, um empresário na área da indústria alimentar, decide mudar toda a família para a cidade holandesa de Amesterdão. Após a invasão da Holanda pelos alemães, em 1940, o governo da ocupação começou a perseguir a população judaica, implementando leis restritivas e discriminatórias; o registo obrigatório e a segregação aconteceram logo de seguida.

Quando fez treze anos, Anne recebeu de presente do pai um livro de autógrafos, com uma estampa vermelha e branca e com um pequeno cadeado na parte da frente. Anne Frank, que desde pequena gostava de escrever, decidiu que iria usá-lo como diário.
“Espero poder confiar-te tudo, como nunca pude confiar em ninguém, e espero que venhas a ser uma grande fonte de conforto e apoio.”
Esta é a frase inscrita na primeira página do diário, no dia 12 de junho de 1942.



A partir de 20 de junho, cada entrada é iniciada por “Querida Kitty”, pois Anne quis que o diário, mais do que um registo de factos, fosse como uma amiga a quem contaria a sua história.
E é a partir das páginas desse diário, escrito entre 12 de junho de 1942 e 1 de agosto de 1944, que o mundo ficou a conhecer a história de Anne Frank, não só aspetos do seu quotidiano, mas também sobre as mudanças que ocorreram na cidade onde morava após a ocupação alemã dos Países Baixos.
Em 20 de junho de 1942, por exemplo, a menina que sonhava ser atriz, que adorava ver filmes, mas que foi proibida de o fazer quando os judeus deixaram de ter acesso a salas de cinema, enumera muitas das restrições que haviam sido colocadas sobre a vida da população judaica holandesa, que acabam por afetar a sua família também.
Entretanto, Anne e a sua irmã Margot (dois anos mais velha) foram proibidas de estudar nas escolas que frequentavam, tendo direito apenas a frequentar instituições próprias para judeus.
Em julho de 1942, Margot recebeu um aviso do Escritório Central de Emigração Judaica, ordenando que se mudasse imediatamente para um campo de trabalho. Otto Frank decidiu então esconder a família nuns quartos que existiam numa parte superior recuada das instalações da empresa familiar Opekta (o Anexo Secreto), dividindo-o com mais quatro pessoas: a família van Pels (van Daan no Diário) – a mãe Auguste, o pai Hermann, sócio de Otto Frank, e o filho Peter; e Fritz Pfeffer (Albert Dussel no Diário), um dentista judeu que Otto Frank decide albergar no anexo. A ajuda de alguns dos seus colaboradores de confiança permitiu-lhe continuar a dirigir a empresa e abastecer regularmente a família, apesar das restrições do racionamento.
O Achterhuis (a palavra neerlandesa que designa a parte de trás de uma casa, ou seja, anexo secreto) era um espaço de três andares, com entrada a partir dos escritórios da Opekta. Dois quartos pequenos, com uma casa de banho no primeiro andar, e por cima uma grande sala, com uma outra pequena ao lado. Nesta menor, havia uma escada que levava ao sótão. A porta do esconderijo foi coberta por uma estante para garantir que o lugar permanecesse desconhecido.
Durante a permanência no anexo, a maior parte do tempo de Anne foi gasta a ler, a ler muito, e a estudar, fazendo exercícios de matemática e traduções de francês, e sobretudo a escrever no seu diário.



Além de narrar os eventos do dia-a-dia, as dificuldades da vida em comum daquelas oito pessoas, escreveu sobre os seus sentimentos (por exemplo, por Peter van Pels, o jovem de 16 anos a quem dá o primeiro beijo), as suas crenças e ambições, coisas que não poderia discutir com ninguém. Ao mesmo tempo, ia acompanhando as notícias que chegavam sobre a Guerra e o destino dos judeus.
“Se as coisas estão tão más na Holanda, como será nesses locais distantes e incivilizados para os alemães os estão a mandar? Partimos do princípio de que a maioria está a ser assassinada. A rádio inglesa diz que estão a ser gaseados. Talvez seja a forma mais rápida de morrer. Sinto-me terrivelmente. Os relatos de Miep destes horrores são tão dilacerantes.” (9 de outubro de 1942)

Perto do fim da guerra, em 4 de agosto de 1944, o grupo foi traído em circunstâncias pouco claras e o anexo secreto foi assaltado pela polícia uniformizada alemã. A família Frank e os outros quatro ocupantes do anexo foram levados durante a noite para interrogatório, ficando numa casa de detenção, a Huis van Bewaring. Dois dias depois, foram transportados para Westerbork, campo de concentração de trânsito para judeus do norte da Holanda, onde já havia mais de 100 mil judeus, principalmente holandeses e alemães. Considerados criminosos por viverem clandestinamente, foram enviados para campos de concentração.
Em 3 de setembro de 1944, Anne e Margot foram deportadas para o campo de concentração de Auschwitz, ali permanecendo até 28 de outubro, quando foram levadas para o campo de Bergen-Belsen. O pai já tinha sido separado da família e a mãe, Edith Frank, não foi selecionada e ficou em Auschwitz, morrendo de fome e exaustão em janeiro de 1945.
Anne e Margot Frank morreram, provavelmente de tifo, em Bergen-Belsen, num dia desconhecido no final de fevereiro ou início de março de 1945. Em abril, o campo seria libertado pelas tropas britânicas.
Otto Frank foi o único sobrevivente entre os que habitavam o anexo. Regressou a Amesterdão e descobriu que o diário da filha, bem como fotografias da família e outros bens pessoais, tinham sido salvos por Miep Gies, uma das secretárias que trabalhava na empresa e uma das pessoas que ajudaram a família durante o tempo em que viveram escondidos no anexo.
Após muito esforço, em 1947 Otto conseguiu publicar o diário que é, desde então, um dos livros mais traduzidos do mundo e também dos mais polémicos, pois sabe-se que Otto retirou algumas partes do texto e provavelmente alterou outras deliberadamente, criando uma versão “editada” ou “autorizada” do diário da filha. Entre 1982 e 2001, foram publicadas as versões definitivas, reunindo os textos originais que continham “versões” manuscritas que a própria Anne Frank tinha escrito e que foram sendo descobertos ao longo dos anos.
Em 1959, foi lançado um filme sobre a vida de Anne Frank, com o título The Diary of Anne Frank. Aclamado pela crítica, foi vencedor de três Óscares.
Em 3 de maio de 1957, um grupo de cidadãos, incluindo Otto Frank, estabeleceram a Instituição Anne Frank, num esforço para resgatar o edifício Prinsengracht da demolição e torná-lo acessível ao público. A Casa de Anne Frank foi aberta em 3 de maio de 1960; é composta pelo armazém e os escritórios da Opekta e o Anexo Secreto, todos sem mobília para que os visitantes possam andar pelas várias divisões. Alguns objetos pessoais dos antigos ocupantes permaneceram, como fotografias de estrelas de cinema coladas por Anne Frank numa parede, noutra parede as marcas que Otto fazia do crescimento das filhas, além de um mapa onde gravou o avanço das Forças Aliadas da Segunda Guerra Mundial. A partir do quarto mais pequeno, que foi o quarto de Peter van Pels, uma passagem liga o edifício aos dos seus vizinhos, que foram comprados pela Instituição. Estes outros edifícios são usados para albergar o Diário, bem com exposições temporárias sobre aspetos do Holocausto e exemplos da intolerância racial no mundo. Em 2014, tornou-se uma das principais atrações turísticas de Amesterdão, recebendo mais de 1 milhão de visitantes. Desde então, o museu disponibiliza exposições que já viajaram para 32 países na Europa, Ásia, América do Sul e do Norte.

[Os excertos aqui transcritos foram retirados de
O Diário de Anne Frank, versão definitiva. Porto: Livros do Brasil/Porto Editora, 2015]

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