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quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Um Nobel para Louise Glück

 


A Academia Sueca atribuiu hoje, 8 de outubro de 2020, o Prémio Nobel da Literatura à escritora norte americana Louise Glück, justificando-o, nas palavras do júri, “pela sua inconfundível voz poética que, com austera beleza, torna universal a existência individual”.

Muitas vezes descrita como uma poeta autobiográfica, que se inspira na sua própria vida e memória e na mitologia clássica, que aprendeu em pequena através das leituras da mãe, Louise Glück, a primeira poeta dos Estados Unidos da América, a terceira escritora norte-americana e a 16ª mulher a receber este Prémio, nasceu em Nova Iorque, em 1943, e publicou o primeiro livro, Firstborn, em 1968. Com 12 livros de poesia, foi também professora de poesia em diversas instituições universitárias dos Estados Unidos.

Antes de ser galardoada com o Nobel da Literatura, Louise Glück viu várias vezes o seu trabalho reconhecido e valorizado através da atribuição de muitos outros Prémios e distinções: o National Book Critics Circle Award, em 1985; o Prémio Nacional Rebekah Johnson Bobbitt de Poesia, em 1992; o Lannan Literary Award for Poetry, em 1999; o Prémio Pulitzer de Poesia, em 1993; nomeada Ambassador Book Award for Poetry, 2000 e 2007; o Prémio Bollingen de Poesia, em 2001; o PEN/Winship Award for Poetry, em 2006; o Wallace Stevens Award, em 2008; o Los Angeles Times Book Prize, em 2012; e o National Book Award for Poetry, em 2014; foi ainda poeta laureado do Congresso dos Estados Unidos, em 2001 e 2003.

Considerada uma das mais importantes poetas norte-americanas, a sua obra tem recebido pouca atenção em Portugal, onde nenhum dos seus livros se encontra publicado.

Em 2001, a antologia Rosa do Mundo. 2001 Poemas Para o Futuro, da Assírio & Alvim, incluiu os poemas “O Poder de Circe” e a terceira parte de “Paisagem”.



O Poder de Circe *

Nunca transformei ninguém em porco.

Algumas pessoas são porcos; faço-os

parecerem-se a porcos.


Estou farta do vosso mundo

que permite que o exterior disfarce o interior.


Os teus homens não eram maus;

uma vida indisciplinada

fez-lhes isso. Como porcos,


sob o meu cuidado

e das minhas ajudantes,

tornaram-se mais dóceis.


Depois reverti o encanto,

mostrando-te a minha boa vontade

e o meu poder. Eu vi


que poderíamos ser aqui felizes,

como o são os homens e as mulheres

de exigências simples. Ao mesmo tempo,


previ a tua partida,

os teus homens, com a minha ajuda, sujeitando

o mar ruidoso e sobressaltado. Pensas


que algumas lágrimas me perturbam? Meu amigo,

toda a feiticeira tem

um coração pragmático; ninguém


vê o essencial que não possa

enfrentar os limites. Se apenas te quisesse ter

podia ter-te aprisionado.


* Poema publicado originalmente na coletânea Meadowlands (1996), com o título “Circe’s Power”. Editado em Portugal na antologia Rosa do Mundo. 2001 Poemas Para o Futuro (2001), da Assírio & Alvim, numa tradução de José Alberto Oliveira.

Esta antologia faz parte do catálogo da Biblioteca do ECB.


O poema “O poder de Circe” remete-nos para a mitologia grega e para a Odisseia, o longo poema épico de Homero.

Circe era uma deusa menor, filha do deus do Sol Hélios e de Persede, e irmã de Pasífae e Eetes. Feiticeira, especialista em venenos e drogas, Circe era considerada a Deusa da Lua Nova, do amor físico, feitiçaria, encantamentos, sonhos precognitivos, maldições, vinganças, magia negra, bruxaria e caldeirões. Com os seus filtros, transformava em animais todos os que entravam no seu território na ilha de Era.

Circe desempenha um papel importante na lenda de Ulisses, descrita por Homero como “a pérfida deusa de belos cabelos”. Transformou em porcos os companheiros de Ulisses que tinham partido numa missão de reconhecimento da ilha. Avisado, Ulisses é o único que escapa ao sortilégio e recebe de Hermes uma planta mágica que lhe permite resistir aos malefícios de Circe. Este episódio da Odisseia de Homero tem sido interpretado como ilustrativo do conflito entre a inteligência e a sensualidade.

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