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terça-feira, 1 de maio de 2018

Autor do mês de maio - Manuel Alegre


© Foto Luiz Carvalho


Escreverei para ti o poema mais triste
Senhora dos cabelos de alga onde se escondem as divindades
quando me tocas há um país que não existe
e um anjo poisa-me nos ombros Senhora das Tempestades.
In Senhora das Tempestades, 1998
O escritor e político português Manuel Alegre de Melo Duarte nasceu em Águeda, no dia 12 de maio de 1936.
A família de Manuel Alegre inscreve-se na tradição política liberal portuguesa: o seu trisavô paterno, Francisco Soares de Freitas, combateu ao lado de D. Pedro na guerra civil contra D. Miguel, foi fundador dos Caminhos de Ferro ao Sul do Tejo e primeiro visconde do Barreiro; o avô materno, Manuel Ribeiro Alegre, republicano e carbonário, foi deputado constituinte em 1911 e governador civil de Santarém.
Depois de percorrer vários estabelecimentos de ensino entre o ensino primário e o secundário (os primeiros estudos feitos em Águeda; o curso dos liceus em Lisboa, no Passos Manuel, no Cartaxo, no Colégio Almeida Garrett, em São João da Madeira, no Colégio Castilho, e finalmente no Porto, onde concluiu os estudos secundários no Liceu Central Alexandre Herculano), Manuel Alegre entrou em 1956 na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Durante o seu percurso académico, foi-se dividindo entre a intervenção política (fez parte dos grupos de oposição de estudantes ao salazarismo; em 1957, tornou-se militante do Partido Comunista Português; em 1958, foi membro da Comissão da Academia que apoiou a candidatura de Humberto Delgado à Presidência da República) e as atividades culturais (participou na fundação do Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra e foi ator do Teatro de Estudantes da Universidade de Coimbra, deslocando-se para atuar em Bruxelas, Cabo Verde e Bristol).
Dirigiu o jornal A Briosa, foi redator da revista Vértice e colaborador da Via Latina, periódicos onde começou a publicar os primeiros poemas, em 1960.
Em 1961, iniciou o serviço militar na Escola Prática de Infantaria, em Mafra, de onde saiu, pouco depois, para a ilha de São Miguel.
Em 1962, foi mobilizado para Angola, onde foi preso pela PIDE, em 1963, por dirigir uma tentativa pioneira de revolta militar. Regressado a Portugal, foi-lhe fixada residência em Coimbra, acabando depois por passar à clandestinidade e, em 1964, exilou-se em Paris, cidade onde foi eleito para um cargo na Direção da Frente Patriótica de Libertação Nacional, presidida por Humberto Delgado. Como representante desta organização, discursou nas Nações Unidas sobre a sua experiência em Angola e contactou com os líderes dos movimentos africanos de libertação, como Agostinho Neto, Eduardo Mondlane, Samora Machel, Amílcar Cabral ou Mário Pinto de Andrade.
Ainda em 1964, partiu para um exílio de 10 anos, em Argel. Através da emissora de rádio A Voz da Liberdade, difundia conteúdos de apoio aos movimentos de libertação das antigas províncias ultramarinas e contra o regime salazarista.

Entretanto, os seus dois primeiros livros, Praça da Canção (1965) e O Canto e as Armas (1967), são apreendidos pela censura, mas cópias manuscritas ou datilografadas circulam clandestinamente de mão em mão. Poemas seus, cantados, entre outros, por Zeca Afonso e Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire e Luís Cília, tornaram-se emblemas da luta clandestina.


Um exemplo,
Trova do Vento que Passa
(Balada de Manuel Alegre, com música de António Portugal e cantada por Adriano Correia de Oliveira)

Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.
Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.
Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.
Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.
Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio - é tudo o que tem
quem vive na servidão.
Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.
E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.
Vi meu poema na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.
Vi navios a partir
(Portugal à flor das águas)
vi minha trova florir
(verdes folhas verdes mágoas).
Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.
E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.
Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.
E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.
Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.
Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.
Manuel Alegre, in Praça da Canção (1965)

Em 1968, afasta-se do Partido Comunista Português para aderir à Ação Socialista Portuguesa, embrião do Partido Socialista, fundado em abril de 1973, na cidade alemã de Bad Münstereifel.
Após a revolução de abril de 1974, regressou a Portugal, entrando nos quadros da Radiodifusão Portuguesa, como diretor dos Serviços Recreativos e Culturais.
Ainda em 1974, aderiu ao Partido Socialista; em 1975 foi eleito deputado à Assembleia Constituinte, sendo o autor da proposta apresentada pelo PS para o texto do preâmbulo da Constituição Portuguesa de 1976, que foi adotado.
Deputado à Assembleia da República a partir de 1976, integrou o I Governo Constitucional (de Mário Soares), primeiro como Secretário de Estado da Comunicação Social, depois como Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro para os Assuntos Políticos.
No Parlamento, foi presidente da Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros, vice-presidente da Delegação Parlamentar Portuguesa ao Conselho da Europa, vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS e vice-presidente da Assembleia da República.
Em 2006, foi candidato independente às eleições presidenciais, ficando em segundo lugar nas votações, tendo obtido mais votos que Mário Soares, então candidato oficial do PS. Após essas eleições, fundou o Movimento de Intervenção e Cidadania (MIC).
Em 2009, cessou o seu último mandato como deputado à Assembleia da República, após 34 anos no Parlamento, sempre eleito por Coimbra.
Em 2011, voltou a candidatar-se às eleições presidenciais, conseguindo o apoio do PS, do BE, do PCTP, bem como dos dirigentes do MIC.

Além da atividade política, é sobretudo a sua carreira literária que este mês queremos homenagear e dar a conhecer, quer como poeta, quer como ficcionista.
Reconhecido além-fronteiras, é o único autor português incluído na antologia Cent poèmes sur l'exil, editada pela Liga dos Direitos do Homem, em França (1993). Em Abril de 2010, a Universidade de Pádua, em Itália, inaugurou a Cátedra Manuel Alegre, destinada ao estudo da Língua, Literatura e Cultura Portuguesas.
Foram muitos os prémios e distinções que recebeu ao longo dos anos. Pelo conjunto da sua obra recebeu, entre outros, o Grande Prémio de Poesia, da Associação Portuguesa de Escritores (1998). Em 1999, recebeuo Prémio Pessoa. Em 2016 a Sociedade Portuguesa de Autores atribuiu-lhe o Prémio de Consagração de Carreira. Em 2017, recebeu (“finalmente”) o Prémio Camões (e, como o próprio Manuel Alegre comentou na altura, “o estranho foi não o ter recebido antes!”).
Obra publicada
(*) Disponível na Biblioteca do ECB

Poesia

1965 – Praça da Canção
1967 - O Canto e as Armas (*)
1971 - Um Barco para Ítaca
1976 - Coisa Amar (Coisas do Mar)
1979 - Nova do Achamento
1981 – Atlântico (*)
1983 - Babilónia
1984 - Chegar Aqui
1984 - Aicha Conticha
1991 - A Rosa e o Compasso
1992 - Com que Pena — Vinte Poemas para Camões
1993 - Sonetos do Obscuro Quê
1995 - Coimbra Nunca Vista (*)
1996 - As Naus de Verde Pinho
1996 - Alentejo e Ninguém
1997 - Che
1998 - Pico
1998 - Senhora das Tempestades (*)
1999 - E alegre se fez triste
2001 - Livro do Português Errante (*)
2008 - Nambuangongo, Meu Amor
2008 - Sete Partidas
2017 - Auto de António







Ficção

1989 - Jornada de África (*)
1989 - O Homem do País Azul (*)
1995 – Alma (*)
1998 - A Terceira Rosa (*)
1999 - Uma Carga de Cavalaria
2002 - Cão Como Nós (*)
2003 – Rafael (*)











Literatura Infantil

2007 - Barbi-Ruivo, O meu primeiro Camões, ilustrações de André Letria, Publicações Dom Quixote (*)
2009 - O Príncipe do Rio, ilustrações de Danuta Wojciechowska, Publicações Dom Quixote
2015 - As Naus de Verde Pinho: Viagem de Bartolomeu Dias contada à minha filha Joana. Prémio de Literatura Infantil António Botto




Outros

1997 - Contra a Corrente (discursos e textos políticos) (*)
2002 - Arte de Marear (ensaios) (*)
2006 - O Futebol e a Vida, Do Euro 2004 ao Mundial 2006 (crónicas)
2016 - Uma outra memória - A escrita, Portugal e os camaradas dos sonhos





Principais condecorações e medalhas

Portugal – Grã-Cruz da Ordem da Liberdade de Portugal (maio de 1989)
Marrocos – Comendador da Ordem de Ouissam Alaoui de Marrocos (fevereiro de 1992)
Chile – Grande-Oficial da Ordem de Bernardo O'Higgins do Chile (abril de 1995)
Itália – Grande-Oficial da Ordem "Stella Della Solidarietá" Italiana de Itália, atribuída pelo Presidente de Itália (junho de 2008)
União Europeia – Medalha de Mérito do Conselho da Europa, de que é Membro-Honorário.
Portugal – Medalha de Honra da Sociedade Portuguesa de Autores (maio de 2008)
Itália – Medalha da Cidade de Veneza, por ocasião do Convénio Internacional "La Porta d’Oriente -Viaggi e Poesia" (novembro de 1999)
Portugal – Medalha de Ouro da Cidade de Águeda
Itália – Medalha da Cidade de Pádua, tendo sido agraciado com o título de Cidadão-Honorário (abril de 2010)
Portugal – Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada (maio de 2016)
Itália – Doutoramento Honoris Causa em Línguas e Literaturas Modernas Europeias e Americanas, pela Universidade de Pádua (novembro de 2017)

Prémios

Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores (1998)
Prémio da Crítica da Associação Portuguesa de Críticos Literários (1998)
Prémio de Literatura Infantil António Botto (1998)
Prémio Pessoa (1999)
Prémio Fernando Namora (1999)
Prémio D. Dinis (2007)
Grande Prémio Vida Literária (2016)
Grande Prémio de Literatura dst (2016)
Prémio de Consagração de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores (2016)
Prémio Guerra Junqueiro instituído pelo FFIL - Freixo Festival Internacional de Literatura (2017)
Prémio Camões (2017) (o maior prémio literário da língua portuguesa, instituído pelos governos do Brasil e de Portugal)


Um poema para a eternidade...

Uma flor de verde pinho
Eu podia chamar-te pátria minha
dar-te o mais lindo nome português
podia dar-te um nome de rainha
que este amor é de Pedro por Inês.
Mas não há forma não há verso não há leito
para este fogo amor para este rio.
Como dizer um coração fora do peito?
Meu amor transbordou. E eu sem navio.
Gostar de ti é um poema que não digo
que não há taça amor para este vinho
não há guitarra nem cantar de amigo
não há flor não há flor de verde pinho.
Não há barco nem trigo não há trevo
não há palavras para dizer esta canção.
Gostar de ti é um poema que não escrevo.
Que há um rio sem leito. E eu sem coração.
(canção portuguesa no Festival Eurovisão da Canção 1976, interpretada em português pelo fadista Carlos do Carmo, com letra de Manuel Alegre, música de José Niza e orquestração do maestro Thilo Krasman)

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