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terça-feira, 14 de novembro de 2017

Sugestão de leitura: "Prisioneiros da Geografia", de Tim Marshall




Prisioneiros da Geografia, de Tim Marshall (Editora Desassossego, chancela do grupo Saída de Emergência, 2017)


Tim Marshall
Em julho de 2017, foi publicada em Portugal a obra Prisioneiros da Geografia, do britânico Tim Marshall, jornalista e especialista em relações internacionais. O subtítulo, Dez mapas que lhe revelam tudo o que precisa de saber sobre política internacional, deixa entrever parte do que será exposto ao longo de 240 páginas.
“A terra em que vivemos sempre nos moldou. Moldou as guerras, o poder, a política e o desenvolvimento social dos povos que, hoje, habitam quase todo o planeta. A tecnologia pode parecer ultrapassar as distâncias, tanto no espaço mental como no físico, mas é fácil esquecer que a terra onde vivemos, trabalhamos e criamos os nossos filhos tem uma importância crucial e que as escolhas daqueles que lideram os sete milhões de habitantes deste planeta serão, em certa medida, sempre influenciadas pelos rios, montanhas, desertos, lagos e mares que nos rodeiam a todos – como sempre o foram.” (p. 11)
Nascido em 1959, na cidade inglesa de Leeds, ex-editor de diplomacia na Sky News e antigo colaborador da BBC, Tim Marshall esteve como correspondente em cerca de 30 países, fez a cobertura de três eleições presidenciais nos Estados Unidos e de 13 guerras, dos Balcãs ao Afeganistão, da primavera árabe no Norte de África ao conflito israelo-palestiniano ou à guerra na Síria.
Dessas experiências nasceram vários livros, entre os quais aquele que aqui se apresenta.
Em dez capítulos, dedicados a dez países ou regiões diferentes (Rússia, China, EUA, Europa Ocidental, África, Médio Oriente, Índia e Paquistão, Coreia e Japão, América Latina e o Ártico), Tim Marshall, através de mapas, ensaios e da sua longa experiência de viagens pelo globo, oferece-nos uma perspetiva do passado, presente e futuro, ajuda-nos a descobrir como a geografia é um fator tão determinante para a história do mundo e explica como a geopolítica internacional afeta todos os países, quer estejam em guerra ou em paz, e pode ser compreendida através de fatores geográficos, como a paisagem física que é moldada pelas montanhas ou pelas redes fluviais, o clima, a demografia, as regiões culturais ou o acesso a recursos naturais. E a geografia também pode ser uma prisão, que define o que um povo é ou poderá ser e da qual muitos líderes mundiais lutaram para se libertar.
É certo que a geografia não determina todos os acontecimentos. Foram as grandes ideias e alguns grandes líderes que fizeram parte dos avanços e recuos da história. No entanto, a natureza pode ser mais poderosa que os homens e todos eles tiveram de operar dentro dos limites impostos pela geografia. Quando queremos analisar ou comunicar uma situação ou decisão política, devemos olhar para a história, para o presente, para a cultura… para tudo. E nesse tudo estão incluídos os fatores geográficos. As novas realidades geográficas, como as alterações climáticas, por exemplo, trazem novas oportunidades e novos desafios, como as questões colocadas pelo aquecimento global, a desertificação ou as guerras pela água.
Na conclusão, Tim Marshall faz ainda referência à conquista do espaço, iniciada em 1961 com a viagem do cosmonauta soviético Yuri Gagarin a bordo do Volstok 1, continuada com a “guerra das estrelas” liderada pelos Estados Unidos e de que resulta, entre outras consequências, a existência de cerca de 1100 satélites operacionais no espaço e 2000 não operacionais, sendo EUA e Rússia responsáveis pela maioria, seguidos de países como a China ou o Japão. Satélites que servem, não só para transmitir as imagens que vemos na televisão ou fazer previsões meteorológicas, mas também para espiar outros países, para ver quem se move, onde e com quê, para preparar uma eventual guerra que ocorra no espaço (cada país avaliando, por exemplo, se tem condições para que o seu sistema de mísseis possa funcionar e neutralizar a versão dos concorrentes).
E é com um repto à Humanidade que termina este livro:
“Quando queremos chegar às estrelas, os desafios que nos esperam são tais que talvez tenhamos de nos juntar para os alcançarmos: talvez devamos viajar pelo universo, não como russos, americanos ou chineses, mas como representantes da Humanidade. Mas, até agora, embora nos tenhamos libertado das grilhetas da gravidade, estamos ainda aprisionados nas nossas mentes, confinados pela nossa desconfiança do «outro», e daí a nossa competição primitiva por recursos. Temos um longo caminho a percorrer.” (p. 240)
Pode acompanhar aqui a entrevista a Tim Marshall conduzida por Pedro Soares Botelho para a Sapo 24, em julho de 2017, aquando da sua vinda a Lisboa para promover o lançamento do seu livro:
Se Tim Marshall indica como referência e inspiração para este seu trabalho as conclusões do geógrafo norte-americano Jared Diamond no seu livro Guns, Germs and Steel, que revela tentativas de alterações de fronteiras em diversas regiões do mundo onde escasseiam recursos naturais, como rios navegáveis, como é o caso do Sudão ou da região do Sahel, a leitura de Prisioneiros da Geografia faz recordar o livro que, em 1976, o geógrafo e geopolítico francês Yves Lacoste publicou sob o título de A geografia serve, antes de mais nada, para fazer a guerra. Porque é verdade que, sem procurar fazer a continuação deste, Tim Marshall volta a colocar a questão sobre o papel social e político da geografia enquanto ciência e enquanto conhecimento do território.


 


Yves Lacoste

Quando a obra de Yves Lacoste foi publicada, em 1976, a geografia política da Europa e do Mundo era muito diferente daquela em que vivemos no século XXI.
Num tempo ainda marcado pela Guerra Fria e pelos efeitos, não só de duas guerras mundiais, mas do processo de descolonização que conduziu à independência de muitos países, Yves Lacoste pretendia responder à questão Para que serve a geografia e qual sua função social?, alertando para as consequências que ocorrem nas populações atingidas pela (re)organização dos seus espaços, convocando os geógrafos a assumir uma posição militante contra a instrumentalização da geografia pelos interesses estatais ou privados. Esta foi considerada uma das obras pioneiras da geografia crítica ou radical, tendo exercido grande influência na academia e no ensino.
Em 1970, Yves Lacoste lançara a revista Hérodote que, nos trinta anos seguintes, procurou revelar a “face oculta” da geografia, isto é, o seu caráter político. Esta revista suscitou acesos debates em torno do conceito de geografia política ou geopolítica e contaminou sociólogos, historiadores e geógrafos, surgindo pela primeira vez a questão: "A quem serve a geografia?".
“Dizer antecipadamente que a geografia serve, antes de mais, para fazer a guerra não implica que sirva apenas para executar operações militares; ela serve também para organizar os territórios, não só como previsão de batalhas que se deverão travar contra tal ou tal inimigo, mas também para melhor controlar os homens sobre os quais o aparelho de Estado exerce a sua autoridade”. (p. 8-9)
A par de uma abordagem epistemológica, o autor distingue ainda duas geografias: uma mais antiga, a geografia «dos estados-maiores» (o conjunto de representações e de conhecimentos sobre o espaço, um saber entendido como eminentemente estratégico pelas minorias dirigentes que o utilizam como instrumento de poder); e outra, surgida nos finais do século XIX, a geografia «dos professores» (desenvolvida como discurso científico e pedagógico de tipo enciclopédico, mas que se tornou um discurso ideológico de que uma das funções inconscientes é a de «mascarar» a importância estratégica das análises que fazem do espaço, dissimulando a eficácia do instrumento de poder que são as análises espaciais).

A Geografia é, assim, um “saber estratégico” nas mãos de alguns e, ao longo dos tempos e a par da História, foi sendo utilizada para justificar e fundamentar nacionalismos, regionalismos, separatismos ou expansionismos, mesmo enquanto disciplina integrante dos currículos do ensino básico ou secundário, como Yves Lacoste apresenta a partir do caso francês.

[T. A.]


sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Dia Mundial da Bolota


Em 10 de novembro de 2009, a Escola Secundária Quinta das Palmeiras, da Covilhã, criou o Dia Mundial da Bolota, com o objetivo de consciencializar a população sobre a destruição da floresta autóctone em Portugal, que é constituída principalmente por carvalhos. Desde então, são muitas as escolas que, por todo o país, desenvolvem atividades neste dia, semeando bolotas em vasos ou no campo ou fazendo caminhadas e recolha de bolotas, entre outras iniciativas.

Considerada nos nossos dias essencialmente como alimento para animais, desde a Antiguidade que as propriedades nutritivas deste fruto são reconhecidas: para os Gregos, a bolota era considerada o “alimento dos homens invencíveis”. Em Portugal, os Lusitanos obtinham farinha das bolotas para fazerem pão e, durante a Idade Média, utilizava-se o recheio de bolota triturada para curar doenças sexualmente transmissíveis.

Neste Dia Mundial da Bolota, além das atividades promovidas pelas escolas, associações ambientalistas como a Quercus alertam a população para as imensas qualidades nutricionais deste alimento, ainda desconhecidas por tantos. Além das propriedades alimentícias, alguns cientistas valorizam também o valor da sua utilização na composição de produtos de cosmética.
Não será por acaso que a Quercus - Associação Nacional de Conservação da Natureza, uma ONGA portuguesa fundada a 31 de outubro de 1985, em Braga, foi buscar o seu nome precisamente à designação comum em latim de um género de árvores da família das fagáceas a que pertencem os carvalhos, azinheiras e sobreiros, as árvores características dos ecossistemas florestais mais evoluídos que cobriam o país e de que restam, atualmente, apenas relíquias muito degradadas.


Num ano em que o nosso país se viu assolado pelos incêndios mais devastadores de sempre (quer em área ardida, quer em vítimas mortais), faz cada vez mais sentido consciencializarmo-nos da importância da valorização da nossa floresta autóctone, promovendo e apadrinhando iniciativas que visem a replantação de carvalhos, azinheiras e sobreiros.







quinta-feira, 9 de novembro de 2017

A queda do muro de Berlim foi há 28 anos!



A 9 de novembro de 1989, após várias semanas de distúrbios civis, alguns impulsionados pela visita de Michail Gorbatchev, líder da União Soviética, o governo da Alemanha de Leste anunciou que todos os cidadãos da República Democrática Alemã (RDA) poderiam visitar a República Federal da Alemanha (RFA) e Berlim Ocidental. Multidões de alemães orientais subiram e atravessaram o Muro que dividia a cidade de Berlim desde 1961, juntando-se aos alemães ocidentais do outro lado, numa atmosfera já de celebração. Ao longo das semanas seguintes, partes do Muro foram destruídas pela população e, mais tarde, equipamentos industriais foram usados para remover quase toda a estrutura.

Se o Muro de Berlim foi o maior símbolo da divisão do mundo entre o bloco ocidental/capitalista, liderado pelos Estados Unidos da América, e o bloco oriental/comunista, liderado pela União Soviética, a sua queda representou também simbolicamente o fim da Guerra Fria e o primeiro passo no processo de reunificação da Alemanha.

A divisão da Alemanha foi uma das consequências da derrota alemã na Segunda Guerra Mundial. Em agosto de 1945, os Aliados, reunidos na Conferência de Potsdam, determinaram a perda provisória de soberania da Alemanha e a sua divisão em quatro zonas de ocupação: a zona francesa, a sudoeste; a inglesa, a noroeste; a norte-americana, ao sul; e a soviética, a leste. A capital, Berlim, enquanto sede do Conselho Aliado de Controlo, foi igualmente dividida em quatro setores, apesar de a cidade estar situada no interior da zona soviética.
A expansão do comunismo nos países da Europa de Leste sob influência da União Soviética levou os americanos e os britânicos a encararem a Alemanha como uma possível aliada para a contenção do avanço soviético. Com vista à criação de um Estado alemão forte, em maio de 1949 será instituída a República Federal da Alemanha, resultante da reunião das zonas sob ocupação americana, britânica e francesa (a capital será a cidade de Bona). A União Soviética, após protestos veementes contra o que considerava uma violação dos acordos estabelecidos em Potsdam, acabará por contribuir para a criação de um Estado paralelo e, em outubro de 1949, nascerá a República Democrática Alemão, sob a alçada soviética (e que manterá Berlim como capital).
Entretanto, a cidade de Berlim, situada na RDA e dividida entre as duas Alemanhas, tornar-se-á cada vez mais um foco de tensão. A cidade funcionou como uma ponte de passagem para mais de dois milhões de pessoas do lado oriental que, entre 1949 e 1961, fugiram da Alemanha comunista para a RFA, através de Berlim Ocidental. O problema acabaria por ser resolvido em 1961, com a construção de um muro a separar as duas zonas da cidade.





A decisão de erguer o muro partiu dos então líderes da URSS e Alemanha de Leste, Nikita Kruschev e Walter Ulbricht, respetivamente. O objetivo era isolar Berlim Ocidental, a fim de que os valores e benesses do “Mundo Capitalista”, como a liberdade de consumo e de expressão ou o acesso a produtos industriais e culturais não “contaminassem” o disciplinado e austero padrão de vida imposto pelo comunismo soviético no lado oriental da cidade. Mas também se pode dizer que o verdadeiro objetivo era impedir que cidadãos da Alemanha de Leste fugissem para Berlim Ocidental.



O Muro de Berlim (em alemão Berliner Mauer) foi uma barreira física construída pela RDA, circundava toda a parte de Berlim Ocidental, separando-a da Alemanha de Leste, incluindo Berlim Oriental. O Muro não respeitou casas, prédios ou ruas e separou famílias, algumas para sempre.
Na noite de 13 para 14 de Agosto de 1961, foi instalada uma cerca de arame farpado assinalando a barreira que separaria as duas partes da cidade, isolando Berlim Ocidental. Ao longo dos anos, as autoridades da RDA foram aperfeiçoando e reforçando a construção até à versão final: uma parede de mais de 4 metros de altura, encimada por um cilindro de cimento, com uma extensão de mais de 155 km (nalgumas partes reforçada por um muro paralelo), incluindo 66,5 km de gradeamento metálico, 302 torres de vigia, 127 redes metálicas eletrificadas com alarme e 255 pistas de corrida para cães de guarda.
Era expressamente proibido aos habitantes de Berlim Leste aproximarem-se do Muro, que era patrulhado por militares com ordens de atirar para matar sobre os que tentassem desertar. Entre 1961 e 1989, terão morrido 136 pessoas ao tentarem fugir para Berlim Ocidental e muitas outras ficaram feridas ou foram feitas prisioneiros (os números nunca foram completamente esclarecidos, pois as informações cedidas pelas autoridades da RDA foram sendo contestadas por diversos órgãos internacionais de Direitos Humanos).
No entanto, apesar das restrições, havia oito passagens de fronteira entre Berlim Oriental e Ocidental, o que permitia o trânsito de berlinenses ocidentais, alemães ocidentais, estrangeiros ocidentais e funcionários dos Aliados em Berlim Oriental, bem como as visitas de cidadãos da RDA e de outros países socialistas a Berlim Ocidental, desde que possuíssem as permissões necessárias. A passagem mais famosa foi o ponto de verificação de pedestres na esquina da Friedrichstraße com a Zimmerstraße, também conhecida como Checkpoint Charlie, que era limitada aos funcionários dos países Aliados e estrangeiros.





Em junho de 1963, o presidente dos EUA John Kennedy faz uma visita a Berlim Ocidental, em claro manifesto de apoio dos Estados Unidos à Alemanha Ocidental, 22 meses depois da construção do Muro de Berlim. O discurso que então proferiu, a partir de uma plataforma erguida sobre os degraus da Rathaus Schöneberg, o edifício da Câmara Municipal, é considerado um dos melhores de Kennedy e um dos momentos notáveis da Guerra Fria.
«Há dois mil anos, não havia frase que se dissesse com mais orgulho do que civis Romanus sum ("sou um cidadão romano"). Hoje, no mundo da liberdade, não há frase que se diga com mais orgulho que 'Ich bin ein Berliner'... Todos os homens livres, onde quer que vivam, são cidadãos de Berlim, e, portanto, como um homem livre, eu orgulho-me das palavras “Ich bin ein Berliner!" ("Eu sou um berlinense", em alemão)»
In Vida e pensamento de Kennedy: uma antologia de textos. Volume 2 de História de Hoje. Editora Morais, 1964.


Visita de John Kennedy a Berlim (junho, 1963)


Placa comemorativa da visita de John Kennedy a Berlim 

Nos últimos anos da década de 80, a URSS entrou em colapso e diversas manifestações começam a surgir nas duas partes da Alemanha, reivindicando a destruição do Muro de Berlim.
Entretanto, em março de 1985, Michail Gorbatchev é eleito secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética e, tendo em conta a deterioração das condições de vida da população e o atraso económico e tecnológico da URSS relativamente aos EUA (nomeadamente no que respeita ao programa de defesa nuclear da administração Reagan, conhecido como “Guerra das Estrelas”), enceta uma política de diálogo e aproximação ao Ocidente, procurando também criar um clima de paz internacional que refreasse a corrida ao armamento e permitisse à União Soviética utilizar os seus recursos para a reestruturação interna, a que chamou Perestroika, assente numa abertura política conhecida por Glasnost (transparência).

Michail Gorbatchev 


Em junho de 1987, numa visita a Berlim Ocidental, nas Portas de Brandenburg, o presidente norte-americano Ronald Reagan profere um discurso em que apela a Michail Gorbatchev que contribua para o derrube do Muro:
«General Secretary Gorbachev, if you seek peace, if you seek prosperity for the Soviet Union and Eastern Europe, if you seek liberalization: Come here to this gate! Mr. Gorbachev, open this gate! Mr. Gorbachev, tear down this wall!»
Mr. Gorbachev, tear down this wall!(Senhor Gorbatchev, derrube este muro!) transformou-se numa frase de protesto, aproveitada pelos cidadãos da RDA aquando da visita de Estado que, em outubro de 1989, Gorbatchev empreendeu à RDA para assistir às comemorações do 40º aniversário do nascimento do país.

Michail Gorbatchev e Erich Honecker (outubro, 1989)
Poucos dias depois, em 9 de novembro de 1989, após várias semanas de distúrbios civis, o presidente da RDA, Erich Honecker, anunciou então que todos os cidadãos da RDA poderiam visitar a Alemanha Ocidental e Berlim Ocidental. Estava aberto o caminho para o fim da estrutura que, durante 28 anos, separou duas partes de uma cidade e que simbolizava a divisão ideológica do Mundo.


Com a queda desta barreira geográfica, inicia-se um processo que terminará na reunificação da Alemanha, em outubro de 1990, e que é considerado por historiadores e analistas como o fim da Guerra Fria.
Mais tarde, o governo alemão incentiva a visita aos locais por onde passava o muro derrubado, tendo construído um Memorial do Muro de Berlim, que, além da reconstrução de alguns fragmentos do muro, tem marcado no chão o percurso que o muro fazia quando estava erguido e integra um monumento de homenagem às vítimas do muro.

Parte do Memorial do Muro de Berlim



Parte do Memorial do Muro de Berlim



Monumento às Vítimas do Muro


Parte do Memorial do Muro de Berlim


Placa no solo a sinalizar onde passaria o Muro

Entre os vários filmes que desde 1961 têm documentado e chamado a atenção para a importância da história do Muro de Berlim, destacam-se “As Asas do Desejo”, de Wim Wenders (1987), e “Adeus, Lenine!”, de Wolfgang Becker (2003).







Contai aos vossos filhos... para não esquecer o Holocausto



«Contai aos vossos filhos não é “mais” um livro sobre o Holocausto. É um livro diferente. Não é uma obra de história, no sentido académico da palavra, mas sim um documento de “história viva”: conta o Holocausto com base em testemunhos, em fotografias, em diálogos simples, em pequenas histórias tragicamente verídicas. Através da simplicidade da linguagem, revela-nos toda a dimensão monstruosa da máquina de morte nazi.»
Do prefácio de Esther Mucznik (da comunidade israelita de Lisboa) à edição portuguesa.


O livro Contai aos vossos filhos… um livro sobre o Holocausto na Europa, 1933-1945, de Stéphane Bruchfeld e Paul A. Levine, foi inicialmente publicado pelo Governo sueco no âmbito do projeto educativo “História Viva” sobre o Holocausto. Este projeto, que nasceu em 1997, visava suscitar a discussão sobre temas como a solidariedade, a democracia e a igualdade, tomando como ponto de partida o Holocausto perpetrado pelos nazis durante a Segunda Guerra Mundial.
Com este livro, composto sobretudo por testemunhos e fotografias de alguma dureza, pretendia-se divulgar, numa linguagem acessível aos estudantes e ao público em geral, uma informação devidamente documentada sobre um dos acontecimentos mais tenebrosos do século XX, apresentando uma história do Holocausto que os pais pudessem utilizar como ponto de partida para o diálogo com os filhos sobre valores morais e democráticos e sobre ética social.

Na sua tradução para português, a obra foi enriquecida com textos da autoria da historiadora Irene Pimentel visando contextualizar a política portuguesa durante a Segunda Guerra Mundial, a passagem e a vivência dos refugiados em Portugal e ainda a ação humanitária do cônsul Aristides de Sousa Mendes.

Dia Internacional Contra o Fascismo e o Antissemitismo




A 9 de novembro assinala-se o Dia Internacional Contra o Fascismo e o Antissemitismo. Este dia foi instituído pelo Parlamento Europeu, no âmbito da luta contra o racismo e a xenofobia na União Europeia, para lembrar a que ficou conhecida como a "Noite de Cristal" (do alemão Kristallnacht), em 9 de novembro de 1938, quando centenas de sinagogas e mais de 7500 lojas de judeus foram incendiadas, assaltadas e saqueadas em toda a Alemanha e Áustria, então sob o domínio nazi ou Terceiro Reich. Foram ainda mortas centenas de pessoas e cerca de 25 a 30 mil judeus foram presos e levados para campos de concentração, dos quais mais de 10 mil foram deportados para o campo de concentração de Dachau (uma antiga fábrica de armamento perto de Munique).



As ordens determinavam ainda que os homens do poder deviam estar vestidos à paisana, para que o movimento parecesse espontâneo, de uma população furiosa contra os judeus. Os incêndios chocaram uma parte da população - mas não o facto de os judeus terem sido atacados fisicamente.

No fim, as autoridades nazis ainda cobraram aos judeus uma multa de mil milhões de marcos, pela desordem e prejuízos, dos quais eles foram as vítimas.
O pretexto para estas ações foi o assassinato do secretário da embaixada alemã em Paris, Von Rath, cometido por um jovem judeu polaco, a 7 de novembro.
Esta noite é considerada o início do Holocausto, que seria responsável por mais de 6 milhões de mortes.



Neste dia apela-se a um momento de reflexão e de congregação de esforços na luta pela eliminação de todas as formas de discriminação racial, de que ainda são vítimas, infelizmente, vários cidadãos em diferentes localidades do mundo.

Curiosamente, o dia 9 de novembro marca também a queda do muro de Berlim, em 1989, marco emblemático na queda dos regimes comunistas do Leste europeu.



terça-feira, 7 de novembro de 2017

Dez dias que abalaram o mundo, relato de uma revolução




A 7 de novembro de 2017 assinalam-se os 100 anos da Revolução Soviética, revolução que fez da Rússia o primeiro Estado socialista do mundo. A este propósito, recordamos também uma das obras clássicas da literatura ocidental.

Em 1919, o jornalista, ativista e escritor norte-americano John Reed publica nos Estados Unidos da América a obra que o tornaria célebre e que ainda hoje é encarada como um dos principais relatos da que foi a primeira revolução socialista no mundo: em Dez dias que abalaram o mundo (Ten Days That Shook the World, no original) descreve em primeira mão os acontecimentos que testemunha e que constituíram a que ficou conhecida como “Revolução de Outubro”, quando os bolcheviques tomaram o poder na Rússia.



(John Reed)

Governada autocraticamente pelo czar Nicolau II e composta maioritariamente por uma população camponesa explorada pelos proprietários das terras, a Rússia era, nos inícios do século XX, um imenso Império territorial, agregando muitas nacionalidades e palco de inúmeras tensões sociais e políticas. A participação na Primeira Guerra Mundial desorganizou a economia russa e agravou as condições de vida da população, desencadeando manifestações e greves, o que também contribuiu para expor as fraquezas do regime: liberais e socialistas denunciavam a incompetência do czar e dos seus ministros, incapazes de resistir às investidas da Alemanha.
A 23 de fevereiro de 1917 (de acordo com o calendário juliano, que a Rússia seguiu até fevereiro de 1918 e que tinha um atraso de 13 dias relativamente ao calendário gregoriano, correspondendo por isso esta data a 8 de março segundo o calendário ocidental) começam em Petrogrado, a capital do Império Russo, grandes manifestações de mulheres, acompanhadas de greves dos operários da cidade. Reunidos numa assembleia popular denominada Soviete, os operários exigiam o derrube do czar e a retirada da Rússia da Primeira Guerra Mundial. O apoio dos soldados ao Soviete de Petrogrado resultou no assalto ao Palácio de Inverno, conduzindo dias depois à abdicação do czar e à transformação da Rússia numa República.
O Governo Provisório que então entrou em funções, dirigido pelo Príncipe Lvov e mais tarde por Kerensky, instaurou uma democracia parlamentar à maneira ocidental e manteve a Rússia na Primeira Guerra Mundial. Entretanto, em todo o território se constituíram sovietes de operários, camponeses, soldados e marinheiros que, descontentes com o caráter burguês da nova República e com a permanência do conflito com a Alemanha, apelavam a uma nova revolução que, destituindo o governo, lhes entregasse o poder, retirasse o país da guerra e procedesse à abolição da propriedade privada. Estas reivindicações aparecem plasmadas nas “Teses de abril”, documento redigido por Lenine (pseudónimo de Vladimir Ilitch Ulianov), fundador e dirigente do Partido Social-Democrata Russo (mais tarde designado por Partido Bolchevique ou Partido Comunista), que havia regressado do exílio em Zurique.
Em 24 e 25 de outubro (7 e 8 de março no calendário ocidental), Petrogrado assistiu a uma nova revolução, protagonizadas por milícias bolcheviques que controlaram pontos estratégicos da cidade, assaltaram o Palácio de Inverno e derrubaram o Governo Provisório. O poder foi então entregue ao Conselho dos Comissários do Povo, composto exclusivamente por bolcheviques, presidido por Lenine e com Trotsky na Pasta da Guerra e Estaline na das Nacionalidades.


(Estaline, Lenine e Trotsky)

São então publicados os primeiros decretos revolucionários: o decreto sobre a guerra (que determina a retirada da Rússia da guerra, efetivada em março de 1918, com a assinatura de uma paz separada com a Alemanha, pelo Tratado de Brest-Litovsk); o decreto sobre a terra (que aboliu sem indemnização a propriedade privada das terras, entregando-a aos sovietes camponeses); o decreto sobre o controlo operário (que atribuía aos operários a superintendência e a gestão da produção nas fábricas); e o decreto sobre as nacionalidades (que conferia a todos os povos do antigo Império Russo o estatuto de igualdade e o direito à autodeterminação).
Pela primeira vez na História, os representantes do proletariado conquistavam o poder político recorrendo à luta de classes e à revolução, tal como Karl Marx havia preconizado em 1848, na obra Manifesto do Partido Comunista, escrita em coautoria com Friedrich Engels.


Logo em 1917, chegaram a todo o mundo notícias de que o Czar fora deposto na Rússia e que uma revolução estava em marcha. John Reed, jornalista e ativista político, nascido em Portland a 22 de outubro de 1887, que havia já feito a cobertura de greves e manifestações operárias nos Estados Unidos e da Revolução Mexicana de Pancho Villa, em 1913 (a partir da qual escreveu o livro México Rebelde, em 1914), e que se encontrava na Europa como correspondente durante a Primeira Guerra Mundial, interessou-se pela Revolução Bolchevique e, em setembro de 1917, partiu para Petrogrado, acompanhado da mulher, a escritora Louise Bryant.


(John Reed)

Testemunhando todos os acontecimentos que tiveram início no dia 7 de novembro, correndo de cena para cena, Reed tomou notas a uma velocidade incrível, reuniu folhetos, pósteres e manifestos. No início de 1918, regressou aos EUA e escreveu a sua história, relatando os grandes momentos, descrevendo as assembleias, resumindo os discursos, transcrevendo entrevistas e registando em anexos os principais documentos divulgados pelas forças em luta, incorporando também entrevistas que fez pessoalmente aos principais líderes políticos, como as conversas que manteve com Lenine, que entretanto conheceu.
Dez dias que abalaram o mundo transformou-se no relatório clássico de uma testemunha ocular da Revolução Bolchevique.

Nos Estados Unidos, John Reed ia a todos os lugares do país para dar palestras e aulas sobre a guerra e sobre a Revolução Russa, e, em setembro de 1918, depois de ter falado para uma plateia de quatro mil pessoas, foi preso sob acusação de desencorajar os jovens para o recrutamento nas forças armadas.
Em 1919, Reed envolveu-se na formação do Partido Comunista dos Trabalhadores nos EUA e, em março, foi à Rússia como delegado aos encontros da Internacional Comunista (ou Komintern).
É neste contexto que adoece e, a 17 de outubro de 1920, morreu de tifo num hospital de Moscovo. O corpo de John Reed foi sepultado perto do Kremlin, na Praça Vermelha, com honras de herói, sendo o único americano a quem tal foi concedido.


Em 1981, o ator e realizador norte-americano Warren Beatty adaptou ao cinema a obra de John Reed, no filme a que atribuiu o nome Reds e onde desempenha o papel de John Reed. Do elenco fazem ainda parte a atriz Diane Keaton, que interpreta o papel de Louise Bryant, mulher de Reed, e o ator Jack Nicholson, no papel do escritor Eugene O'Neill. O filme foi galardoado com três Óscares da Academia de Hollywood: melhor realizador, melhor atriz secundária e melhor fotografia.


(Warren Beatty e Diane Keaton no filme Reds)

Em junho de 2008, o American Film Institute revelou o "Ten Top Ten" – os melhores 10 filmes americanos em 10 categorias cinematográficas. O filme Reds surge em nono lugar na categoria de filme épico.


(Trailer do filme Reds

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

João Botelho adapta ao cinema "Peregrinação", de Fernão Mendes Pinto




Depois de Frei Luís de Sousa (2001), de Almeida Garrett; A Corte do Norte (2009), de Agustina Bessa-Luís; Livro do Desassossego (2010), de Fernando Pessoa; e Os Maias (2014), de Eça de Queirós, o realizador português João Botelho regressa à literatura portuguesa com a adaptação cinematográfica de Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto.

João Botelho, que em abril de 2016 esteve no Externato Cooperativo da Benedita no âmbito da Semana Cultural e das atividades do Plano Nacional de Cinema, para conversar com os alunos sobre a sua adaptação de Os Maias, considera ter "o dever de pegar em textos importantes na Cultura e na Literatura portuguesas".

Peregrinação, impresso pela primeira vez em 1614, é um relato da presença dos portugueses no Oriente e uma crónica de viagens de duas décadas de vivência de Fernão Mendes Pinto naquelas paragens.
O filme de João Botelho, que estreou nas salas de cinema portuguesas no passado dia 1 de novembro, é uma evocação das viagens de Fernão Mendes Pinto, no século XVI, integrando a recriação de alguns temas do álbum “Por Este Rio Acima” (1982), de Fausto Bordalo Dias, "como se fosse uma introdução à leitura" da obra, disse o realizador à Agência Lusa, em abril passado, mês em que começaram as filmagens.



Apesar de a maior parte das filmagens ter sido feita em Portugal, João Botelho e uma equipa reduzida (produtor, diretor de fotografia e um assistente) estiveram "a filmar todos os fundos" em sete cidades chinesas, no Japão, na Malásia e no Vietname e o resultado final surge-nos como se tudo tivesse sido registado do outro lado do mundo.
O filme é protagonizado por Cláudio da Silva, que, além de Fernão Mendes Pinto, interpreta também a personagem de António Faria, "um corsário terrível que decapita, viola, rouba, tudo em nome de deus". Do elenco fazem ainda parte, entre outros, Catarina Wallenstein, Pedro Inês, Maya Booth, Cassiano Carneiro, Rui Morisson, Jani Zhao e Zia Soares.


Peregrinação relata a chegada e a estadia de Fernão Mendes Pinto no Oriente, apresentando a descrição das expedições dos descobridores e conquistadores portugueses. A imagem dos navegadores portugueses que perpassa nesta obra, e em particular a do próprio Fernão Mendes Pinto, é sobretudo picaresca, assumindo-se este como um anti-herói, capaz das piores façanhas para alcançar os seus objetivos (geralmente pilhar e roubar as populações nativas para enriquecer e regressar à pátria).
O autor é perito na descrição da geografia da Índia, China e Japão e da etnografia: leis, costumes, moral, festas, comércio, justiça, guerras, funerais, etc. Notável é também a previsão da derrocada do Império Português, corroído por vícios e abusos.
Fernão declara que são três os objetivos que o levaram a escrever o livro: dar a conhecer os seus trabalhos aos filhos (função autobiográfica), encorajar os desesperados e os que se veem em dificuldades (função moral), ter que dar graças a Deus (função religiosa).


Escrita entre 1570 e 1578, após o regresso de Fernão Mendes Pinto a Portugal, a obra só viria a ser publicada cerca de 30 anos após a morte do autor, receando-se que o original tenha sofrido alterações às quais não seriam alheios os Jesuítas. O texto original fora deixado à Casa Pia dos Penitentes que submete os escritos de Fernão Mendes Pinto ao crivo da Inquisição, que o aprova em 1603, o mesmo ano em que o processo de análise se iniciou. No entanto, somente em 1614 Pedro Craesbeeck, tipógrafo e impressor de origem flamenga, aceita a empreitada. O livro, organizado por Frei Belchior Faria, foi publicado com o seguinte título (na íntegra e em português clássico):

"Peregrinaçam de Fernam Mendez Pinto em que da conta de muytas e muyto estranhas cousas que vio & ouvio no reyno da China, no da Tartaria, no de Sornau, que vulgarmente se chama de Sião, no de Calaminhan, no do Pegù, no de Martauão, & em outros muytos reynos & senhorios das partes Orientais, de que nestas nossas do Occidente ha muyto pouca ou nenhua noticia. E também da conta de muytos casos particulares que acontecerão assi a elle como a outras muytas pessoas. E no fim della trata brevemente de alguas cousas, & da morte do Santo Padre Francisco Xavier, unica luz & resplandor daquellas partes do Oriente, & reitor nellas universal da Companhia de Iesus."