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quarta-feira, 31 de julho de 2019

Primo Levi no dia do centenário do seu nascimento


Vós que viveis tranquilos
Nas vossas casas aquecidas
Vós que encontrais regressando à noite
Comida quente e rostos amigos:
Considerai se isto é um homem
Quem trabalha na lama
Quem não conhece paz
Quem luta por meio pão
Quem morre por um sim ou por um não
Considerai se isto é uma mulher
Sem cabelos e sem nome
Sem mais força para recordar
Vazios os olhos e frio o regaço
Como uma rã no inverno.
Meditai que isto aconteceu
Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração.
Estando em casa andando pela rua
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
Ou então que desmorone a vossa casa
Que a doença vos entreve,
Que os vossos filhos vos virem a cara

Poema Shemá, de Primo Levi (In Se isto é um homem)

No ano em que se comemoram os 150 anos da criação do Sistema Periódico dos Elementos Químicos em 1869, por Dimitry Mendeleev, uma resolução das Nações Unidas e da UNESCO estabeleceu 2019 como Ano Internacional da Tabela Periódica, para celebrar a criação de uma das ferramentas mais importantes na história da ciência.
2019 é também o ano em que se comemoram os 100 anos do nascimento de Primo Levi, escritor e químico italiano nascido em 31 de julho de 1919, em Turim, e falecido em 11 de abril de 1987, na mesma cidade. Doutorado em Química pela Universidade de Turim, em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial, Primo Levi uniu-se a um grupo de resistência para lutar contra os alemães que ainda ocupavam o norte italiano. O seu grupo foi traído por um espião, Levi foi preso e enviado para o campo de concentração de Auschwitz, na Alemanha. A sua sobrevivência no campo de concentração deveu-se, em boa parte, aos seus conhecimentos em química, e por isso foi designado para trabalhar na IG Farben na síntese de borracha.
As experiências de vida de Primo Levi fazem parte do seu livro O Sistema Periódico, publicado em 1975, onde os elementos são apresentados em capítulos separados, de maneiras diversas, com metáforas, meditações, poesias e até com o uso de narrativa ficcional como nos elementos chumbo, mercúrio e carbono.

Na véspera de se retirar do universo da química para se dedicar exclusivamente à escrita, Primo Levi oferece-nos, através de 21 capítulos, cada um com o nome de um elemento da tabela periódica, um relato da sua vida enquanto cientista e através do qual responde a inúmeras e complexas questões sobre o mundo e sobre si próprio. O Sistema Periódico é, pois, um conjunto de vivências de um químico judeu do Piemonte, combatente antifascista, deportado e escritor, vistas através do caleidoscópio da química. As histórias cobrem a vida do autor, do nascimento à redação deste livro, passando por momentos fulcrais como a infância, a descoberta da vocação e a sua formação como químico, os amores e as amizades, o crescimento do movimento fascista italiano e o aparecimento das leis raciais, a vida na clandestinidade, a prisão e o encarceramento em Auschwitz, e o regresso aos laboratórios do campo de concentração já no pós-guerra.
Em 2006, a Royal Institution of Great Britain escolheu o livro de Levi como “o melhor livro sobre ciência de todos os tempos”, uma escolha peculiar, já que o livro não trata exclusivamente de ciência.

Também na obra Se isto é um homem, publicado em 1947, encontramos a história de Primo Levi, cidadão italiano judeu, licenciado em química, que é levado para Auschwitz. Tudo lhe é retirado, tornando-se mais um anónimo prisioneiro do campo de concentração nazi, inclusive o próprio nome é substituído por um número (o número 174517), colocando em causa a própria noção de identidade.

Em Auschwitz, leva uma existência de problemas: a dor excruciante da fome, da sede e o árduo trabalho no "Lager", que leva ao esgotamento total da força e vontade humanas. Através de uma descrição objetiva do dia-a-dia de um prisioneiro de Auschwitz, Primo Levi enaltece a força humana e a capacidade de resistência acima de qualquer dor física ou moral, mesmo quando a própria dignidade é posta em causa pois, apesar da rotina difícil de ultrapassar, Levi aprende que a sobrevivência - pela astúcia e organização - é possível, mesmo quando privados de qualquer direito moral.
Suspeita-se que a causa da sua morte, em 11 de abril de 1987, tenha sido o suicídio, mas, como escreveu Elie Wiesel quando soube do falecimento de Levi: “Primo Levi morreu em Auschwitz há quarenta anos”.



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