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quinta-feira, 7 de junho de 2018

A árvore generosa: um Tapete de Estórias


"Era uma vez uma árvore que amava um menino."

Todos os dias,
o menino subia o seu tronco,
balançava-se nos seus ramos,
comia as suas maçãs,
descansava à sua sombra
e a árvore sentia-se feliz.

Mas o tempo passou.
O menino cresceu...


O livro A árvore generosa, do escritor e ilustrador norte-americano Shel Silverstein, serviu de inspiração para o “Tapete de Estórias” produzido pelos alunos de Educação Especial do ECB.






Escrita em 1964, esta é a história de uma árvore e de um menino e da relação entre o homem e a natureza. A árvore oferece tudo a um menino, que ao crescer a deixa de lado, tornando-se um homem egoísta. Mas, para agradar ao menino que ama, a generosidade desta árvore não tem fim - ainda que isto signifique a sua própria destruição.

Através de uma narrativa muito sóbria, aliada a uma grande sensibilidade estética visível nas ilustrações de traço simples e preciso, o autor aborda questões fundamentais como o tempo, a morte, a vida, a relação amorosa e de amizade, tudo o que nos posiciona face aos outros e a nós próprios.


sexta-feira, 1 de junho de 2018

O nome dos meses – junho


A deusa Juno

Junho é o sexto mês do calendário gregoriano e tem 30 dias. O seu nome surgiu em homenagem à deusa romana Juno, irmã e mulher de Júpiter, filha de Saturno e de Reia, associada à deusa grega do amor e do casamento, Hera, mulher de Zeus.

Segundo a mitologia romana, Juno é a Deusa da Mulher, investida de algumas características associadas à feminilidade, adorada como Juno Lucina (a Deusa da Luz e, portanto, dos partos que trazem os recém-nascidos à luz do dia e por associação deusa da maternidade), Juno Caprotina (Deusa da Fecundidade) e Juno Pronubia (Deusa dos Casamentos e protetora das mulheres casadas, as matronas). O seu culto também aparece associado à cidade de Roma, da qual é protetora enquanto Juno Regina. Esta deusa conciliava, assim, a dupla função de soberania e de fecundidade, constituindo ”a representação divina da função social desempenhada em Roma pela matrona.” (in Dicionário cultural da mitologia greco-romana, dir. René Martin, Publicações Dom Quixote).

O calendário juliano foi criado por Júlio César no ano 46 a.C., na qualidade de pontífice máximo do Império Romano, tornando o calendário romano num calendário solar, alinhado pelas estações do ano, à semelhança do calendário egípcio.
Este era o calendário em uso no tempo da vida de Cristo e foi usado como base de cálculo da Páscoa pelos cristãos. No século IV, por ocasião do Concílio de Niceia, o Equinócio da Primavera ocorria por volta do dia 21 de Março. A partir do século XIII, as observações astronómicas e o cálculo da medida do ano solar mostraram que o Equinócio da Primavera ocorria vários dias antes dessa data, considerada fixa. A necessidade de correção e mudança suscitou longos debates durante cerca de três séculos. O calendário juliano foi oficialmente reformado em 1582, pelo papa Gregório XIII, dando origem ao calendário que temos hoje, o calendário gregoriano, progressivamente adotado por países onde a Igreja Católica era predominante. A Igreja Ortodoxa não aceitou esta mudança e ainda hoje, nos países onde esta confissão religiosa é maioritária, se mantém a diferença de 13 dias nos dois calendários.


Autor do mês de junho - Thomas Mann



A 6 de junho de 1875, nascia em Lübeck, cidade livre no norte do antigo Império Alemão, o escritor Thomas Mann, considerado um dos maiores romancistas do século XX e irmão mais novo do também romancista Heinrich Mann. Morreu em Zurique, a 12 de agosto de 1955.

Oriundo de uma família burguesa ligada ao comércio e à política, após a morte do pai, em 1892, quando Thomas Mann tinha 17 anos, a mãe mudou-se para Munique, cidade católica do sul da Alemanha. Em 1893, Thomas Mann começou a escrever alguns textos em prosa e artigos para a revista Der Frühlingssturm (“Tempestade de primavera”) da qual era co-editor. No ano seguinte, 1894, juntou-se à família em Munique, onde começou um estágio não remunerado numa sociedade de seguros, atividade que acabou por abandonar em 1895, tornando-se escritor livre. Entre 1896 e 1898, fez uma longa viagem a Itália, em visita ao seu irmão Heinrich Mann, e começou a trabalhar no manuscrito de Os Buddenbrook. De volta a Munique, tornou-se um dos editores do jornal satírico-humorístico Simplicissimus.

Em 1901, quando Thomas Mann tem 26 anos, é publicado é seu primeiro romance, Os Buddenbrook.
Publicado originalmente em dois volumes, as suas quase 600 páginas tinham levado o editor a sugerir a Mann que encurtasse o texto. Thomas Mann não concordou e o livro foi publicado na íntegra. Mais tarde, Thomas Mann dirá que julgava que o livro iria passar despercebido e seria possivelmente o fim da sua carreira literária. A realidade foi bem diferente: em 1903 uma segunda edição da obra catapulta Thomas Mann para o sucesso, tornando-se um dos escritores mais notáveis do século XX. Em 1929, a Academia Sueca atribuiu-lhe o Prémio Nobel da Literatura e, embora reconhecesse o valor do conjunto da obra já publicada pelo autor, admitiu que o romance Os Buddenbrook tinha sido a principal razão para a atribuição do prémio.

Durante a juventude e inícios da idade adulta, Thomas Mann teve várias paixões e relações com outros homens. Apesar disso, apaixonou-se por Katharina (Katia) Pringsheim, com quem casou em 1905. Deste casamento, nasceram seis filhos.

Em 1912, publica a novela Morte em Veneza, escrita durante uma estadia no Lido de Veneza e considerada a sua obra mais confessional.

Durante a Primeira Guerra Mundial, Thomas Mann entra em conflito com o irmão Heinrich Mann pois defende a entrada da Alemanha na guerra e a política do Kaiser Guilherme II, enquanto o irmão defende a causa da França. Thomas Mann chegou a penhorar a casa que possuía em Bad Tölz em 1917 a favor do esforço de guerra. A perspetiva de Thomas Mann ao longo deste período encontra-se sumariada no ensaio «Considerações de um Apolítico» (1918) e no romance Montanha Mágica, escrito entre 1912 e 1924.
Em 1922, teve lugar um acontecimento que alguns críticos literários consideram decisivo para a transformação política de Thomas Mann a favor da democracia e da República: o assassínio do ministro dos negócios estrangeiros de ascendência judaica, Walter Rathenau, numa ação desencadeada por elementos radicais ultra-nacionalistas.

Em 1933, após a chegada de Hitler ao poder, exilou-se na cidade suíça de Zurique, perdendo a nacionalidade alemã em 1936. Em 1938 mudou-se para os Estados Unidos, obtendo a nacionalidade norte-americana em 1944. O período do “mccarthismo” (a cruzada anticomunista promovida pelo Senador republicano Joseph McCarthy, caracterizada por uma acentuada perseguição e repressão política dos comunistas, ou suspeitos de o serem, assim como por uma campanha de medo quanto à sua influência deles nas instituições norte-americanas, ações também conhecidas como “caça à bruxas”) levou Thomas Mann a regressar à Suíça, vivendo em Kilchberg, próximo de Zurique, até à sua morte, em 1955. Encontra-se sepultado no Kilchberg Village Cemetery, Kilchberg, Zurique, Suíça.

Obras (*disponíveis na Biblioteca do ECB)
  • Der kleine Herr Friedemann (1898)
  • Os Buddenbrook (1901) (Buddenbrooks - Verfall einer Familie) *
  • Tonio Kröger (1903)
  • Sua Alteza Real (1909) (Königliche Hoheit)
  • A Morte em Veneza (1912) (Der Tod in Venedig) *
  • Betrachtungen eines Unpolitischen (Considerações de um apolítico) (1918)
  • The German Republic (1922) (Von deutscher Republik)
  • Montanha Mágica (1924) (Der Zauberberg) *
  • Unordnung und frühes Leid (1926)
  • Mário e o Mágico (1930)
  • José e os seus Irmãos (1933-1943) (Joseph und seine Brüder) *
  • As Histórias de Jacó (1933)
  • O Jovem José (1934)
  • José no Egito (1936)
  • José, o Provedor (1943)
  • Das Problem der Freiheit (1937)
  • Lotte in Weimar or The Beloved Returns (1939)
  • As Cabeças Trocadas (1940) (Die vertauschten Köpfe - Eine indische Legende) *
  • Doutor Fausto (1947) (Doktor Faustus) *
  • Der Erwählte (1951)
  • As Confissões do Félix Krull, Cavalheiro de Indústria (1922/1954) (Bekenntnisse des Hochstaplers Felix Krull. Der Memoiren erster Teil, não terminado)
  • O Cisne Negro (1954) (Die Betrogene: Erzählung) *




Os Buddenbrook
O romance Os Buddenbrook, publicado em 1901, é uma saga familiar de proporções épicas na qual começou a trabalhar em 1887 e que retrata, ao longo de quatro gerações, a progressiva decadência de uma família abastada protestante de comerciantes de cereais de Lübeck, ao mesmo tempo que lança um olhar penetrante e crítico sobre a burguesia alemã do século XIX.
Thomas Mann é considerado um romancista analítico, que descreve como poucos a tensão entre o caráter nórdico, protestante, frio e ascético (características típicas da sua Lübeck natal) e as personagens mais rústicas, simples, bonacheironas, das regiões católicas do sul, de onde se destaca o senhor "Permaneder", o paradigma do bávaro de Munique, em Os Buddenbrook. Thomas Mann viveu entre estes dois mundos: por um lado, a origem familiar e o ambiente da ética protestante de Lübeck, por outro, a voz interior e a influência da mãe, que o faziam interessar-se menos pelos negócios e mais pela literatura, influência que acabou por ser a dominante.
Thomas Mann via nos Buddenbrook um exemplo de uma família em decadência, em que os descendentes não saberiam levar avante o negócio que herdaram. Fortemente inspirado na história da sua própria família, o romance foi lido com especial interesse pelos habitantes de Lübeck que ali descobriram muitos traços de personalidades conhecidas. A publicação deste livro valeu a Thomas Mann uma reprimenda de um tio, que o acusou de ser um "pássaro que emporcalhou o próprio ninho".
Mais do que a crónica em torno da vida e dos costumes dos seus personagens, Os Buddenbrook é a metáfora exemplar das contradições e dilemas de uma classe, cujo poder e domínio se constroem sobre a fraude, a hipocrisia e a alienação. Ao mesmo tempo, como posteriormente acontecerá noutros romances, Thomas Mann propõe e desenvolve o tema da arte como a instância privilegiada em que o homem pode refletir sobre si, a sua época e o seu meio.

Sendo de uma leitura mais acessível do que grande parte da sua obra mais tardia (Montanha Mágica ou Doutor Fausto), Os Buddenbrook são já um exemplo das obsessões de Mann ao nível da escrita: a narrativa imaculada, um subtil tom irónico e as detalhadas descrições das personagens, num cruzamento entre a tradição realista do século XIX e o simbolismo do início do século XX.




Morte em Veneza
O romance Morte em Veneza foi escrito entre julho de 1911 e julho de 1912 e inicialmente publicado nos números de Outubro e Novembro de 1912 da revista alemã Die Neue Rundschau. Sob a forma de livro, é publicado em Fevereiro de 1913. Nesta obra, Thomas Mann apresenta uma escrita complexa e profunda, onde quase cada parágrafo pode ter várias leituras. Em contraponto, o enredo é praticamente inexistente: um homem de meia-idade, Gustav Aschenbach, viaja até Veneza, apaixona-se platonicamente por um jovem rapaz polaco, extremamente atraente, Tadzio,e morre sem sequer ter trocado uma palavra com ele.
Se, a uma primeira leitura, a homossexualidade se torna evidente, à medida que a narrativa prossegue, essa questão mostra-se secundária à análise da obra. Não foi esta a preocupação central do autor, visto que nem sequer houve contacto físico entre as personagens, estando o amor de Aschenbach por Tadzio no âmbito da idealização: a verdadeira atração mostra-se ser pela beleza e perfeição do rapaz, reflexo temporal da beleza eterna, como se Aschenbach buscasse na arte a forma física e a perfeição que gostaria de ter.
“Era mais belo do que é possível descrever-se e Aschenbach sentiu dolorosamente, como tantas vezes antes, que a palavra só pode enaltecer a beleza, não consegue reproduzi-la. [...] E recostado, com os braços pendentes, subjugado e percorrido por frequentes calafrios, murmurou num sussurro a fórmula eterna do desejo – impossível aqui, absurda, abjeta, ridícula e, contudo, sagrada e, apesar de tudo, venerável: "Amo-te!"




Montanha Mágica
Em 1924, Thomas Mann publica aquele que é considerado um dos romances mais influentes da literatura mundial do século XX, Montanha Mágica (no original em alemão Der Zauberberg). É um exemplo clássico da literatura que os alemães classificam como Bildungsroman (romance de desenvolvimento ou de formação).

A obra narra a visita que Hans Castorp, um jovem engenheiro naval alemão, de Hamburgo, faz ao primo Joachim Ziemssen que se encontra internado num sanatório destinado ao tratamento de doenças respiratórias localizado em Davos, nos Alpes suíços, pouco antes do começo da Primeira Guerra Mundial. Apesar de se dirigir ao sanatório apenas para a visita e para tratar uma anemia, Hans Castorp vai aos poucos mostrando sinais de que tem tuberculose pulmonar e acaba por prolongar a sua estadia por meses e anos, pois a sua saída vai sendo adiada por causa da doença.
Nesse período, Castorp, pouco a pouco, afasta-se da vida "na planície" e conquista o que chama” liberdade da vida normal”. Desliga-se do tempo, da carreira e da família e é atraído pela doença, pela introspeção e pela morte. Ao mesmo tempo, amadurece e trava contacto mais profundo com a política, a arte, a cultura, a religião, a filosofia, a fragilidade humana (incluindo a morte e o suicídio), o caráter subjetivo do tempo (um dos temas mais importantes da obra) e o amor.
O sanatório forma um microcosmo europeu. Os numerosos personagens do livro, muitos com descrições e reflexões detalhadas, são representações de tendências e pensamentos que predominavam na Europa antes da Primeira Guerra Mundial, conhecido como o período da Belle Epoque. Em particular os personagens Lodovico Settembrini (humanista e enciclopedista) e Leo Naphta (um jesuíta totalitário) representam, respetivamente, o contraste entre ideias liberais e conservadoras. Também se destacam o hedonista Mynheer Peeperkorn e Madame Clawdia Chauchat, por quem Castorp desenvolve um interesse romântico e sensual.
A subjetividade da passagem do tempo abordada por Mann reflete-se na estrutura do livro. A narrativa é ordenada cronologicamente, mas acelera ao longo do romance. Desse modo, os primeiros cinco capítulos relatam apenas o primeiro dos anos de Castorp no sanatório, em grande detalhe. Os restantes seis anos, marcados pela monotonia e pela rotina, são descritos nos últimos dois capítulos. Essa assimetria corresponde à própria perceção distorcida de Castorp quanto à passagem do tempo.
O final da narrativa coincide com o deflagrar da Grande Guerra e Castorp une-se às fileiras do exército. Apesar de assistirmos ao processo de amadurecimento do personagem ao longo do romance, não fica claro, no final, se ele conseguiu formar uma sólida individualidade: a sua última aparição será a de um soldado anónimo, entre milhares, num qualquer campo de batalha da Primeira Guerra Mundial.
Thomas Mann iniciou a escrita de Montanha Mágica em 1912, o mesmo ano em que a mulher, Katharina Mann, foi internada num sanatório de Davos, na Suíça, para se curar de uma tuberculose. O livro teria sido inspirado nesse episódio.
Em 1915, Thomas Mann interrompeu o trabalho no manuscrito, indeciso sobre o fim a dar ao romance. É deste período o conflito com o irmão Heinrich Mann, um apoiante da França e dos aliados, que desprezava o espírito filisteu, provinciano, totalitário, acrítico dos alemães e do Kaiser Guilherme II. Thomas Mann continuou a escrever Montanha Mágica em 1919, já depois da guerra. Terminaria o romance apenas em 1924, ano da publicação, influenciado também pela experiência da Alemanha durante a República de Weimar.



José e seus irmãos

José e seus irmãos (Joseph und seine Brüder) é um romance em quatro partes, escrito ao longo de cerca de 16 anos. Mann reelabora as histórias familiares do Génesis, de Jacob a José (capítulos 27-50), enquadrando-as no contexto histórico do Período Amarna. A tetralogia consiste em:
  • A história de Jacob, escrita entre dezembro de 1926 e outubro de 1930 (Genesis 27–36);
  • O jovem José, escrita entre janeiro de 1931 e Junho de 1932 (Genesis 37);
  • José no Egipto, escrita entre julho de 1932 e agosto de 1936 (Genesis 38–40);
  • José, o Provedor, escrita entre agosto de 1940 e janeiro de 1943 (Genesis 41–50).

Mann considerou-a a sua maior obra. Situou a história no século XIV a.C. e atribuiu ao faraó Akhenaton a designação de José como seu vice-regente.
Um tema dominante do romance é a exploração por Mann da posição da mitologia e da sua representação na mentalidade do final da Idade do Bronze no que se refere a verdades míticas e ao surgimento do monoteísmo. Os acontecimentos da história do Génesis são frequentemente associados e identificados com outros temas míticos.
Na obra, é nuclear a noção de mundo inferior e a mítica descida ao mundo inferior. A estada de Jacob na Mesopotâmia (escondendo-se da ira de Esaú) está em paralelo com a vida de José no Egito (exilado pelo ciúme dos seus irmãos) e, em menor escala, com o seu cativeiro no poço; estes são a seguir comparados à "descida ao inferno" de Inanna-Ishtar-Demeter, ao Mito de Tammuz da Mesopotâmia, ao cativeiro judaico na Babilónia, bem como à descida ao inferno de Jesus Cristo.

Doutor Fausto
A escrita do romance Doutor Fausto: A vida do compositor alemão Adrian Leverkühn, contada por um Amigo foi iniciada em 1943 e a obra publicada em 1947.
O romance retoma a lenda de Fausto no contexto da primeira metade do século XX e da convulsão da Alemanha naquele período. A história é centrada na vida e obra do compositor fictício Adrian Leverkühn. O narrador é Serenus Zeitblom, seu amigo de infância. Leverkühn escreve na Alemanha entre 1943 e 1946 (no contexto do ambiente cultural e político que levou à ascensão e queda dos nazis) e a sua ambição, apesar de uma inteligência e criatividade extraordinárias, leva-o a fazer um pacto faustiano para atingir o génio criativo: intencionalmente contrai a sífilis para aprofundar a sua inspiração artística. Posteriormente, é visitado por um ser mefistofélico que diz, com efeito, "que apenas tu me possas ver porque estás louco, não significa que eu realmente não existo", e, renunciando ao amor, negoceia a sua alma em troca de vinte e quatro anos de génio. A sua loucura – a sua inspiração demoníaca – leva-o a uma extraordinária criatividade musical.
Os últimos anos criativos de Leverkühn são cada vez mais assombrados pela sua obsessão com o Apocalipse e o Juízo Final. Sente o progresso inexorável da sua loucura de neuro-sifilítico que conduzirá à derrocada total. Como em algumas das lendas de Fausto, reúne os amigos mais próximos para que testemunhem o seu colapso final. Ao som da sua cantata, "A lamentação de Doutor Fausto", ele confessa enraivecido o seu pacto demoníaco, antes de se tornar incoerente. A sua loucura leva-o a um estado infantil, em que vive sob os cuidados dos seus parentes por mais de dez anos.

Podem encontrar-se nesta obra influências de grandes nomes da literatura alemã, como Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832, ele próprio autor do drama trágico Fausto, publicado em fragmento em 1790, depois numa primeira parte definitiva em 1808 e, por fim, numa segunda parte, em 1832, ano da sua morte) e Friedrich Nietzsche (desde a sua suposta contração de sífilis até ao seu colapso mental em 1889, proclamando o Anti-Cristo, e a sua morte em 1900, a vida de Nietzsche apresenta um exemplo célebre imitado em Leverkühn).
Para preparar este romance, Mann estudou musicologia e biografias dos grandes compositores (Mozart, Beethoven, Hector Berlioz, Hugo Wolf, Franz Schreker, Alban Berg) e entrou em contacto com compositores contemporâneos, incluindo Igor Stravinsky, Arnold Schoenberg e Hanns Eisler.
Através da reelaboração do mito de Fausto, Thomas Mann reflete as suas preocupações com temas como o orgulho, a tentação, o custo de ser grande, a perda de humanismo. Outra preocupação é a queda intelectual da Alemanha na época que antecedeu a Segunda Guerra Mundial. O estado de espírito e a ideologia do próprio Leverkühn imitam a mudança do humanismo para o niilismo irracional que se encontra na vida intelectual da Alemanha na década de 1930.



O cisne negro

Publicado pela primeira vez em 1953, O Cisne Negro é a última “longa novela” escrita por Thomas Mann. Conta a história de uma mulher viúva, Rosália von Tummler, que se apaixona por um jovem americano de vinte e quatro anos, Ken Keaton, professor de inglês dos filhos de Rosália, Ana e Eduardo. Thomas Mann retoma assim, em termos inovadores, o tema recorrente da mulher que se apaixona por alguém muito mais novo que ela, o drama de Jocasta e Fedra.
A cidade de Dusseldorf, nas margens do Rio Reno, serviu como cenário para a dramática história de uma viúva na pós-menopausa a quem é diagnosticado um tumor nos ovários e que toma por um regresso da juventude os sintomas do mal que a afeta. Em determinado momento do romance, a protagonista percebe sinais de rejuvenescimento em si mesma, notados através do retorno da menstruação, o que a faz acreditar no reaparecimento de sua mocidade lamentavelmente perdida:

Voltei a ser mulher, um ser completo, uma mulher que reencontrou as suas aptidões. É-me permitido, portanto, sentir-me digna da juventude viril que me enfeitiçou e perante ela já não tenho que baixar os olhos com um sentimento de impotência!

Em todo este drama, sobressai também a personagem Ana, filha de Rosália e que, por uma singularidade inversão de papéis, desempenha junto da mãe a função de conselheira e confidente.