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sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Dia 24 do Advento - A noite de Natal

 

A história de uma menina que vivia sozinha e que um dia encontrou um amigo. Na noite de Natal, descobriu que ele era o Menino Jesus.

Sophia de Mello Breyner Andresen - A Noite de Natal. Porto: Figueirinhas, ilustrações de Júlio Resende.

Era uma vez uma menina rica, chamada Joana. Apesar de ser rica, Joana era uma menina solitária e não tinha amigos com quem brincar. Um dia, viu passar um rapaz pobre e Joana teve a certeza que aquele era o seu amigo. Tinha cara disso. Vestia calças remendadas e os seus olhos brilhavam. Pensou que seria um amigo perfeito e… ficaram amigos!

Na noite de Natal, a consoada em casa de Joana é cheia de abundância e alegria. Contudo, a menina lembra-se do seu amigo Manuel, que não receberia presentes nem teria uma mesa farta nessa noite tão especial. Mas o Natal é para todos e Joana decidiu, por isso, ir ter com ele. Levou todos os presentes que tinha recebido e pôs-se a caminho.

Quando chegou ao pinhal, percebeu que não sabia onde ficava a cabana onde Manuel vivia. Mas olhou para o céu, viu uma estrela e resolveu segui-la. Pouco depois, encontrou Três Reis do Oriente, Melchior, Gaspar e Baltasar, que também seguiam aquela estrela.

Quando chegaram à cabana, viram Manuel deitado nas palhas, aconchegado por uma vaca e por um burro. Joana e os Três Reis Magos ajoelharam-se e deixaram os presentes.

Guiada por uma estrela, Joana descobre que, nessa noite, afinal Manuel teve Natal. O Natal verdadeiro.



Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu no Porto, a 6 de novembro de 1919, e morreu em Lisboa, a 2 de Julho de 2004. Foi a primeira mulher portuguesa a receber o mais importante galardão literário da língua portuguesa, o Prémio Camões, em 1999. Foram-lhe concedidas honras de Estado e os seus restos mortais foram trasladados para o Panteão Nacional, em 2014.

Além de escritora, Sophia distinguiu-se também pela sua atitude interventiva, tendo denunciado ativamente o regime salazarista e os seus seguidores. Apoiou a candidatura do general Humberto Delgado e fez parte dos movimentos católicos contra o Estado Novo. Ficou célebre como canção de intervenção dos Católicos Progressistas a sua "Cantata da Paz", também conhecida e chamada pelo seu refrão: "Vemos, Ouvimos e Lemos. Não podemos ignorar!".

Em 1975, após o 25 de Abril, foi eleita para a Assembleia Constituinte.

Sophia de Mello Breyner Andresen fez-se poeta ainda na infância, depois de, com apenas três anos, a sua ama Laura lhe ter ensinado "A Nau Catrineta".

Começou a escrever poesia aos 12 anos, e aos 25 (em 1944), lançou o seu primeiro livro – Poesia.

A sua obra, que se divide essencialmente entre a poesia e a literatura infantil, está traduzida em várias línguas e foi várias vezes premiada, tendo recebido, entre outros, o Prémio Camões 1999 e o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana – a primeira vez que um português venceu este prestigiado galardão. Distinguiu-se também como autora de peças de teatro e de ensaios.

Sophia de Mello Breyner Andresen faleceu aos 84 anos, no dia 2 de Julho de 2004, em Lisboa. A 2 de julho de 2014, o seu corpo foi transladado para o Panteão Nacional – foi a segunda mulher lá sepultada (a primeira foi a fadista Amália Rodrigues).

Para rever o que publicámos por ocasião do centenário do nascimento de Sophia de Mello Breyner Andresen, em novembro de 2019, consulte

https://bibliotecaecb.blogspot.com/2019/11/novembro-o-mes-de-sophia.html

https://bibliotecaecb.blogspot.com/2019/11/exposicao-biobibliografica-o-mes-de.html






quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Dia 23 do Advento - 2 histórias de Natal

 


Duas histórias de Alice Vieira, com belíssimas ilustrações de João Caetano, para ler com os mais pequenos (e que os graúdos também vão gostar de ler) neste Natal.

Mistérios de Natal – Uma criança não quer acreditar que o Pai Natal não existe, como os pais lhe querem fazer crer.

“Quando o despertador tocou, a casa inteira parecia ainda adormecida. Lavínia sentou-se na cama e, de repente, lembrou-se que o Natal estava à porta.

– Meu Deus, exclamou, tanta coisa para fazer e eu aqui deitada!

Não tardaria a ver a Mãe chegar a pedir-lhe o pequeno-almoço, ou o Pai a resmungar porque queria ter ficado mais tempo na cama. «Adultos...», pensou, «é preciso ter muita paciência com eles...»

A Mãe andava agora com aquela mania de que o Pai Natal não existia!

Lavínia sorrira, e cheia de boa vontade lá lhe explicara que isso era mentira, que ela não devia acreditar em tudo o que lhe diziam no emprego.”

A primeira prenda do Pai Natal – Um Pai Natal que acha que também tem direito a receber presentes.

“O Pai Natal acordou muito cedo. Olhou para o lado: a Mãe Natal ainda dormia. Levantou-se com muito cuidado (se ela acordava de repente ficava impossível de aturar) e, em bicos de pés, foi até à porta da rua. Abriu-a muito devagar e lançou os olhos, ainda vagamente piscos de sono, pela imensidão gelada à sua frente. Neve, neve e nada mais além de neve. Uma brancura que até fazia arder a vista.

– Ainda não é desta … – murmurou desanimado.

Voltou a fechar a porta e sentiu-se muito cansado.

– Mas por que é que, em todo o mundo, só eu é que não tenho direito a receber um presente de Natal? – murmurou [o Pai Natal], olhando a lista que a Mãe Natal lhe tinha deixado em cima da mesa, para que não se esquecesse de nada.

Até ela, até ela tinha direito à sua prenda. Durante muitos anos, limitara-se a pedir «umas luvas de lã, pois tenho sempre as mãos enregeladas». Mas ao fim de tantos anos já não havia gavetas que chegassem para guardar as luvas – e as mãos continuavam enregeladas …”



Alice Vieira, considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil, nasceu em Lisboa, no dia 20 de março de 1943. Define-se profissionalmente como jornalista, mas tornou-se conhecida pela publicação de livros infanto-juvenis.

Orienta regularmente oficinas de escrita criativa e desloca-se quase diariamente a escolas e bibliotecas de todo o país – e também de países onde os seus livros estão traduzidos.

As suas obras, muitas das quais constam da lista do Plano Nacional de Leitura, foram traduzidas para várias línguas, como o alemão, o búlgaro, o espanhol, o galego, o catalão, o francês, o húngaro, o holandês, o russo, o italiano, o chinês, o servo-croata e o coreano.

Alice Vieira nunca quis ser escritora. Mas desde pequena que dizia que queria ser jornalista. Começou a escrever porque a filha disse que já não tinha mais livros para ler. Em 1979, no Ano Internacional da Criança, a editora Caminho promoveu um concurso para o melhor texto para crianças e jovens desse ano. Alice Vieira enviou Rosa, Minha Irmã Rosa e ganhou o “Prémio de Literatura do Ano Internacional da Criança”. Foi o seu primeiro livro. Como referiu numa entrevista, “a partir daí nunca mais teve sossego”.

Desde esse primeiro livro, tem escrito sobretudo literatura infanto-juvenil, com mais de 50 títulos publicados. Ultimamente tem-se também dedicado à literatura para adultos: livros de crónicas, romance histórico, biografias e poesia. Participou ainda, com mais seis autores, em romances coletivos como Novos Mistérios de Sintra, O Código de Avintes, Eça Agora, 13 Gotas ao Deitar e, mais recentemente, A Misteriosa Mulher da Ópera.

Entre os Prémios que recebeu, destacam-se o Prémio Calouste Gulbenkian (1983); o Grande Prémio Gulbenkian (1984); o Prix Octogone (2000); o Prémio Maria Amália Vaz de Carvalho (2007); a Estrela de Prata do Prémio Peter Pan (2010). Em 2016, recebeu, no Brasil, da Fundação Nacional para o Livro Infantil e Juvenil, o Prémio pelo Melhor livro em língua portuguesa editado naquele país.

A 7 de Março de 1997, recebeu das mãos do Senhor Presidente da República Jorge Sampaio a Comenda da Ordem do Mérito. A 17 de Novembro de 2020, foi feita Grande-Oficial da Ordem da Instrução Pública pelo Senhor Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa.


quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Dia 22 do Advento - O natal na quinta

 

“Pela primeira vez na sua vida, Filipa decidira que seria ela mesma a fazer todos os presentes de Natal que iria oferecer naquele ano. Por um lado, era uma boa forma de economizar dinheiro; por outro, achava que um presente feito pelo próprio tem sempre um valor especial para quem o recebe e também para quem o dá.”

Maria Teresa Maia Gonzalez – O natal na quinta. Prior Velho: Paulinas, 2011.

Uma situação familiar inesperada obriga a família dos irmãos Filipa, Tomás e Salvador a deixar Lisboa e a ir viver para uma quinta no norte do país. A Quinta de São Francisco, onde vivem a avó Matilde e a tia-avó Luísa, acolhe-os, e, na sua simplicidade, proporciona-lhes algumas aventuras e experiências, que partilham com os amigos Teresa, Joca, o cão pastor César, e a gata Nina.

O tempo do Advento e do Natal tornam-se, para eles, mais marcantes e enriquecedores nesta nova vida longe da cidade. Assim, o Natal irá assumir um significado diferente para os três jovens, que, pela primeira vez, se envolvem em atividades que refletem o verdadeiro sentido desta quadra festiva. Num clima de solidariedade e dinamismo, cada um fará as suas aprendizagens, reconhecendo que o valor dos afetos e dos gestos está muito para além do que é meramente material.


Maria Teresa Maia Gonzalez nasceu em Coimbra, em 1958. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, Variante de Estudos Franceses e Ingleses, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, entre 1982 e 1997, foi professora de Português, Inglês e Francês no ensino básico e secundário, mantendo um contacto direto com o público infanto-juvenil, o público-alvo da maioria do seu trabalho literário.

Iniciou a sua carreira literária em 1989, quando ainda era professora, mas muito cedo sentiu despertar o gosto pelas histórias ouvidas e lidas em família. Com cerca de 9 anos de idade começou a sentir o gosto pela escrita, escrevendo poemas e histórias com regularidade.

Da sua obra constam, sobretudo, romances juvenis, sendo também da sua autoria histórias infantis, fábulas, poesia, contos, crónicas, ficção para adultos e uma coleção juvenil de peças de teatro.

São temáticas recorrentes nos seus livros os direitos das crianças e dos adolescentes, a espiritualidade e os problemas da adolescência, nomeadamente, a solidão, as perdas, a depressão, os conflitos familiares, as dependências químicas, a violência em meio escolar, a violência doméstica, a sexualidade e a afetividade. Vê o livro destinado aos mais novos como veículo promotor dos valores humanos, sobretudo o respeito pelo indivíduo e pela Natureza, a paz, a saúde, a harmoniosa convivência entre gerações e culturas diversas, e a espiritualidade.

Tem vários livros editados, nomeadamente, Gaspar & Mariana, A Fonte dos Segredos, O Guarda da Praia, O Incendiário Misterioso, Histórias com Jesus, A Cruz Vazia, A Lua de Joana (provavelmente o seu maior sucesso editorial).

Além da coleção «O Espírito da Quinta», é também autora das coleções «Profissão Adolescente», «A Minha Família e Eu», «Amigos Naturais», e »O Clube das Chaves» (esta em co-autoria com Maria do Rosário Pedreira).

Recentemente, começou a escrever a coleção «Um Palco na Escola«, peças de teatro para serem representadas nas escolas, e que já começaram a ser levadas a cena.

Maria Teresa Maia Gonzalez faz parte do restrito grupo de autores com mais de um milhão de livros vendidos em Portugal. Os seus livros são um sucesso entre os mais jovens e ganhou vários prémios de literatura.

Em 2016, 2017, 2018 e 2019, foi candidata ao prémio literário sueco Astrid Lindgren (ALMA), prémio que distingue a literatura e ilustração para a infância e a promoção da leitura.

Foi a autora portuguesa nomeada para o Prémio Ibero-Americano de Literatura Infantojuvenil, em 2017.

Várias dezenas de títulos de Maria Teresa Maia Gonzalez constam do Plano Nacional de Leitura e muitos excertos dos seus livros constam de manuais escolares para os vários níveis de ensino, sobretudo dos 2º e 3º Ciclos.




terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Dia 21 do Advento - Camila celebra o Natal

 


“E ainda falta muito para o Natal? – pergunta a Camila, ansiosa.

Não, filha, não falta muito. São só mais alguns dias.”

Quando o Natal se aproxima, esta é, sem dúvida, uma das perguntas que mais ouvimos às crianças.

Tal como em muitas outras histórias desta coleção, destinada a crianças a partir dos 3 anos, em Camila celebra o Natal encontramos o retrato de situações comuns do dia-a-dia de uma criança desta faixa etária – os medos e as inseguranças, as alegrias e as tristezas, as “birras” e as travessuras, os jogos e as brincadeiras – e a protagonista, a adorável Camila, reúne, também ela, todas as características habituais de uma menina dessa idade – a inocência e a imaginação, a alegria e a “traquinice”, a doçura e a teimosia, a curiosidade e a ousadia...

Camila celebra o Natal traz de volta a sensação de ser criança nesta época tão especial do imaginário e do calendário cristão.

Conhecida principalmente pela coleção Camila, Aline de Pétigny é autora, ilustradora e editora, autodidata e mãe de quatro filhos. Nasceu em França, Cholet, em 1963, e começou a escrever muito cedo, contando já com mais de cem obras publicadas, com mais de 4 milhões de exemplares vendidos em todo o mundo, traduzidos em 24 idiomas e presentes em 80 países. Nos seus livros para crianças, cuja aparente simplicidade não deve nos fazer esquecer a profundidade, em alguns dos grandes mistérios da vida, procura transmitir uma perspetiva confiante e otimista da vida, sem nunca esquecer as surpresas que ela traz, nem sempre agradáveis, mas necessárias.

Além de contos e romances, Aline de Pétigny está na origem de muitos jogos, contos filosóficos e álbuns ilustrados.


segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Dia 20 do Advento - Seda


“Corria o ano de 1861. Flaubert escrevia Salammbô, a iluminação eléctrica ainda não passava de uma hipótese e Abraham Lincoln, do outro lado do oceano, combatia uma guerra da qual nunca chegaria a ver o fim. /Hervé Joncour tinha 32 anos. /Comprava e vendia. /Bichos-da-seda.”

Alessandro Baricco – Seda. Miraflores: Difel, 1998. Traduzido do italiano por Simonetta Neto.

1861. Hervé Joucour vive com a sua mulher Hèlene em Lavilledieu, cidade francesa cuja economia floresce, em meados do século XIX, com o negócio da seda. Hervé Joucour comprava e vendia bichos-da-seda quando estes consistiam ainda em minúsculos ovos. Para adquirir os ovos dos bichos-da-seda, deslocava-se para além do Mediterrâneo, à Síria e ao Egito. Partia todos os anos no início de janeiro e regressava no primeiro domingo de abril. Trabalhava mais duas semanas para confecionar os ovos e vendê-los. O resto do ano descansava.

Quando uma epidemia ataca a produção europeia de ovos de bichos-da-seda, a Hervé é confiada uma perigosa e demorada viagem ao Japão, a milhares de quilómetros da cidade de Lavilledieu.

Chegado a esse país distante e desconhecido, muito fechado a viajantes e a qualquer influência ocidental, Joncour é acolhido no palácio do nobre Hara Kei, amante de pássaros e líder implacável, que se faz sempre acompanhar por uma jovem concubina que irá abalar todas as crenças, ideais e sentimentos de Hervé Joucour. Entre os dois vai surgir um envolvimento secreto, que se desenrola – quase sem palavras – ao longo de subsequentes viagens ao Japão.

Uma mistura de romance, conto, fábula e relato de aventura, Seda é a história de um homem que mergulha num universo de mistério, onde vive uma paixão proibida. Mas é, acima de tudo, um livro a respeito de sensações, descritas na prosa ao mesmo tempo concisa e lírica de um dos mais importantes escritores italianos.

Nesta curta e belíssima narrativa, Alessandro Baricco apresenta-nos um «tecido de silêncios, de gestos quase simbólicos, que encobrem uma paixão vulcânica», uma dramática, dolorosa e comovente história de amor.


Alessandro Baricco nasceu em Turim, em 1958, e a sua estreia na literatura deu-se em 1991, com o romance Castelos de Raiva.

A criação literária de Baricco é bastante diversificada, abrangendo peças de teatro, ensaios, coletâneas de artigos, entre outros.

Seda foi o seu primeiro grande sucesso internacional, traduzido para várias línguas. No entanto, o maior reconhecimento de Alessandro Baricco surgiu com a adaptação do seu monólogo teatral Novecento, de 1994, para o filme A Lenda de 1900, dirigido por Giuseppe Tornatore.



Em Portugal, estão editadas as seguintes obras de Alessandro Baricco:

  • Castelos de Raiva, Difel, 1996
  • Oceano Mar, Difel, 1998
  • City, Difel, 2000
  • Next, Edições fim de Século, 2003
  • Sem SangueDom Quixote, 2003
  • Novecentos, Difel, 2006
  • Esta História, Dom Quixote, 2008
  • A jovem noiva, Quetzal Editores, 2016
  • Histórias Inesquecíveis 2, Nuvem de Letras, 2016






domingo, 19 de dezembro de 2021

Dia 19 do Advento - O doente inglês


“Morremos albergando em nós uma míriade de amantes e de tribos, de sabores que provámos, de corpos como rios de sabedoria onde mergulhámos e nadámos contra a correnteza, de personalidades como árvores a que trepámos, de medos como grutas onde nos escondemos. Quero tudo isto marcado no meu corpo quando morrer. Acredito nesta cartografia – quando é a natureza que nos marca, em lugar de apenas inscrevermos o nosso nome num mapa, como os nomes dos ricos nas fachadas dos edifícios. Somos histórias colectivas, livros colectivos. Não somos escravos nem monogâmicos nos nossos gostos ou experiências. Eu só desejava caminhar por uma terra assim, onde não existem mapas. /Levei Katharine Clifton até ao deserto, onde se abre o livro colectivo do luar. Estávamos no meio do rumor das nascentes. No palácio dos ventos.”

Michael Ondaatje – O doente inglês. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1996. Tradução de Ana Luísa Faria.

No final da Segunda Guerra Mundial, reúnem-se numa villa italiana transformada em hospital de campanha quatro pessoas: uma jovem enfermeira a quem a guerra arrebatou a família e os sonhos, Hana, que concentra todas as energias no seu último doente moribundo, um irreconhecível aviador inglês, com o corpo queimado, Almasy, o «paciente inglês», que, afinal, é um aristocrata húngaro, sobrevivente de um desastre de avião, cujo espírito navega à deriva numa vida de segredos e paixões; Caravaggio, um ladrão e aventureiro italo-canadiano de mãos estropiadas e cujos «talentos» o transformam em herói de guerra, e numa das suas vítimas; e um jovem sikh ao serviço do exército britânico, Kip, cujo trabalho é a neutralização de bombas, a quem três anos de guerra ensinaram que «a única coisa segura é ele próprio».

É nesta atmosfera fora do mundo, que cada um se vai revelando pouco a pouco aos outros, à medida que os ecos da guerra se esbatem na distância. Numa sucessão de cenas pungentes, desfiam-se histórias do presente e do passado, que ora nos levam ao Saara, ora aos campos de Inglaterra, às ruas de Londres durante os bombardeamentos, aos hospitais de campanha italianos, ou aos jardins e aos quartos arruinados da villa. O mais misterioso é aquele homem queimado, ligado à enfermeira por um estranho vínculo, que é ao mesmo tempo um enigma e uma provocação para os que o rodeiam e que arrasta consigo a história e a paixão por um fantasma, ou antes, a memória de uma mulher perdida, Katharine. As suas recordações de traição, dor e salvação iluminam a narrativa como estilhaços de luz.

Com estas histórias, Michael Ondaatje tece uma complexa tapeçaria de imagens e emoções, reminiscências e apontamentos: os itinerários e os factos de quatro vidas diferentes, surpreendidas, transformadas e doravante ligadas pelas brutais e imprevisíveis circunstâncias da guerra.

Em 1992, O Doente Inglês ganhou o Man Booker Prize, o mais prestigiado prémio literário inglês. No comunicado do júri, pelas palavras de uma das juradas, Kamila Shamsie, diz-se "O Doente Inglês é o raro livro que sentimos sob a nossa pele e insiste que voltemos a ele uma e outra vez, sempre com uma nova surpresa. Move-se sem dificuldades entre o épico e o íntimo — num momento estamos perante a vastidão do deserto e noutro a assistir a uma enfermeira colocar um pedaço de ameixa na boca do paciente".

Em 2018, este livro obteve o Golden Man Booker, considerado como o melhor prémio Man Booker Prize dos últimos 50 anos. Depois de o júri ter selecionado um livro por década entre os que haviam vencido o prémio no passado, o público votou no seu preferido.

O livro foi editado pela primeira vez em Portugal pelas Publicações Dom Quixote, em 1996, coincidindo com o ano de lançamento do filme com o título “O Paciente Inglês”, do realizador inglês Anthony Minghella. 

Esta adaptação cinematográfica contou com a interpretação de Ralph Fiennes (no papel de Almasy), Juliette Binoche (no papel de Hana), Willem Dafoe (no papel de Caravaggio), Naveen Andrews (no papel de Kip) e Kristin Scott Thomas (no papel de Katharine), e que venceu nove de 12 Óscares para os quais esteve nomeado, incluindo Melhor Filme (Saul Zaentz), Melhor Realizador (Anthony Minghella), Melhor Atriz Secundária (Juliette Binoche) e Melhor Fotografia (John Seale).

Michael Ondaatje


 
Escritor de nacionalidade canadiana, Michael Ondaatje nasceu a 12 de setembro de 1943, no Ceilão. De raízes familiares holandesas e indianas, estudou em Colombo até 1954, quando se mudou com a mãe para Inglaterra. Fez os estudos secundários em Londres e, em 1962, mudou-se para a cidade de Toronto, Canadá. Licenciado em 1967 pela Queen's University de Ontário, deu início a uma carreira como professor universitário e adotou a cidadania canadiana.

Estreou-se como escritor em 1967, ao publicar uma coletânea de poemas intitulada The Dainty Monsters. Em 1976, publicou o seu primeiro romance, Coming Through Slaughter, no qual contava a história de um músico de jazz da Nova Orleães dos Anos 30. A obra, vencedora de um prémio literário, foi seguida por Running In The Family (1982), obra de caráter autobiográfico, e por In The Skin Of A Lion (1987), em que Ondaatje procede a uma reflexão sobre o fenómeno da imigração. Em 1992, Ondaatje publicou a obra que se veio a tornar a mais conhecida, The English Patient (O Doente Inglês).

Em Portugal, estão editadas as obras

  • O Fantasma de Anil, Publicações Dom Quixote, 2002
  • Divisadero, Porto Editora, 2009
  • A Luz da Guerra, Relógio D'Água, 2018
  • A Mesa dos Gatos-Pingados, Relógio D'Água, 2019



sábado, 18 de dezembro de 2021

Dia 18 do Advento - Gloria in Excelsis: Histórias portuguesas de Natal


«Possa este conjunto proporcionar aos leitores o prazer e as surpresas que eu mesmo tive ao reler e organizar sequencialmente textos em que eu nunca tinha pensado na perspetiva de uma antologia», (Vasco Graça Moura no prefácio desta antologia)

Gloria in Excelsis: Histórias portuguesas de Natal. Organização de Vasco Graça Moura. Porto: Edição Público, 2003

Nesta antologia, encontramos vinte e oito contos sobre o Natal, escritos por autores portugueses dos séculos XIX e XX, organizados, selecionados e apresentados pelo poeta Vasco Graça Moura.

«[…] podem agora ser traçadas algumas das grandes linhas que caracterizam a história ou o conto de Natal na nossa literatura de ficção: a festividade religiosa (do presépio à missa do Galo) e a sua paralela celebração secular e jubilante quase sempre no plano da família; o contraste mais ou menos chocante entre Graça e desgraça, ou entre grupos e condições sociais; o regresso de alguém que, regra geral, estava ausente havia muito; a evocação do tempo e das vivências do passado; a reconciliação entre os homens; por vezes o sofrimento, a tragédia ou a violência numa quadra que não deveria comportá-los; quase sempre a ruralidade do meio em que a acção decorre (nesta colectânea, todavia, com algumas excepções nítidas); como cenário de fundo, é frequente a contraposição do mau tempo (chuva, frio, neve, ventania) a um ambiente aconchegado e familiar.» (Do Prefácio).

Como é, então, o Natal português? Numa entrevista publicada no jornal Público por altura da primeira edição desta coletânea, em 2003 (patrocinada por este jornal, revertendo parte das vendas para Ajuda de Berço, associação que apoia crianças até aos 3 anos em situações de risco, abandono e exclusão social), Vasco Graça Moura explica que os autores portugueses são "sobretudo sensíveis a um certo clima social, em que convergem a crença, as tradições, a afectividade, as coordenadas culturais ligadas à quadra do Natal, a própria ideia de paz entre os homens que hoje não é necessariamente um valor de matriz religiosa". E diz também que se deparou com algumas surpresas – a principal das quais foi verificar que quase todos os grandes nomes da ficção portuguesa não deixaram de escrever sobre o Natal.

Vasco Graça Moura selecionou textos de José Maria de Andrade Ferreira, Ramalho Ortigão, Eça de Queirós, D. João da Câmara, Abel Botelho, Fialho de Almeida, Raul Brandão, Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro, Vitorino Nemésio, José Régio, José Rodrigues Miguéis, Domingos Monteiro, Miguel Torga, Manuel da Fonseca, Jorge de Sena, Maria Judite de Carvalho, Natália Nunes, José Saramago, Urbano Tavares Rodrigues, Alexandre O'Neill, Altino do Tojal e José Eduardo Agualusa.


Vasco Graça Moura


Poeta, romancista, ensaísta, tradutor, Vasco Graça Moura nasceu na Foz do Douro, Porto, em janeiro de 1942, e morreu em Lisboa, em abril de 2014. Figura incontornável da vida cultural portuguesa, destacou-se também por uma forte intervenção política: foi secretário de Estado de dois Governos provisórios a seguir ao 25 de abril de 1974, desempenhou funções diretivas na RTP, na Imprensa Nacional, na Comissão para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses e na Fundação Casa de Mateus, foi comissário-geral de Portugal para a Exposição Universal de Sevilha e diretor do Serviço de Bibliotecas e Apoio à Leitura da Fundação Calouste Gulbenkian.

Juntamente com António Mega Ferreira, foi o autor da proposta de realização da Exposição Mundial de 1998 em Lisboa, que seria considerada pelo Bureau International de Expositions uma das melhores exposições internacionais de sempre.

Em 1999, foi eleito deputado ao Parlamento Europeu.

Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, exerceu advocacia entre 1966 e 1983, após o que enveredou definitivamente pela carreira literária, que o haveria de confirmar como um nome central da literatura portuguesa da segunda metade século XX e um dos maiores defensores da língua portuguesa.

Considerado um dos maiores, se não o maior, poeta português contemporâneo, Vasco Graça Moura publicou uma vastíssima obra poética, ensaística e ficcional, e foi um nobilíssimo tradutor e divulgador das literaturas clássicas.

Dos títulos deste autor, podemos salientar os romances Quatro Últimas Canções (1987) e Meu Amor Era de Noite (2001), os livros de poesia Uma Carta no Inverno, que lhe valeu o prémio da APE, e Poemas com Pessoas (ambos de 1997). Foi ainda autor de três ensaios sobre Camões: Luís de Camões: Alguns Desafios (1980), Camões e a Divina Proporção (1985) e Sobre Camões, Gândavo e Outras Personagens (2000).

A sua tradução de A Divina Comédia, de Dante, valeu-lhe em 1995 o Prémio Pessoa, e, em 1998, a medalha de ouro da Comuna de Florença.

Recebeu ainda o Prémio de Poesia do Pen Club (1997), o Grande Prémio de Poesia da APE (1997) e o Grande Prémio de Romance e Novela APE/IPLB (2004). Em 2007 foi galardoado com o Prémio Vergílio Ferreira e com o prémio de poesia Max Jacob Étranger.

Em Janeiro de 2012, Vasco Graça Moura foi nomeado para a presidência da Fundação Centro Cultural de Belém, substituindo António Mega Ferreira, mantendo-se no cargo até à sua morte, a 27 de Abril de 2014. 

Na biblioteca do ECB, encontram-se disponíveis as seguintes obras de Vasco Graça Moura:

Poesia: 1997-2000 (2002)

Alfreda ou a quimera (romance, 2008)

Por detrás da magnólia (romance, 2008)

As botas do sargento (conto infantil inspirado na obra de Paula Rego, 2008)

Os Lusíadas para gente nova (2012)

A identidade cultural europeia (2013)


sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Dia 17 do Advento - O meu irmão


"[...] dou-lhe a mão porque sei que também tem os seus medos e talvez pense o que eu penso e quem sabe sinta as mesmas saudades. Com certeza sente as mesmas saudades. Somos parecidos de modos diferentes e, dadas as circunstâncias, esta parecença é surpreendente. Como o sangue nos pode juntar e afastas no mesmo movimento."

Afonso Reis Cabral - O meu irmão. Alfragide: Leya, 2014.

Esta é a história de Miguel, de 40 anos, que nasceu com síndrome de Downou trissomia do cromossoma 21, e do irmão, um ano mais velho, professor universitário da área da Literatura, divorciado e misantropo, e cujo nome nunca saberemos (quanto à idade, percebemos que tem apenas um ano de diferença do irmão). Após a morte dos pais, confronta-se com a questão de saber com quem fica Miguel, surpreendendo (e até certo ponto aliviando) a família, ao chamar a si a grande responsabilidade. A recordação do afeto e da cumplicidade que ambos partilharam na infância leva-o a acreditar que a nova situação acabará por resgatá-lo da aridez em que se transformou a sua vida e redimi-lo da culpa por tantos anos de afastamento.

Numa casa de família, situada no Tojal, uma pequena aldeia de xisto do interior de Portugal, "perto de Arouca e longe de tudo o resto"que faz parte do país deserto que ninguém sabe nem ninguém prevê como um dia será repovoado, assistimos à rememoração da vida em comum destes dois irmãos, incluindo o estranho episódio que ameaçou de forma dramática o seu relacionamento.

Por vezes a narrativa é inundada pelo mundo interior do narrador, dilacerado por aquele irmão tão imprevisível, tão obsessivo e por vezes tão terno. É uma relação em eterna construção, o narrador procura fazer-nos entender o sofrimento de Miguel ao dar-nos uma síntese do seu sofrimento, preso na sua condição, sofrimento de criança porque é a alma que sofre.

Apenas no final do segundo capítulo o leitor percebe a especial condição de Miguel

«Depois de entrar segurando a minha mão, olha para mim e abre um sorriso nos olhos meia-lua, entre constrangido e alegre. Range os dentes de felicidade ou susto ou não sei o quê./Senta-se no sofá levantando o pó. A barriga enrola-se em dois altos encostados um ao outro. Os dedos simulam um estalido quase imperceptível; repletos de calos, têm o mesmo comprimento. As orelhas diminutas sobressaem no cabelo curto. A camisola justa ao pescoço e as mangas reviradas. Os olhos denunciam o aspecto estrangeiro. Não se consegue controlar, mexe-se com ansiedade./Apesar de parecer uma criança envergonhada de dez anos a mexer os dedos e a fazer salamaleques, é bem o meu irmão, na casa dos quarenta, um pouco para o gordo e, claro, mongolóide.» (p. 20).

O Meu Irmão, vencedor por unanimidade do Prémio LeYa 2014, é um romance notável e de grande maturidade literária que, tratando o tema sensível da deficiência, não cede ao sentimentalismo, oferecendo-nos um retrato social objetivo e muitas vezes até impiedoso.

«Eu nascera inteligente e perfeito, ele nascera inimputável e incompleto. Sendo irmãos, não podíamos ter nascido em lados tão diferentes da vida e, no entanto, um de nós conquistara o centro de vida e outro não. O Miguel abdicara de todos os dons antes de nascer e por isso conquistara o paraíso na terra e Deus guiava-o pela mão, aceitando o que ele oferecia. Crescera anjo ferido, na expressão do nosso pai. E eu acrescento: crescera anjo ferido e não sabia disso. Bastava-lhe existir para existir bem, em paz.» (p. 172).

Afonso Reis Cabral nasceu em Lisboa, em 1990, e cresceu no Porto. Escreve desde os 9 anos e em 2005 publicou o livro Condensação, no qual reuniu poemas escritos até aos 15 anos. Licenciou-se em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (tendo recebido o Prémio Mérito e Excelência atribuído ao melhor aluno do curso), fez mestrado na mesma área e tem uma pós-graduação em Escrita de Ficção.

Publicou textos em diversos periódicos. Em 2008 ficou em 8.º lugar no 7th European Student Competition in Ancient Greek Language and Literature, entre mais de 3500 concorrentes de 551 escolas europeias e mexicanas.

Sempre se imaginou a trabalhar na área editorial. Ainda estudante, recebeu uma proposta de trabalho da Editorial Presença, onde seria coordenador do departamento de revisão, orientando trabalhos e distribuindo revisões para os revisores freelancers. Mais tarde, uma oportunidade de emprego na editora Alêtheia permitiu-lhe passar pelas várias fases do processo de edição, revisão, comunicação e até produção.

Em 2014, publicou o primeiro romance, O meu irmão, com o qual venceu o prémio LeYa, sendo o mais jovem autor de sempre na história deste galardão.

Em setembro de 2018, foi publicado o seu segundo romance, Pão de Açúcar, sobre o Caso Gisberta, livro com que, em 2019, venceu o Prémio Literário José Saramago de 2019.

Em setembro de 2019, publicou Leva-me Contigo, livro que descreve a viagem que durante vinte e quatro dias empreendeu sozinho Portugal, a pé, pela mítica Estrada Nacional 2, de Chaves a Faro, onde se cruzou com inúmeras histórias inusitadas que foi partilhando nas redes sociais.



O romance Pão de Açúcar foi inspirado no caso de Gisberta Salce Júnior, a mulher transgénero, originária do Brasil, que em fevereiro de 2006 foi agredida durante vários dias e depois morta por um grupo de rapazes, com idades entre os 12 e os 16 anos, num prédio inacabado do Porto.

O seu fim, no fundo de um poço num edifício abandonado no Porto – conhecido como Pão de Açúcar – despertou a atenção do país. Tanto pela identidade complexa de Gisberta, como pelas circunstâncias da morte, a história chocou e revoltou quem a ouviu ou leu. São os Bombeiros Sapadores do Porto que resgatam do poço de um prédio abandonado um corpo com marcas de agressões e nu da cintura para baixo.

Pão de Açúcar é uma combinação magistral de factos e ficção, com personagens reais e imaginárias meticulosamente desenhadas, que confirma o talento e a maturidade literária deste jovem escritor.




quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Dia 16 do Advento - Contos de Natal

 

Embrenhei-me neste assombroso livrinho para acordar o espírito de uma ideia. Que ele não ponha o leitor de mal consigo, com os outros, com o tempo ou comigo. Que ele invada agradavelmente a sua casa e que ninguém sinta o desejo de o pôr de lado. O vosso amigo e servo fiel, C. D. (dezembro de 1843)

Do prefácio do autor a O Natal do Sr. Scrooge

Charles Dickens - Contos de NatalPorto: Edição Público, 2002. Tradução de Lucília Filipe.

Contos de Natal, de Charles Dickens, reúne algumas das melhores histórias que associamos a esta época. Em particular, o título Um Conto de Natal ou O Natal do Sr. Scrooge remete-nos de imediato para a visita dos três espíritos ao velho avarento Ebenezer Scrooge. Escrito em 1843, este conto tem sido muitas vezes recriado em produções ficcionais. Inúmeras vezes adaptado ao teatro, cinema e televisão, poucos serão aqueles que ainda não ouviram falar do fantasma do Natal Passado, do fantasma do Natal Presente, do Fantasma do Natal Futuro e do velho avarento que é visitado por estes espíritos que lhe transmitirão o verdadeiro sentido do Natal.

Este é talvez o mais conhecido conto de Natal e um dos mais conhecidos contos da literatura universal. Nele, todo o sortilégio do Natal é tratado na prosa de um dos melhores escritores sociais de todos os tempos, aquele que foi talvez quem melhor soube apreender e transmitir o espírito do Natal!

Nesta edição, encontramos também o conto Os Sinos de Ano Novo – uma história de duendes sobre uns sinos, que repicavam pela saída do ano velho e pela entrada do ano novo.



Charles Dickens nasceu a 7 de fevereiro de 1812, em Landport, na ilha de Portsea, no sul de Inglaterra, e morreu em Higham, no condado de Kent, sudeste de Inglaterra, a 9 de junho de 1870. É considerado o mais popular dos romancistas ingleses da era vitoriana e contribuiu em grande parte para a introdução da crítica social na literatura de ficção inglesa.

Educado pela mãe, que lhe ensinava diariamente inglês e latim, Charles Dickens passava muito do seu tempo a ler infindavelmente — e, com especial devoção, as novelas picarescas de Tobias Smollett e Henry Fielding. Entre os livros da sua infância, encontravam-se também obras de Daniel Defoe, Oliver Goldsmith, bem como Dom Quixote, do espanhol Miguel de Cervantes, Gil Blas, do francês Alain-René Lesage, e As Mil e uma noites.

Aos 12 anos, numa altura em que a família passava por sérias dificuldades (o pai chegou a estar preso por dívidas), começou a trabalhar numa fábrica que produzia graxa para os sapatos com betume, consistindo o seu trabalho em colar rótulos nos frascos de graxa. Desta experiência, surgiu-lhe um dos temas que mais desenvolveu nos seus romances, o das más condições de trabalho da classe operária inglesa (presente, por exemplo, em Tempos Difíceis, de 1854).

Quando deixou a fábrica, Dickens foi trabalhar para um escritório de advogados. Não gostou do trabalho nos tribunais e começou a colaborar com jornais como cronista judicial e, depois, fazendo relatos dos debates parlamentares e cobrindo as campanhas eleitorais pela Grã-Bretanha fora.

Em 1833, com 21 anos, Charles Dickens enviou para o Monthly Magazine uma pequena crónica, sem assinatura. Um mês mais tarde, verificou que o seu texto fora publicado e era lido por muita gente.

O sucesso levou-o a redigir uma série de crónicas em linguagem leve e fácil, narrando factos reais e fictícios da classe média londrina. Estas crónicas, publicadas no Morning Chronicle, o jornal londrino de maior circulação na época, eram assinadas com o pseudónimo "Boz". Em 1835 publica Esboço de Boz, em dois volumes.

Em 1836, Charles Dickens publicou The Pickwick Papers (Os Cadernos de Pickwick ou As aventuras extraordinárias do Sr. Pickwick, nas edições portuguesas). Esta publicação, apresentada sob a forma de folhetim, revelou-se um êxito literário, o que constituiu um marco na sua carreira, pois conquistou o reconhecimento do público.

Em 1838, na sequência do sucesso anterior, apresentou para publicação o romance Oliver Twist. Considerado o mais sinistro de todos, nele descreve os infortúnios de um rapaz que mora num orfanato e trabalha numa fábrica, e onde, pela primeira vez, chama a atenção para os males sociais da era vitoriana.

Em 1843, publicava o seu mais famoso livro de Natal, A Christmas Carol (Conto de Natal), e, em 1950, a sua obra-prima David Copperfield, livro que transmite uma poderosa experiência humana e, mais uma vez, combate as instituições inglesas: os maus tratos dispensados às crianças nas escolas, as condições dos operários e a humilhação do encarceramento por dívidas (talvez por isso seja considerado o mais autobiográfico dos seus romances).

Charles Dickens morreu em 1870, na sequência de um acidente vascular cerebral, em Higham, Inglaterra. Está sepultado na Abadia de Westminster, junto de outros ilustres escritores ingleses. Na sua lápide, encontra-se escrito: “Apoiante dos pobres, dos que sofrem e dos oprimidos, com a sua morte, um dos maiores escritores da Inglaterra desapareceria para o mundo".


quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Dia 15 do Advento - A Louca da Casa

 

"Regressamos assim à imaginação. A essa louca às vezes fascinante e às vezes furiosa que mora no sótão. Ser romancista é conviver harmoniosamente com a louca de cima. É não ter medo de visitar todos os mundos possíveis e alguns impossíveis.”

Rosa Montero – A Louca da Casa. Alfragide: Edições Asa, 2004. Traduzido do espanhol por Helena Pitta.

Em A Louca da Casa, um livro algures entre o romance, a autobiografia e o ensaio, Rosa Montero apresenta-nos um tratado sobre a imaginação. Misturando literatura e vida, nesta obra que é considerada a mais pessoal da autora, seguimos numa viagem através das suas recordações mais secretas, mas também do misterioso universo da fantasia e da criação artística rumo ao mais profundo do seu ser, num jogo narrativo cheio de surpresas.

“Um livro sobre a fantasia e os sonhos, a loucura e a paixão, os medos e as dúvidas dos escritores – mas também de cada um de nós –, A Louca da Casa é, sobretudo, a tórrida história de amor que existe entre Rosa Montero e a sua própria imaginação.” – lemos na contracapa deste livro.

De Sherazade à Segunda Guerra Mundial, passando pela paixão amorosa e pela Peste Negra, ao mesmo tempo que partilha com o leitor um pouco das suas memórias pessoais, Rosa Montero traça um panorama da imaginação e das possibilidades do uso da palavra escrita, analisando as reviravoltas que a criatividade pode dar na nossa vida. Dessa aventura, nasce este livro inesquecível para todos aqueles que amam boas histórias.

“[…] falar de literatura é falar da vida; da vida própria e da vida dos outros, da felicidade e da dor. E é também falar do amor, porque a paixão é a maior invenção das nossas existências inventadas, a sombra de uma sombra, o adormecido que sonha que está a sonhar.”

E assim descobrimos, por exemplo, que Goethe adulava os poderosos, que Tolstoi era um energúmeno, que Rosa, ela própria, em criança, se julgava anã, e que, com vinte e três anos, manteve um extravagante e arrebatador romance com um ator famoso. Todavia, não devemos fiar-nos por completo em tudo o que a autora conta sobre si mesma: as recordações não são sempre o que parecem.

“[…] inventamos para nós as nossas lembranças, que é o mesmo que dizer que nos inventamos a nós mesmos, porque a nossa identidade reside na memória, no relato da nossa biografia.”

A Louca da Casa é uma história de amor e de salvação entre Rosa Montero e o seu imaginário, um livro sobre a fantasia e os sonhos, a loucura e a paixão, os medos e as dúvidas dos escritores, mas também dos leitores. É uma homenagem à imaginação e à literatura como uma das suas máximas expressões, uma ode aos romances, às boas histórias e aos escritores, estas criaturas abrasadas pela imaginação, que se arriscam na furiosa labuta de recriar a vida, matéria mágica e estilhaçada, com as suas palavras e personagens.

Porque a imaginação, a “louca da casa”, como lhe chamou Santa Teresa de Jesus, é uma luz que nasce dentro de todos nós. Na infância, a imaginação guia-nos e ilumina os nossos dias, o nosso quotidiano é povoado pelo fantástico e todo o impossível é plausível. Porém, à medida que vamos crescendo, a sensatez vai apagando a nossa imaginação, perdemos o olhar múltiplo, mágico, que nos eleva acima da realidade óbvia, da vida monumental, diz Rosa Montero. Todos aqueles que criam precisam de manter a sua ingenuidade infantil, guardar a sua criança viva dentro de si.


Rosa Montero nasceu em Madrid, em 1951. Aos cinco anos foi-lhe diagnosticada uma tuberculose e até aos nove anos esteve retida em casa. Foi nesse período que começou a ler e a escrever. Quando se curou, regressou à escola para frequentar o instituto Beatriz Galindo em Madrid. Em 1968, com 17 anos, entrou na faculdade de filosofia, curso que abandonou no ano seguinte para estudar jornalismo. Concluiu ainda o curso de psicologia pela Universidade Complutense de Madrid.

Em 1970, começou a escrever alguns artigos no diário Informaciones, de Alicante, seguindo-se uma colaboração na revista Tele-Radio e em diversos órgãos da Imprensa. A partir de 1976, passou a trabalhar exclusivamente para o diário espanhol El Pais e, dois anos depois, ganhou o prémio Mundo de entrevistas, área onde se especializou. Recebeu ainda o Prémio Nacional de Jornalismo (1980) e o Prémio da Associação da Imprensa de Madrid, por toda a sua vida profissional (2005). Hoje continua a colaborar com o jornal El País como colunista.

Em 1999, ganhou o Primeiro Prémio Literário e de Jornalismo Gabriel García Marquez do Instituto La Laguna de Madrid em reconhecimento pelo seu trabalho no El Pais.

Realizou o sonho de se tornar escritora, em 1979, com o lançamento do seu primeiro romance Crónica del desamor.

Foi professora convidada em universidades Americanas, onde ensinou escrita criativa, e recebeu uma bolsa para dar conferências na Universidade de Belfast no Reino Unido. Ensinou também literatura e jornalismo na escola de Letras e na escola Contemporânea de Humanidades, ambas em Madrid. Tem dado palestras em aberturas de cursos de Pós-graduação e cerimónias em várias universidades, como em Salamanca, na Complutense e na Carlos III. É presença assídua nas Correntes d’Escritas, na Póvoa do Varzim.

Com A Louca da Casa recebeu o Prémio Grinzane Cavour de literatura estrangeira e o Prémio Qué Leer para o melhor livro espanhol, distinção que também foi atribuída, em 2006, a História do Rei Transparente. A Ridícula Ideia de Não Voltar a Ver-te viria a ganhar o Prémio da Crítica de Madrid 2014.

Recebeu, já em 2017, e pelo conjunto da sua obra, o Prémio Nacional das Letras Espanholas, galardão que o júri fundamentou com a «sua longa trajetória no romance, jornalismo e ensaio».

Desde a morte de Pablo Lizcano, seu companheiro durante 21 anos, em 2009, Rosa Montero passa alguns meses por ano num condomínio em Cascais, Portugal.


Na biblioteca do ECB, encontram-se as seguintes obras desta autora:

A filha do canibal, 1998


Ramón, homem aparentemente pacato casado com Lúcia Romero há mais de dez anos (mais por hábito do que por amor), é vítima de um sequestro. Lúcia é uma mulher de quarenta anos, a quem a vida já magoou, mas que nem por isso perdeu o implacável sentido de humor - à boa maneira do detetive do policial negro. Mas este romance transcende exuberantemente os cânones do policial clássico: o percurso da heroína é antes uma deriva que a conduz à descoberta de verdades insuspeitadas. Adrián, um jovem de vinte e um anos, e Félix, um anarquista octogenário, acompanham-na no desvendar do mistério. Todos três constituem um triângulo que confere substância a três idades da vida, encenando o drama em que se joga o obscuro sentido da passagem do tempo. A Filha do Canibal foi agraciado com o Prémio Primavera Narrativa de 1997.



Amantes e inimigos, 1999

Uma coletânea de contos sobre o amor e sobre as relações amorosas, nem sempre fáceis, nem sempre possíveis. “O amor é uma mentira, mas funciona”. É com esta frase que Rosa Montero termina o último conto numa obra onde ressaltam os seus notáveis dotes de contadora de histórias. É esta frase também que, para a autora, melhor resume toda a obra. Plena de momentos narrativos brilhantes vistos através da moldura da relação a dois, esse obscuro lugar da dor e do prazer onde cabem o desejo carnal, a paixão, o desespero, a felicidade e a amargura.


Paixões: amores e desamores que mudaram a história, 2000

Através de dezoito histórias publicadas inicialmente no jornal El País e mais tarde revistas para esta edição, Rosa Montero dá-nos a conhecer histórias de amor de grande intensidade vividas por casais famosos como Marco António e Cleópatra, Oscar Wilde e Alfred Douglas ou Arthur Rimbaud e Paul Verlaine. Será eterno o amor? Existirá a paixão perfeita? Será perigoso amar? Esta obra não dá resposta a questões tão profundas, mas contribui para a reflexão acerca de um dos temas que mais tem preocupado o ser humano desde o princípio dos tempos.


História do rei transparente, 2006

Uma viagem a uma Idade Média desconhecida, quando, no século XII, as cruzadas, torneios e guerras ocupam os homens. Leola, uma camponesa adolescente, despe um guerreiro morto num campo de batalha e veste as suas roupas para se proteger sob um disfarce viril e sobreviver num mundo de homens. Assim começa o vertiginoso e emocionante relato da sua vida, cheia de perigos, com amigos e inimigos, no meio de cortes, damas e condes, combates e torneios, numa peripécia existencial que não é apenas de Leola mas também nossa, porque este romance de aventuras com ingredientes de fantástico fala-nos, na verdade, do mundo atual e do que todos nós somos.