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domingo, 19 de dezembro de 2021

Dia 19 do Advento - O doente inglês


“Morremos albergando em nós uma míriade de amantes e de tribos, de sabores que provámos, de corpos como rios de sabedoria onde mergulhámos e nadámos contra a correnteza, de personalidades como árvores a que trepámos, de medos como grutas onde nos escondemos. Quero tudo isto marcado no meu corpo quando morrer. Acredito nesta cartografia – quando é a natureza que nos marca, em lugar de apenas inscrevermos o nosso nome num mapa, como os nomes dos ricos nas fachadas dos edifícios. Somos histórias colectivas, livros colectivos. Não somos escravos nem monogâmicos nos nossos gostos ou experiências. Eu só desejava caminhar por uma terra assim, onde não existem mapas. /Levei Katharine Clifton até ao deserto, onde se abre o livro colectivo do luar. Estávamos no meio do rumor das nascentes. No palácio dos ventos.”

Michael Ondaatje – O doente inglês. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1996. Tradução de Ana Luísa Faria.

No final da Segunda Guerra Mundial, reúnem-se numa villa italiana transformada em hospital de campanha quatro pessoas: uma jovem enfermeira a quem a guerra arrebatou a família e os sonhos, Hana, que concentra todas as energias no seu último doente moribundo, um irreconhecível aviador inglês, com o corpo queimado, Almasy, o «paciente inglês», que, afinal, é um aristocrata húngaro, sobrevivente de um desastre de avião, cujo espírito navega à deriva numa vida de segredos e paixões; Caravaggio, um ladrão e aventureiro italo-canadiano de mãos estropiadas e cujos «talentos» o transformam em herói de guerra, e numa das suas vítimas; e um jovem sikh ao serviço do exército britânico, Kip, cujo trabalho é a neutralização de bombas, a quem três anos de guerra ensinaram que «a única coisa segura é ele próprio».

É nesta atmosfera fora do mundo, que cada um se vai revelando pouco a pouco aos outros, à medida que os ecos da guerra se esbatem na distância. Numa sucessão de cenas pungentes, desfiam-se histórias do presente e do passado, que ora nos levam ao Saara, ora aos campos de Inglaterra, às ruas de Londres durante os bombardeamentos, aos hospitais de campanha italianos, ou aos jardins e aos quartos arruinados da villa. O mais misterioso é aquele homem queimado, ligado à enfermeira por um estranho vínculo, que é ao mesmo tempo um enigma e uma provocação para os que o rodeiam e que arrasta consigo a história e a paixão por um fantasma, ou antes, a memória de uma mulher perdida, Katharine. As suas recordações de traição, dor e salvação iluminam a narrativa como estilhaços de luz.

Com estas histórias, Michael Ondaatje tece uma complexa tapeçaria de imagens e emoções, reminiscências e apontamentos: os itinerários e os factos de quatro vidas diferentes, surpreendidas, transformadas e doravante ligadas pelas brutais e imprevisíveis circunstâncias da guerra.

Em 1992, O Doente Inglês ganhou o Man Booker Prize, o mais prestigiado prémio literário inglês. No comunicado do júri, pelas palavras de uma das juradas, Kamila Shamsie, diz-se "O Doente Inglês é o raro livro que sentimos sob a nossa pele e insiste que voltemos a ele uma e outra vez, sempre com uma nova surpresa. Move-se sem dificuldades entre o épico e o íntimo — num momento estamos perante a vastidão do deserto e noutro a assistir a uma enfermeira colocar um pedaço de ameixa na boca do paciente".

Em 2018, este livro obteve o Golden Man Booker, considerado como o melhor prémio Man Booker Prize dos últimos 50 anos. Depois de o júri ter selecionado um livro por década entre os que haviam vencido o prémio no passado, o público votou no seu preferido.

O livro foi editado pela primeira vez em Portugal pelas Publicações Dom Quixote, em 1996, coincidindo com o ano de lançamento do filme com o título “O Paciente Inglês”, do realizador inglês Anthony Minghella. 

Esta adaptação cinematográfica contou com a interpretação de Ralph Fiennes (no papel de Almasy), Juliette Binoche (no papel de Hana), Willem Dafoe (no papel de Caravaggio), Naveen Andrews (no papel de Kip) e Kristin Scott Thomas (no papel de Katharine), e que venceu nove de 12 Óscares para os quais esteve nomeado, incluindo Melhor Filme (Saul Zaentz), Melhor Realizador (Anthony Minghella), Melhor Atriz Secundária (Juliette Binoche) e Melhor Fotografia (John Seale).

Michael Ondaatje


 
Escritor de nacionalidade canadiana, Michael Ondaatje nasceu a 12 de setembro de 1943, no Ceilão. De raízes familiares holandesas e indianas, estudou em Colombo até 1954, quando se mudou com a mãe para Inglaterra. Fez os estudos secundários em Londres e, em 1962, mudou-se para a cidade de Toronto, Canadá. Licenciado em 1967 pela Queen's University de Ontário, deu início a uma carreira como professor universitário e adotou a cidadania canadiana.

Estreou-se como escritor em 1967, ao publicar uma coletânea de poemas intitulada The Dainty Monsters. Em 1976, publicou o seu primeiro romance, Coming Through Slaughter, no qual contava a história de um músico de jazz da Nova Orleães dos Anos 30. A obra, vencedora de um prémio literário, foi seguida por Running In The Family (1982), obra de caráter autobiográfico, e por In The Skin Of A Lion (1987), em que Ondaatje procede a uma reflexão sobre o fenómeno da imigração. Em 1992, Ondaatje publicou a obra que se veio a tornar a mais conhecida, The English Patient (O Doente Inglês).

Em Portugal, estão editadas as obras

  • O Fantasma de Anil, Publicações Dom Quixote, 2002
  • Divisadero, Porto Editora, 2009
  • A Luz da Guerra, Relógio D'Água, 2018
  • A Mesa dos Gatos-Pingados, Relógio D'Água, 2019



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