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quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

1936 - O ano da morte de Ricardo Reis



Ricardo Reis nasceu no Porto, no dia 19 de setembro de 1887, estudou num colégio de jesuítas, formou-se em medicina e, por ser monárquico, expatriou-se espontaneamente em 1919, indo viver para o Brasil. Na sua biografia não consta a sua morte, no entanto, no seu livro O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago situou-a em 1936.

1936 é o ano em que o ambiente internacional se começou a degradar. A Grande Depressão e consequentes dificuldades económicas e sociais favorecem a irradiação do fascismo na Europa, ao mesmo tempo que se assiste à formação de governos de coligação de partidos de esquerda, como é o caso das Frentes Populares em Espanha e em França. A eclosão da Guerra Civil Espanhola será um prenúncio da II Guerra Mundial.

Os alunos do 12º D partiram destas primeiras ideias e pesquisaram sobre o que aconteceu no ano de 1936: da estreia do filme "Tempos Modernos", de Charlie Chaplin, à criação do Voskswagen na Alemanha de Hitler; da publicação do livro "E tudo o vento levou", da escritora norte-americana Margaret Mitchell, à viagem inaugural do zepelim Hiddenburg (que a 7 de setembro sobrevoou Lisboa); do assassinato de Federico García Lorca à remilitarização da Renânia pela Alemanha, muitos foram os acontecimentos que marcaram 1936, além dos que aparecem referidos na obra de Saramago: a fundação da Mocidade e da Legião Portuguesa, a conquista da Etiópia por Mussolini ou os Jogos Olímpicos de Berlim.

Da pesquisa efetuada pelos alunos nasceu uma Exposição de cartazes que pode ser visitada durante o mês de fevereiro na Biblioteca do ECB.


"Sábio é o que se contenta com o espectáculo do mundo"
Ricardo Reis







“… as notícias que estavam a vir de Espanha, sobre as eleições […], a direita tinha ganho em dezassete províncias, mas, contados os votos todos, viu-se que a esquerda elegera mais deputados que o centro e a direita juntos…” (José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, pp. 148-149)




“… duzentos e cinquenta mil soldados alemães estão prontos a ocupar a Renânia e […] uma força militar alemã penetrou há poucos dias em território checoslovaco…” (José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, p. 142)

“… por estes dias denunciou a Alemanha o pacto de Lucarno e ocupou a zona renana” (José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, p. 198)




“Agora o que vamos ter de mais certo é virem por aí abaixo outros tantos franceses, que já a esquerda de lá ganhou as eleições, e o socialista Blum declarou-se pronto a constituir governo de Frente Popular…” (José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, p. 291)




“O mundo, como destas amostras se pode concluir, não promete soberbas felicidades, agora foi Alcalá Zamora destituído da presidência da República e logo começou a correr o boato de que haverá um movimento popular em Espanha, se tal coisa lá fizerem, tristes dias estão guardados para muita gente.” (José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, p. 253)

“[…] Ricardo Reis deve ter sido o último habitante de Lisboa a saber que se dera um golpe militar em Espanha. […] O exército espanhol, guardião das virtudes da raça e da tradição, ia falar com a voz das suas armas, expulsaria os vendilhões do templo, restauraria o altar da pátria, restituiria à Espanha a imorredoira grandeza que alguns degenerados filhos haviam feito decair. […] O levantamento começou no Marrocos espanhol e […] é seu principal chefe o general Franco.” (José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, pp. 363-364)





“Porventura com vistas a essa aprendizagem se decretou a criação da Mocidade Portuguesa que, lá para Outubro, quando iniciar a sério os seus trabalhos, abrangerá, logo de entrada, cerca de duzentos mil rapazes, flor ou nata da nossa juventude, da qual […] há-de sair a elite que nos governará depois …” (José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, p. 355)




“… considere-se o exemplo dos italianos, que […] lá vão ganhando a sua guerra, ainda há poucos dias bombardearam a cidade de Harrar, voaram até lá os aviões e reduziram tudo a cinzas…” (José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, p. 253)

“As tropas de Badoglio preparam-se para retomar o avanço sobre Addis-Abeba…” (José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, p. 278)

“E terminou a guerra da Etiópia. Disse-o Mussolini do alto da varanda do palácio, Anuncio ao povo italiano e ao mundo que acabou a guerra, e a esta voz poderosa as multidões de Roma, de Nápoles, da Itália inteira, milhões de bocas, todos gritaram o nome do Duce […]” (José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, p. 292)






“Como amostra do que virá a ser a nossa juventude patriótica, irão a Berlim, já fardados, os representantes da MP, […] e assistirão aos Jogos Olímpicos, onde, escusado será dizê-lo, causarão impressão magnífica, estes belos e aprumados moços, orgulho da lusitana raça…“ (José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, p. 355)




“Viu ontem o balão, Qual balão, O zepelim, passou mesmo por cima do hotel, o gigantesco, adasmatórico dirigível, Graf Zeppelin, de nome e título do seu construtor, conde Zeppelin, general e aeronauta alemão, ei-lo a sobrevoar a cidade de Lisboa […] tão grande, […] e aquela cruz que leva atrás, Chamam-lhe gamada, ou suástica, […] o dirigível é alemão, e a suástica é hoje o emblema da Alemanha…” (José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, p. 278)

“[…] enquanto os ingleses protestam contra a passagem do dirigível Hindemburgo sobre fábricas e pontos estratégicos britânicos, o que se vai dizendo é que tudo parece indicar que a incorporação da Cidade Livre de Danzig no território alemão não virá longe.” (José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, p. 361)





“… lidos foram e tornados a ler estes dessangrados jornais de Lisboa, desde as notícias da primeira página, Eduardo VIII será o novo rei de Inglaterra…” (José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, p. 119)



Sábio é o que se contenta com o espectáculo do mundo

Sábio é o que se contenta com o espectáculo do mundo,
E ao beber nem recorda
Que já bebeu na vida,
Para quem tudo é novo
E imarcescível sempre.

Coroem-no pâmpanos. ou heras. ou rosas volúveis,
Ele sabe que a vida
Passa por ele e tanto
Corta a flor como a ele
De Átropos a tesoura.

Mas ele sabe fazer que a cor do vinho esconda isto,
Que o seu sabor orgíaco
Apague o gosto às horas,
Como a uma voz chorando
O passar das bacantes.

E ele espera, contente quase e bebedor tranquilo,
E apenas desejando
Num desejo mal tido
Que a abominável onda
O não molhe tão cedo.

19-6-1914
Odes de Ricardo Reis. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1946

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

David Mourão-Ferreira - Autor do mês de fevereiro



Considerado um dos maiores poetas portugueses do século XX, David Mourão-Ferreira nasceu em Lisboa, no dia 24 de fevereiro de 1927, e morreu na mesma cidade, a 16 de junho de 1996. Frequentou o Colégio Moderno e, em 1951, licenciou-se em Filologia Românica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Em 1958, tornou-se assistente da Faculdade de Letras e, entre 1963 e 1973, foi secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Autores.
Colaborou em diversos jornais e revistas, dos quais se destacam o Diário Popular e a revista Seara Nova, para além de ter sido um dos fundadores e diretores da revista literária Távola Redonda, na qual começou a sua atividade poética.
Segundo as suas próprias palavras, tinha “o ofício de escreviver”, expressão que inventou para condensar toda a existência: precisava de viver para escrever e de escrever para viver. Das múltiplas linguagens que experimentou, a poesia foi a que o tornou mais conhecido e reconhecido: apesar de ter explorado outras temáticas como a obsessão da morte e a angústia de existir, ficou o “poeta do amor – e da sensualidade” (tal como lhe chamou Vasco Graça Moura).

Quando alguns dos seus poemas começaram a ser cantados por Amália Rodrigues (poemas como Sombra, Maria Lisboa, Anda o Sol na Minha Rua Nome de Rua, Fado Peniche e sobretudo Barco Negro, entre outros), não foi de imediato bem aceite, nem pelos puristas do Fado, nem pelos da Literatura: afinal, dois géneros que ainda não se tinham (aparentemente….) encontrado. Mais tarde, esta parceria entre David Mourão-Ferreira e Amália tornou-os aos dois grandes perante o público.

Depois do 25 de Abril de 1974, seria diretor do jornal A Capital e diretor-adjunto de O Dia.
No governo, desempenhou o cargo de Secretário de Estado da Cultura (entre 1976 e 1979). Em 1977, assinou o despacho que criou a Companhia Nacional de Bailado.
Foi autor de alguns programas de televisão de que se destacam "Imagens da Poesia Europeia", para a RTP.
Em 1981, foi condecorado com o grau de Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada. Em 1996, recebeu a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada e foi-lhe atribuído o Prémio de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores.

Poeta, novelista, contista, dramaturgo, ensaísta, cronista, tradutor, crítico literário, apenas em 1986 publicou o primeiro e único romance, Um amor feliz, que rapidamente se transformou num best-seller e com o qual ganhou o Prémio de Narrativa do Pen Clube Português, o Prémio D. Dinis, o Prémio de Ficção Município de Lisboa e o Grande Prémio de Romance da Associação Portuguesa de Escritores.


O romance é construído em volta de dois homens, com um percurso de vida semelhante, gostos comuns e uma estreita cumplicidade: Fernão e David, diferentes e iguais, duplos um do outro. Fernão, escultor de 55 anos (personagem construída no atelier do amigo escultor Francisco Simões, autor de algumas das capas de várias edições do livro), protagonista e ao mesmo tempo narrador da história, evoca a sua relação adúltera com uma jovem de 35 anos, Y, nome-grafismo encontrado por analogia com a postura da amante, nua com os braços estirados para trás; David, professor de literatura, crítico literário, compositor de letras de alguns fados de Amália, o autor, e que vive também uma relação adúltera. Ficção e realidade misturam-se, na busca de um ideal feminino, na ilusão de um amor feliz.
Um dia depois de ter terminado o romance, escrevia assim Mourão-Ferreira: “Um Amor Feliz: um cântico de amor e de paixão erótica; uma sátira política a certa nova sociedade portuguesa; um romance do romance em que se vêem acareados o narrador e o autor; um ajuste de contas comigo mesmo.”

Em 2005 é celebrado um protocolo entre a Universidade de Bari e o Instituto Camões, decidindo abrir naquela cidade o Centro Studi Lusofoni - Cátedra David Mourão-Ferreira que tem como objetivo o estudo da obra de David Mourão-Ferreira, assim como a divulgação da língua portuguesa e das culturas lusófonas. É também este Centro que promove o Prémio Europa David Mourão-Ferreira.
Em 2005, a Câmara Municipal de Lisboa homenageou o escritor dando o seu nome a uma avenida no Alto do Lumiar.
Obra

(*) No catálogo da Biblioteca do ECB

Poesia
1950 - A Viagem
1954 - Tempestade de Verão (Prémio Delfim Guimarães)
1958 - Os Quatro Cantos do Tempo
1961 - Maria Lisboa
1962 - In Meae
1962 - ou A Arte de Amar
1966 - Do Tempo ao Coração
1967 - A Arte de Amar (reunião de obras anteriores)
1969 - Lira de Bolso
1971 - Cancioneiro de Natal (Prémio Nacional de Poesia)
1973 - Matura Idade
1974 - Sonetos do Cativo
1976 - As Lições do Fogo (*)
1980 - Obra Poética (inclui À Guitarra e À Viola e Órfico Ofício)
1893 - Antologia Poética (*)
1985 - Os Ramos e os Remos
1988 - Obra Poética, 1948-1988 (*)
1994 - Música de Cama (antologia erótica com um livro inédito)
1954 - letra para Amália Rodrigues " Barco Negro"

Ficção narrativa
1959 - Gaivotas em Terra (*) (Novelas, Prémio Ricardo Malheiros)
1968 - Os Amantes (contos)
1978 - Maria Antónia e Outras Mulheres : contos escolhidos (*)
1980 - As Quatro Estações (Prémio Associação Internacional dos Críticos Literários)
1986 - Um Amor Feliz (Romance)
1987 - Duas Histórias de Lisboa

Outras
1961 - Aspectos da obra de M. Teixeira Gomes
1979 - Portugal a terra e o homem II 1ª série : antologia de textos de escritores do século XX (*)
1988 - O irmão : peça em 2 actos (*)